Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Traços jurídicos, físicos e econômicos da modalidade de negócio chamada shopping center

Exibindo página 2 de 3
Agenda 01/07/2000 às 00:00

MITOS, REALIDADE E MENTIRAS

Uma das crenças mais populares é que ter uma loja num "shopping center" é estar com o sucesso garantido. Outras: "o empreendedor tem total interesse no sucesso do lojista", "não há desvantagens em se instalar em um ‘shopping center’, senão não haveriam tantos", "é um investimento seguro, embora vultoso", "o futuro são os ‘shopping centers"; essas crenças são de pasmar, ainda mais se soubermos que algumas delas foram retiradas de decisões judiciais onde raramente o lojista tem sucesso em seu pleito.

A falta de legislação específica para tais tipos de empreendimentos no Brasil (existe um anteprojeto de Lei sobre a matéria transitando desde 1987 no Congresso), que defina exatamente o que é um "shopping center", os direitos, deveres e responsabilidades, tanto de lojistas bem como dos empreendedores; abre uma lacuna pela qual alguns grupos econômicos enveredem pelo caminho da venda do "lucro garantido", cujo mercado vinha apresentando galopante crescimento, não só devido à tendência de tercearização da economia, mas por haver expressiva parte da sociedade, desavisada, que acredita(va) estar fazendo um investimento seguro e com sucesso garantido em uma loja em "shopping center" na ilusão de conquistar sua independência financeira, mas acaba tendo amargos prejuízos. Num "shopping center" não é excesso dizer que o risco do empreendedor é tercerizado para o lojista, que é sempre "incompetente", e o empreendedor nenhum, repito, nenhum risco corre.

O marketing do negócio, voltado para o potencial lojista, é sempre a promoção de um empreendimento que trará sucesso garantido aos participantes, pois têm como integrantes nomes de peso e expressão no mercado, só que estes são conhecedores dos meandros e bastidores de tais tipos de empreendimento e não se aventuram a amargar prejuízos. Quando o fazem, somente em condições excepcionais, como temos visto, fazendo com que o neófito, este sim o público alvo deste tipo de empreendimento realizado pelo empreendedor mal intencionado, perceba que está tendo uma excelente oportunidade de negócio. Então, após algum tempo em operação, constata que investiu num projeto em que o seu prejuízo é o lucro de alguém.

Basta que o lojista ao contratar uma locação em "shopping center", em cujo contrato reconhece que terá inúmeras vantagens que não desfrutaria em uma locação isolada, considerado atípico perante a lei, que contém inúmeras cláusulas leoninas, várias ao arrepio da Lei vigente, que limitam a igualdade e a eqüidade entre empreendedor e lojista, para que este constate que além dos riscos inerentes à atividade de seu ramo de negócios, também corre risco nas mãos do Empreendedor, uma vez que este não corre nenhum risco e lucra - e muito - com o seu insucesso, uma vez que a cada loja devolvida, porque o lojista "quebrou", é mais uma loja a ser novamente locada e mais uma cobrança de "luvas" embolsada. A prática demonstra que a alta rotatividade seja a fonte real de lucro de alguns empreendimentos.

Estamos nos referindo às chamadas "lojas magnéticas", como definidas pela ABRASCE (Associação Brasileira de Shopping Centers). Ao que verifica-se serem estas a maior fonte de receita do Empreendedor, uma vez que as lojas maiores, as âncoras, têm seus custos de locação por metro quadrado proporcionalmente menores, bem como a participação do empreendedor no faturamento também menor. Dependendo do empreendimento, em via de regra, muita dessas lojas-âncora não contribuem para as campanhas promocionais ou fundo de promoção promovidas pela Associação de Lojistas, pois, afinal, são elas o grande atrativo do "shopping" e a saída delas do "shopping" implicaria num enorme "embaraço" de imagem junto aos demais lojistas, futuros em especial.

A doutrina, um tanto defasada pelo tempo e em dissonância com a realidade que existe desconsidera se o funcionamento peculiar de tais tipos de empreendimentos é benéfico eqüitativamente às partes contratantes, a exemplo que temos na História de doutrinas que serviram para consubstanciar e consolidar situações de subordinação de maiorias às minorias, como `a época do surgimento do Capitalismo, cujas doutrinas com ele comprometidas buscavam formas maquiavélicas de justificá-lo a todo e qualquer custo, portanto não prevendo se determinados vícios e práticas se mostrassem nocivas e pudessem desequilibrar e comprometer a capacidade econômica de um dos "parceiros".

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Ocorre que os lojistas, em "shopping centers" de fato ou não, devido a falta de regulamentação do setor, não tem como agir nos casos de má intenção (no caso de uma administração temerária), incompetência ou qualquer outro motivo que venha prejudicar de sobremaneira o desempenho econômico do empreendimento.

O lojista não tem nenhum mecanismo de gerência no caso do empreendedor "deixar entrar" mais lojas de determinado ramo de negócio ao ponto de saturar o "mix" vindo a prejudicar à todos do ramo. É uma das formas que o empreendedor tem de regular a rotatividade. Outro meio são os quiosques. São comuns as locações de quiosques do mesmo ramo comercial de várias outras lojas instaladas (que têm seus custos de instalação bem maiores) como é o caso de brinquedos, miudezas & quinquilharias que fazem uma concorrência desleal ao lojista já instalado. Também é comum o empreendedor deixar entrar no "mix" uma grande loja de determinado ramo de atividade "matando" os comerciantes pequenos já instalados. Os lojistas que tudo pagaram para lá ter uma loja, nada podem fazer.

A Associação de Lojistas e o Fundo de Promoção são também aspectos relevantes. A Associação, na qual o lojista adere compulsoriamente e dela é obrigado a ser sócio, embora o art. 5º inciso XX da CF diga claramente que: "ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado"; é criada pelo empreendedor anteriormente à inauguração do "shopping" para que ela tenha como objetivo zelar pelos interesses dos lojista e incrementar a atividade econômica, bem como fazer o melhor uso dos recursos arrecadados sob o título Fundo de Comércio (que é em média 10% da cota condominial quando não estipulado em cotas extras), como assim dizem especificamente os contratos de administração e outras avenças e o estatuto da associação.

Nesses instrumentos, invariavelmente, o empreendedor delega à Associação a missão do incremento econômico e do marketing embora ele seja o mandatário e fiel depositário do fundo de promoção e ainda cobra uma taxa que varia de 5% à 10% das despesas dessa conta por sua administração. Também por força de cláusula contratual, deixa sob responsabilidade da Associação possíveis inadimplências que poderão ocorrer pelo não recebimento das cotas condominiais (embora a L. 8.245/91 especifique que o proprietário do imóvel é o responsável) e ainda estabelece que toda e qualquer obra que o empreendedor contratar será custeada pelos lojistas (o que também é vetada pela supra citada lei). Assim sendo, o Fundo de Promoção acaba cobrindo possíveis inadimplências de condomínio e custeando obras ao invés de serem investidas, exclusivamente, em campanhas promocionais e afins. Essa promiscuidade administrativa é alvo de inúmeras ações judiciais que reclamam das transparências das prestações de contas em relação a administração dos condomínios.

O anteprojeto de lei, a exemplo da lei Americana, estipula que 10% de todas as rendas auferidas pelo empreendedor deveriam ser recolhidas em contribuição ao Fundo de Promoção que seria aplicado autonomamente pela Associação unicamente em campanhas promocionais e eventualmente em obras que aderirão ao patrimônio do empreendedor se por iniciativa e custo da Associação. Da maneira que é, o empreendedor faz a obra que bem entende e o lojista é quem paga.


FATOS

Como já vimos, a L. 8.245/91 não tipifica, não define, exatamente o que é um SC e quais as características que obrigatoriamente devam existir para que exista de fato um SC, bem como não define as responsabilidades tanto de empreendedor quanto de lojista, as cláusulas que são válidas e as que não podem existir em tal contrato. Aproveitando-se dessa lacuna, dessa "salutar omissão" do legislador - uma vez que muitos deles são empreendedores de "shopping centers" - alguns grupos econômicos ardilosamente maquiaram empreendimentos ou para que se parecessem com SC ou para que pudessem ser cobrados encargos próprios de uma locação em SC em total afronta à Lei.

A própria ABRASCE tem contribuído para que a Lei seja burlada e tais grupos se locupletem do trabalho alheio quando do passa a definir e consubstanciar em doutrina existência do determinados tipos de empreendimentos, tais como:

Nesse segmento encontram-se o RioSul, o BarraShopping, o NorteShopping, entre outros.

Nessa classificação procura-se enquadrar algumas galerias com certas peculiaridades ou grandes espaços divididos em pequenas lojas ou "boxes".

Nessa classificação incluiríam-se os supermercados que têm várias lojas em seu interior ou uma galeria comercial com características peculiares, tais como o CARREFOUR, EXTRA, FREEWAY, entre outros.

Nos EUA foram instalados em grandes fábricas desativadas cujo acabamento é rústico e desprovido de luxo, com custo baixo ocupado por pequenos fabricantes.

Nessa classificação estariam incluídos as lojas dentro de parques temáticos como o Terra Encantada, terra do GUGU e outras do gênero.

O que é definido como Shopping Regional é o que reúne os elementos da caracterização objetiva do que seja um SC de fato. Ressalta-se que na legislação Americana, que distingue "MALL" (que veremos mais tarde) de SC, tal como era anteriormente a definição da ABRASCE que estipula que SC deveria ocupar uma área de, no mínimo, de 5.000 m2, e estabelece que o SC deverá ser um substancial agregado de negócios econômicos que alcance grande área de influência e por esse motivo não estariam aí incluídos os pequenos, cujo faturamento não proporcionasse um vultosa campanha de marketing e significante atração de riquezas.

Disso podemos extrair que Shopping Comunitário e Shopping de Vizinhança também são meras adaptações às lacuna da lei. São inúmeros supermercados e hipermercados que têm em seus interiores lojas cujo objetivo é a locação para que possam serem ofertados aos clientes produtos e serviços complementares que o supermercado, dada sua complexidade ou especialidade, não têm como atender, como por exemplo: conserto de eletrodomésticos (em geral), venda de equipamentos para piscinas, farmácias, bancos, câmbio, pet-shops (com serviços de banho e tosa de animais); bem como galerias comerciais (ou vitrines comerciais) que têm determinadas peculiaridades tais como: ter um proprietário de várias lojas, estar em uma excepcional localização no sítio urbano, ter várias lojas ocupadas por um supermercado; ou mesmo ser um aglomerado de lojas no interior de uma faculdade ou campus universitário, como tantas que existem. É comum encontrarmos nessas lojas a oferta de produtos idênticos às ofertadas no supermercado que a acolhe, não trazendo nenhuma vantagem significativa, seja para o lojista, seja para os clientes. Também é de se indagar: qual é a convergência de interesses quando a locação de lojas no interior de um campus universitário entre universidade e lojista?

O fato a mais que temos que atentar é que esse conceito aproveita empreendimentos construídos anteriormente à existência de "shopping center" ou desse conceito, somente para os novos lojistas estando os antigos subordinados à ordem jurídica normal de uma locação ordinária qualquer.

O Shopping Especializado é também uma grosseira violação da ordem legal. Diz respeito às grandes áreas ou lojas, ocupadas anteriormente por cinemas, teatros ou outro ramo de negócio que necessite de grande espaço, até mesmo um estacionamento em sítio urbano valorizado que é dividido em "boxes" ou lojinhas que vendem sempre o mesmo tipo de produto. Os mais conhecidos são os "shoppings de informática" e os "shoppings de vestuário" ("shopping" do jeans, da malha, etc). Em geral esses contratos de locação são em prazos inferiores aos cinco anos mas trazem as cláusulas do aluguel em dobro no mês de dezembro, aluguel percentual e res sperata proporcional ao tempo da locação, ou mesmo a cobrança de uma taxa para celebração do contrato (as famigeradas "luvas"). No caso de renovação do contrato, o locatário paga novamente a res sperata (ou a taxa para renovação). Nos EUA são comuns os "Boat Shop" com tudo para esportes náuticos, pesca, acessório para barcos, e afins.

Outlet Center, em sua origem era um aproveitamento de instalações fabris desocupadas e próximas aos centros urbanos ou em sua periferia com a características de serem em áreas sucateadas. Muitas dessas áreas foram ao longo dos anos revitalizadas e deram lugar a modernos "shoppings centers", como no recente caso de Buenos Aires, na região do porto. Tais instalações não envolviam investimentos em luxo ou conforto que fossem além do mínimo indispensável e visavam a instalação de pequenas confecções ou pequenos fabricantes de produtos não encontrados em larga escala no mercado ou mesmo dirigido a nichos específicos de mercado. São lojas padrão, muitas delas sem mesmo o teto, dada a altura da loja até o teto do galpão que as abriga, muito embora não sejam mercados populares. Os contratos poderiam ser por tempo variado e não há a preocupação do locatário com perenidade do negócio naquele ponto, pois esse estágio é comumente visto como estágio encubatório. Os encargos com aluguel é fixo e os demais custos baixíssimos. Outro tipo dessa variante são os Flea Market (Mercado da Pulgas), abundantes nos EUA. No Brasil os exemplos, ainda que impróprios, são os eventos ambulantes do tipo Mercado Mundo MIX e Mambo MIX.

No Rio de Janeiro existe o Nova América Outlet Shopping Center que foi instalado no prédio da antiga fábrica de tecidos Nova América, porém não se trata de instalação que se possa considerar espartana e nem voltada aos pequenos fabricantes, senão para as lojas de grife, algumas que vendem pontas de estoque e alguns grandes magazines. O mesmo exemplo se enquadra o Shopping D em São Paulo, que é um "shopping" popular e não um Outlet.

Esta talvez seja a maior aberração. A definição de Festival Center foi desenvolvida para que se desse um mínimo de legitimidade à cobrança de determinados encargos próprios do contrato de "shopping center" das lojas instaladas em parques de diversão, centros integrados de cinema e com vistas no crescente mercado de parques temáticos, como é o caso do Terra Encantada, Parque do GUGU, salas de cinema, entre outros.

Existe um outro tipo de "shopping" que é conhecido com "MALL" e daí subsistem inúmeros equívocos. Em um prédio de um SC pode haver um "mall" que aquela abertura ou espaço entre as galerias onde quase sempre há um telhado transparente ou mesmo que dá para ver as galerias dos andares inferior ou superior. Seria semelhante ao átrio das construções antigas, romanas por exemplo. Nos EUA o "mall" é um "shopping" autônomo com as lojas voltadas para o interior de uma abertura, onde pode haver uma estacionamento, pátio ou jardins. Também podem apresentar escritórios porém todas as unidades devem ser comerciais. Na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, inúmeros lançamentos de prédios comerciais tem as características físicas de "mall", porém não são caracterizados como SC por lhes faltarem as características peculiares, portanto sendo incabível a cobrança dos encargos próprios de uma locação em SC.

Sobre o autor
Márcio Pecego Heide

advogado, pós-graduado em Advocacia Criminal pela UCAM/RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HEIDE, Márcio Pecego. Traços jurídicos, físicos e econômicos da modalidade de negócio chamada shopping center. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/610. Acesso em: 23 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!