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Parcerias público-privadas:

as realidades de um sonho

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23/12/2004 às 00:00
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Capítulo 3: O sonho representado pelas PPP no Brasil

            Em recente evento em Brasília (13 e 14 de novembro de 2003), o presidente do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, importante e economista e ilustre professor, Carlos Lessa, encerrou o "Seminário Internacional Parceria Publico-Privada (PPP) na Prestação de Serviços de Infra-Estrutura MRE – BID –BNDES" fazendo apologia ao sonho do desenvolvimento imaginado pelo agente público decisório, quando supera a visão imediatista de mercado e ir além, aonde se encontra o sonho, pois para ele "só além do mercado é que está o sonho".

            Nas palavras de LESSA (2003):

            As sociedades têm que sonhar, e sonhar significa a vontade de ser, e a vontade de ser implica trabalhar com extrema objetividade, no limite das suas possibilidades, lançando mão dos expedientes disponíveis, e tentar mover-se em direção ao sonho.

            Para Lessa, abraçando a tese keynesiana de Kalecki, o Estado é o promotor de "qualquer" ciclo econômico, que ascende pelo investimento estratégico, onde está presente o investimento público, predominantemente, em infra-estrutura.

            Aponta o baixo crescimento brasileiro, desde o começo dos anos 80, com a crise do México, que afastou a oferta de empréstimos para a América Latina, e o jogou o Brasil em sucessivas crises e planos econômicos tópicos de emergência, aprofundando a incapacidade de crescimento adequada com as demandas sociais.

            Preocupado com o crescimento insuficiente do Brasil, LESSA (2003) desabafa:

            Nós brasileiros não vamos a lugar nenhum com taxas de crescimento medíocres. Em 20 anos, retrocedemos da oitava posição em produção industrial no mundo para décima terceira. São vinte anos de crescimento medíocre. Creio que, ao falar disso no Brasil, quase que eu estou falando do que aconteceu na maior parte dos países da América Latina. E ficamos todos esperando o investimento direto, em escala, no mundo globalizado, que iria nos fecundar, introduzir em nós o ânimo e a injeção necessária. Isto é do meu ponto de vista uma esperança vã, absolutamente vã.

            No mesmo evento, o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães, representando o ministro Celso Amorim, do Ministério das Relações Exteriores, realça a necessidade da parceria entre os setores públicos e privados e assevera que "acrescentaria que, no caso do Brasil, crescendo a uma taxa de 1.3% ao ano, a população, há uma pressão muito grande sobre a infra-estrutura. Só para manter a deficiente infra-estrutura existente, é necessário um esforço muito grande de investimento. Para isso também a questão da limitação de recursos é importante. Portanto, o esquema das Parcerias Público-Privadas pode se tornar um instrumento muito relevante para viabilizar essas obras. Naturalmente todos os aspectos sociais decorrentes para a retomada do crescimento no Brasil são de extrema importância, e neles a parceria também se torna um instrumento crucial."

            O que deixa claro qual o papel que a política de PPP significa para o governo Lula, ou seja, estabelecer parcerias, obviamente eficazes, é um "instrumento crucial" para o crescimento do Brasil.

            Assim, o sonho do desenvolvimento e do crescimento necessitam das PPP, pois o sonho para o Brasil, um país periférico, é definido por LESSA (2003) como sendo o desenvolvimento econômico condicionado à obtenção da inclusão social e à manutenção da soberania nacional: "Para os países de uma periferia do mundo, o sonho é o do desenvolvimento. Eu diria que é o sonho do desenvolvimento com inclusão social, eu diria que é o sonho do desenvolvimento com inclusão social e soberania e agora eu vou dizer mansa, mansa soberania nacional. Esse é o sonho."

            a) O Projeto de Lei – PL de contratos de PPP do Ministério do Planejamento do governo Lula

            O Projeto de Lei n°2546/03 (* vide nota de atualização) - Lei da PPP -, em tramitação no Congresso insere-se no contexto do Plano Plurianual – PPA do governo para o período 2004 a 2007, que espera investir até 2007 o equivalente a 21,7% do PIB – Produto Interno Bruto. Nesse sentido, foi encaminhado ao Congresso Nacional, em 19 de novembro de 2003, em regime de prioridade, proposta de Projeto de Lei PPP. Entretanto, sua tramitação no Congresso Nacional poderá impor-lhe alterações significativas, uma vez que se trata de uma lei que buscar encaixar-se como uma cunha no edifício jurídico, na área sensível que regulamenta as atividades de contratação de entidades privadas pelo setor público, obrigando a uma acomodação importante nos modos de fluxos de capital e mesmo nos montantes comprometidos, que devem observar a capacidade de endividamento público, em respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal.

            Seu objetivo é adaptar o atual marco legal de contratação (Lei nº 8.666, de 1993) e de concessão de serviços (Leis nº 8.987 e 9.074, ambas de 1995), implementando algumas alterações que facilitem a adoção do sistema de parceria e o seu elemento de distinção: compartilhamento dos riscos e financiamento privado.

            Trata este PL de regular, de forma abrangente, todos os contratos de parceria no Brasil, em qualquer esfera administrativa de poder, conforme estabelece seu art. 1o e seu parágrafo único:

            Art. 1° Esta Lei institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada, no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

            Parágrafo único. Esta Lei se aplica aos órgãos da administração direta, aos fundos especiais, às autarquias, às fundações públicas, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

            Merecem atenção neste projeto de lei os seguintes aspectos:

            I -Garantias à remuneração pública do parceiro privado: Que visam firmar a confiança do particular que assume a responsabilidade integral pelo investimento no projeto objeto da parceria.

            a) Remuneração: Observar os instrumentos de remuneração e garantia previstos. Atenção especial deve ser dada ao (§ 3º do art. 5º), que estabelece a precedência das obrigações originárias de contratos de Parceria Público-Privada na liberação de recursos orçamentários e pagamentos em relação às demais obrigações contratadas pelo Poder Público:

            Art. 5º A contraprestação da administração pública nos contratos de parceria público-privada poderá ser feita por:

            I - pagamento em dinheiro;

            II - cessão de créditos não tributários;

            III - outorga de direitos em face da administração pública;

            IV - outorga de direitos sobre bens públicos; ou

            V - outros meios admitidos em lei.

            §1º A remuneração do parceiro privado poderá sofrer atualização periódica com base em fórmulas paramétricas, conforme previsto no edital de licitação.

            § 2º Os contratos previstos nesta Lei poderão prever o pagamento ao parceiro privado de remuneração variável vinculada ao seu desempenho na execução do contrato, conforme metas e padrões de qualidade e disponibilidade previamente definidos.

            § 3º A liberação dos recursos orçamentário-financeiros e os pagamentos efetuados para cumprimento do contrato com o parceiro privado terão precedência em relação às demais obrigações contratuais contraídas pela administração pública, excluídas aquelas existentes entre entes públicos e observado o disposto no art. 9º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000.

            § 4º Não se aplica à licitação destinada à contratação de que trata esta Lei, o disposto na alínea "a" do inciso XIV do art. 40 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de l993.

            b) Liquidação do empenho em favor do financiador:

            O PL autoriza a liquidação do empenho em favor da instituição financeira que financiou a parceria, como garantia do empréstimo feito pelo parceiro privado (art. 7º):

            Art. 7º O contrato de parceria público-privada poderá prever que os empenhos relativos às contraprestações devidas pela administração pública possam ser liquidados em favor da instituição que financiou o projeto de parceria, como garantia do cumprimento das condições do financiamento.

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            Parágrafo único. O direito da instituição financeira limita-se à habilitação para receber diretamente o valor verificado pela administração pública na fase de liquidação, excluída sua legitimidade para impugná-lo.

            c) Vinculação das receitas: admite-se a vinculação de receitas e utilização de fundos especiais, desde que previsto em lei específica (art. 8º); e,

            Art. 8º Para o cumprimento das condições de pagamento originárias dos contratos administrativos decorrentes de parceria público-privada será admitida a vinculação de receitas e instituição ou utilização de fundos especiais, desde que previsto em lei específica.

            d) Fundo Fiduciário de Incentivo às PPP:

            autorização para integralização de Fundo Fiduciário de Incentivo às Parcerias Público-Privadas a ser instituído por Instituições Financeiras (art. 9º):

            Art. 9º Para concessão de garantia adicional ao cumprimento das obrigações assumidas pela administração pública, fica a União autorizada a integralizar recursos, na forma que dispuser ato do Poder Executivo, em Fundo Fiduciário de Incentivo às Parcerias Público-Privadas criado por instituição financeira.

            §1º A integralização a que se refere o caput poderá ser realizada com os seguintes recursos públicos:

            I - dotações consignadas no orçamento e créditos adicionais;

            II - transferência de ativos não financeiros; e

            III - transferência de bens móveis e imóveis, observado o disposto em lei.

            § 2º A integralização de recurso no Fundo Fiduciário mediante a transferência de ações de companhias estatais ou controladas pela administração pública, nos termos do inciso II do § 1º,não poderá acarretar a perda do controle acionário pela União.

            §3º Estados, Municípios e o Distrito Federal poderão, mediante lei específica, autorizar a integralização de fundos fiduciários com as características referidas neste artigo.

            II - Estabelecimento de metas de desempenho condicionando a remuneração do parceiro: A Administração Pública poderá definir metas e padrões de qualidade que indiquem o desempenho do parceiro no contrato, prevendo uma remuneração variável:

            § 2º Os contratos previstos nesta Lei poderão prever o pagamento ao parceiro privado de remuneração variável vinculada ao seu desempenho na execução do contrato, conforme metas e padrões de qualidade e disponibilidade previamente definidos.

            III - Consonância com a Lei de Responsabilidade Fiscal: O art. 14 expressa a preocupação em atender a Lei de Responsabilidade Fiscal

            IV - Órgão Gestor: Um comitê ou órgão gestor, coordenado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, terá a como funções:

            - Fixar procedimentos para contratação de PPP;

            - Selecionar projetos;

            - Difundir conhecimentos técnicos ao setor público; e

            - Recepcionar as iniciativas do setor privado no campo das PPP.

            Art. 13. Ato do Poder Executivo instituirá órgão gestor, a ser coordenado pelo Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão, com a finalidade de fixar procedimentos para contratação de parcerias público-privadas no âmbito da administração pública e definir as atividades, obras ou serviços considerados prioritários para ser executados sob o regime de parceria.

            A arquitetura dos negócios de PPP está, portanto, estruturada numa composição de natureza tripartite, qual seja, a Administração Pública, o empreendedor privado e os financiadores das dívidas.

            O Estado compõe um fundo fiduciário como garantia do pagamento da contraprestação de obras ou serviços e as entidades financeiras disponibilizam os recursos financeiros. Na redação do art. 7o o devido pela Administração poderá ser liquidado em favor da instituição financeira, "como garantia do cumprimento das condições do financiamento"

            O órgão ou comitê gestor atua de modo global e sistêmico nas seleções dos projetos, desempenhando o papel de efetuar as escolhas e não escolhas de interesse do governo, com base em critérios técnicos e políticos.

            O esquemático abaixo (7) expõe a arquitetura dos negócios de PPP, com o posicionamento dos principais atores: Setor Público, Parceiro Privado e Financiadores.

            FIGURA 2 – ARQUITETURA DOS NEGÓCIOS PPP

             

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Sobre o autor
Mario Cesar da Silva

Professor universitário, advogado, especialista em gestão Pública, Mestre em engenharia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Mario Cesar. Parcerias público-privadas:: as realidades de um sonho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 534, 23 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6087. Acesso em: 25 abr. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada à Faculdade de Ciências e Letras do Campus de Araraquara da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, como parte dos requisitos para conclusão do Curso de Especialização, em nível de pós-graduação lato sensu, em Gestão Pública e Gerência de Cidades. Araraquara, 2004

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