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Socioafetividade: o valor jurídico do afeto e seus efeitos no Direito Pátrio

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3. DOS DIREITOS PATRIMONIAIS DECORRENTES DO RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA

A legislação tem como papel regular as relações jurídicas existentes na sociedade, no que deverá harmonizar-se com a evolução constante do corpo social. De tal sorte que, como já relatado, o conceito de família não é o mesmo uma vez que houve a desbiologização da definição, haja vista que não mais se restringe aos laços genéticos, recebendo proteção jurídica as relações de afeto, carinho, proteção de pais e filhos sem qualquer vínculo consanguíneo.

Dessarte, com este novo fenômeno jurídico, qual seja, filiação afetiva, haverá de nascer efeitos jurídicos na esfera pessoal e material, no qual não devem tão somente situar-se no plano teórico, mas produzir efeitos práticos no ordenamento jurídico como um todo, repercutindo, inclusive, no âmbito do direito de alimentos e das sucessões.

Já no caso do estado de filiação, sendo matéria que afeta o Direito de Família e Sucessões por consequência, é inviolável que uma decisão judicial negue a legitimidade da posse de estado de filiação. Devendo, assim, o filho socioafetivo ser considerado como herdeiro necessário, sendo qualificado e portador dos mesmos direitos, conforme o disposto no art. 1.845 do Código Civil de 2002.(GOULART, 2013, p.9)

É sabido, que asolidariedade é prevista como objetivo fundamental daRepública, art. 3º, inc. I, da Constituição de 1988, no qual busca assegurar aos cidadãos construir uma sociedade livre, justa e solidária.

Tal objetivo constitucional acaba por refletir nas relações familiares, em que busca orientar aos membros que as relações sejam pautadas na afetividade, cooperação mútua, bem como vem a justificar o dever de alimentos por parte dos pais aos filhos menores.

Dessa maneira, uma vez reconhecida a parentalidadesociafetiva não irá restrigir apenas no plano dos direitos pessoais, como já relatado, irá repercutir também nos direitos patrimoniais.

3.1. Da obrigação de prestar alimentos

Com fundamento o princípio da solidariedade familiar os genitores tem obrigação legal de prestar alimentos aos filhos menores, no qual decorre do poder familiar nos termos do art. 1.566, IV do Código Civil.

Entre pais e filhos menores, cônjuges e companheiros não existe propriamente obrigação de alimentar, mas dever familiar, respectivamente de sustento e de mútua assistência (CC, art. 1.566, III e IV, e 1.724). A obrigação alimentar também decorre da lei, mas é fundada no parentesco (art.1.694), ficando circunscrita aos ascendentes, descendentes e colaterais até o segundo grau, com reciprocidade, tendo por fundamento o princípio da solidariedade familiar. (GONÇALVES, 2017, p.507)

Quanto ao vocábulo alimentos é natural que se entenda ser matéria prima consumida pelo ser humano como é fonte de energia e de valor nutricional as funções vitais. No entanto, tal vocábulo possui uma conotação mais ampla, nele sendo compreendidos vestuários, habitação, assistência médica, sustento, instrução e educação.

Cumpre salientar que até aos 18 anos essa necessidade é presumida, todavia aos filhos maiores é preciso provar que necessita a prestação alimentícia, no qual terá como fundamento o parentesco.

Dessarte, o pai e mãe deverão assistir aos filhos biológicos ou socioafetivos, não somente com o sustento propriamente dito, mas também com vestuários, custeio de atividades recreativas, como também moradia digna.

Outrossim, assistência material deverá ser analisada sob o binômio necessidade – possibilidade, uma vez que não sendo voluntário este dever de sustento, os filhos menores representados ou assistidos legalmente poderão pleitear tal obrigação por meio de ação judicial condenatória à prestação alimentícia.

Ressalta-se que a ação de alimentos não tem o cunho de reconhecer a filiação seja ela decorrente de vínculo biológico ou afetivo, mas o representante ou assististente do menor de 18 (dezoito) anos, poderá cumulativamente pedir o reconhecimento da paternidade e/ ou maternidade. E uma vez sendo declarado o estado filiativo,a condenação a prestação de alimentos deverá ser analisada á luz da necessidade do assistido e possibilidade do assistente.

Dessarte, corrobora com o exposto o entendimento de Lisboa (2013, p.55), “ na fixação da prestação de alimentos deve-se observar o binômio necessidade do alimentando e possibilidade do prestador”.

Indispensavél salientar que, atualmente, a única prisão civil que o ordenamento jurídico admite é a por dívida de alimentos, no qual se o executado citado não vir a pagar o débito em 3 (três) dias, ou não provar que o fez, bem como não justificar a impossibilidade de efetuá-lo, decretar-lhe-á prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses, no qual esta será cumprida em regime fechado.

Além de poder exigir dos genitores o dever alimentício, na impossibilidade dos pais terem recursos para atender as necessidades básicas do menor, poderá este querer que os ascendentes na linha reta assumam tal dever, onde os mais próximos excluem os mais remotos, e na ausência destes busca-se a solidariedade familiar aos parentes colaterais até o segundo grau, ou seja aos irmãos, seja eles bilaterais ou unilaterias.

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Ainda, dispõe a Lei Maior que, os pais tem o dever de assistir ao filhos menores,e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

A Carta Magna brasileira destaca, no seu art. 227, ser dever da família, em primeiro plano, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer e à profissionalização e no seu art. 229 ser dever dos pais, no desempenho do poder familiar, a mantença dos filhos menores. A solidariedade familiar entre pais e filhos é ilimitada e vai ao extremo de dirigir a venda de bens para cumprimento da obrigação alimentar, forte no princípio constitucional do direito à vida, dentro da dignidade da pessoa humana - arts. 1º e 5º da CF. (SILVA, 2003, p.73)

É certo que, uma vez reconhecida a posse de estado de filho na maioridade, ou mesmo que venha a ser reconhecer na menoridade, quando atingir-sea capacidade de fato, os filhos socioafetivos e/ou biologicos terão de amparar aos progenitores para suprir necessidades decorrentes de deficiência etária ou incapacidade laborativa, neste caso há um dever relativo de prestar alimentos, consubstaciado na solidariedade familiar recíproca.

Logo são características da obrigação de prestar alimentos, a irrenunciabilidadee reciprocidade. Como já visto, o dever de prestar alimentos é recíproco entre todos os parentes, bem como este direito não ser pode renunciar podendo o necessitado exigir-lo judicialmente.

3.2.Dos direitos Sucessórios

Oportuno, neste momento, fazer algumas pontuações acerca dos efeitos sucessórios decorrente do vínculo paterno-filial ou materno-filial afetivo, quando judicialmente reconhecido ou registrado voluntariamente.

O estado filial afetivo quando convalidado é apto a produzir efeitos jurídicos, haja vista que este ato é dotado de eficácia erga ommes, ou seja, transcende os efeitos entre as partes interessadas e é oponível contra terceiros. Bem como, tem efeito ex nunc, retroagindo a data do nascimento, ou ainda da concepção.

Consoante já aludido, o legislador ordinário estabeleceu o tratamento isonômico entre as proles, no texto do art. 1.593 do Código Civil, em que se determinou que o parentesco não é apenas aquele advento de vínculo consanguíneo, podendo ser amparado legalmente aquele fundado em outra origem, como a afetividade.

Dito isso, o segundo efeito patrimonial consiste na conquista da qualidade de herdeiro legítimo e necessário, vez que o filho socioafetivo reconhecido equipara-se aos demais descendentes na linha reta independentemente da origem filial.

O direito sucessório, conforme estabelecido pelo Código Civil, é a transmissão de bens, direitos e obrigações do falecido aos herdeiros legítimos, necessários, ou ainda testamentários. A herança quando legítima decorrerá por força de lei, e a testamentária por intermedio da manifestacao de ultima vontade, sendo permitido pelo ordenamento a coexistência das duas formas de sucessão.

De acordo com o princípio da saisine, por meio de uma ficção jurídica a herança irá transmitir aos herdeiros na hora da morte do de cujos. E uma vez declarado a sucessão aberta, o processo de inventário terá a finalidade de saldar os créditos com eventuais credores, bem como distribuir os quinhões hereditários.

O ordenamento jurídico pátrio com o objetivo de proteger os bens deixados pelo falecido para os herdeiros legítimos, dispôs que a pessoa ainda em vida só poderá dispor metade de seu patrimônio. Assim, a herança legítima é a parte indisponível, no qual cabe aos herdeiros necessário.

Convém apontar que o herdeiro necessário é o descendente, ascendente ou consorte sucessível, os quais tem direito legítimo a metade do espólio por lei.

Nessa conformidade, o art. 1.829 do Código Civil comanda que a sucessão legítima se defere na seguinte ordem: aos descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente, se este for herdeiro e não meeiro, aos ascendentes em concorrência com o cônjuge, ao cônjuge sobrevivente, e por fim aos colaterais.

Quem primeiro figura na ordem de vocação hereditária são os descendentes (CC 1.829, I). Entre eles os filhos, por serem de grau mais próximo. Como são herdeiros necessários (CC 1.845), fazem jus à legítima, ou seja, à metade do acervo sucessório (CC 1.846).(DIAS, 2016, online)

A lei estabelece que os filhos afetivos reconhecidos são herdeiros necessário, de forma que irão herdar a título universal e terão direito a mesma quota parte que os filhos decorrente de outra origem. Ressalta-se, que a Lei Maior veda quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação, estabelecendo tratamento igualitário aos filhos biológicos e socioafetivos.

Acerca do tema, Maria Berenice Dias sustenta que para o filho afetivo ter direito sucessório é necessário que tenha nascido ou ao menos tenha sido concebido antes da abertura a sucessão, tendo em vista que se não for reconhecido não poderá desfrutar da condição de filho e não lhe será transmitida a herança.

Salienta ainda Dias que, é inescusável a propositura da ação para obter o reconhecimento do estado de filiação, que poderá ser após o falecimento do genitor ou genitora, sendo que neste caso poderá cumular o reconhecimento com petição de herança, a fim de resguardar seu quinhão hereditário.

Dessarte, o filho socioafetivo reconhecido poderá pleitear quota parte que lhe pertence, bem como a nulidade da partilha quando não for chamado a suceder, vez que o legislador lhe assegurou a qualidade de herdeiro necessário.

Ademais, apropriado é destacar que o estado de filiação pode ser reconhecimento via testamento, conforme disposição do Código Civil art.1.857, bem como tais disposições de cunho não patrimoniais são irrevogáveismesmo se seja nulo o testamento. Dessa forma, pode o testador reconhecer o filho socioafetivo por disposição de última vontade, e este vir a ter direito à sucessão legítima.

Outrossim, ainda com relação a vocação hereditária o legislador prevendo que em alguns casos o de cujos não tenha descendentes e ascendentes, e nem cônjuge sobrevivente a herdar. Ordenou que, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau, em que os mais próximos excluirão os mais remotos.

À vista disso, pode-se observar que o dispositivo 1.841 do Código Civil, garantiu também ao colateral de segundo grau socioafetivo o direito sucessório, a ser chamado a suceder na herança do irmão que não deixou descendentes, cônjuge ou ascendentes.

Ressalta-se que, o reconhecimento da filiação socioafetiva seja por reconhecimento espontâneo perante o Cartório, por testamento, ou judicialmente, não obstam o direito propor ação judicial com proposito de buscar a verdade biológica.

De sorte que,se o filho afetivo reconhecido pleitear posteriormente ação de investigação de paternidade, a fim conhecer sua origem genética, e uma vez declarada judicialmente a paternidade, irá gerar também direitos pessoais e materiais. Como já explanado, caracterizando a multiparentalidade, este terá direito sucessório de ambos os genitores, biológico e socioafetivo.

A condição de filho afetivo não impede a investigação da paternidade biológica. A tendência é admitir a inclusão de nome do pai biológico no registro de nascimento, constituindo-se o que se chama de multiparentalidade. Esta hipótese, inclusive, enseja o reconhecimento de direitos sucessórios com relação a ambos.(DIAS, 2016, online)

Com os novos arranjos familiares e o reconhecimento do estado de filiação afetivo, a tendência não é limitar os direitos da prole frente a multiparentalidade, mas sim assegurar-lhes frente ao princípio da proteção integral e da dignidade da pessoa humana. De modo que não se pode restringir o direito sucessória a uma das filiações, a quem tem mais de um pai ou mais de uma mãe, em que deverá concorrer a ambas heranças se for o caso.

No entanto, vê-se que é necessário ao magistrado usar do poder de cautela ao dirimir lide fundada no reconhecimento post mortem do estado de filiação, seja socioafetiva ou biológica, tendo em vista que em alguns casos esse “filho” já se tenha pai registral e venha a pleitear outra parentalidade com o cunho meramente de obter vantagem econômica. Sendo que neste caso, poder-se-ia afirmar que não haveria direito sucessório, ou seja, não teria direito à herança peticionada.

Em contrapartida, em casos onde não há interesse de ordem econômico- financeira não há que obstar o reconhecimento da parentalidade, uma vez sendo preenchido os requisitos da posse de estado de filho, ou se for o caso comprovado o vínculo parental fundado na hereditariedade biológica, é seu direito constitucionalmente assegurado.

Assim, sendo reconhecido o parentesco afetivo decorrerão inúmeros efeitos na seara jurídica, sendo eles extrapatrimoniais e patrimoniais. Por isso, que o legislador com fundamento na proteção integral da criança ou adolescente, bem como à luz do princípio da dignidade humana, lhes assegurou como direito material os alimentos e direitos sucessórios, dentre outros.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como visto, no presente trabalho, a conceituação de família e as relações de parentesco passaram por grandes transformações ao longo dos anos, e nesse espaço temporal a afetividade ganhou destaque frente à família patriarcal.

É certo que o núcleo familiar outrora era restrito às relações de herança biológica, no qual os filhos seriam aqueles havidos dentro da relação matrimonial, e em decorrência, teriam a carga genética de seus progenitores.

Sucede-se que, com a promulgação da Lei Maior em 1988, introduziu no ordenamento pátrio a concepção de Estado Democrático de Direito, no qual dentro do Direito de Família buscou-se valer de princípios como da dignidade da pessoa humana, solidariedade, igualdade, afetividade, permitindo não restringir as relações de parentesco, sejam elas entre pais e filhos e entre parentes com ancestrais em comum, meramente ao vínculo consanguíneo.

Neste contexto, o afeto surge como fonte balizar para as famílias contemporâneas, no qual laços de carinho, afeto e solidariedade preponderam frente às relações puramente biológicas. Dessa maneira, a verdade biológica revelou-se insuficiente para o fim assecuratório de uma paternidade e/ou maternidade exercida com responsabilidade e amor.

Destarte, a paternidade e maternidade deixam de ser sinônimos de elo consanguíneo, em que a figura paterna ou materna não pode somente ser qualidade pelo estado biológico, e sim ser reconhecida pelo laço de amor, carinho, proteção, atenção desenvolvida nas relações maternas-filias e paterno-filiais. Pois, pai e mãe são aqueles que criam e não aqueles que concebem.

Advém que, com o surgimento dessa nova modalidade de família e, especificadamente objeto de estudo a filiação, é necessário examinar os direitos desinentes do reconhecimento no mundo jurídico, e os assegurar a quem é sujeito de direito. Haja vista que, tanto o legislador originário, quanto o ordinário, não expuseram de forma clara e precisa os direitos estabelecidos ao filho socioafetivo.

E a partir dessa conjuntura surge a necessidade de estudar os direitos pessoais e patrimoniais inegáveis ao filho socioafetivo através da hermenêutica jurídica e interpretação extensiva, tendo em vista as lacunas na legislação de maneira que esses filhos merecem a mesma proteção jurídica em relação àqueles que possuem vínculo biológico, sendo-lhes garantido os mesmos direitose, consequentemente, vedando toda forma de tratamento desigual.

Configurada a filiação socioafetiva, o filho afetivo tem o direito ao nome, o estabelecimento do poder família, à multiparentalidade (se configurada no caso concreto), o direito aos alimentos, bem como o de ser chamado à ordem sucessória.

Portanto, a composição familiar meramente decursiva de elo genético é mitigada frente ao perfil do acolhimento e do afeto, em razão do qual não podendo mais afirmar que o grupo familial se formar em razão tão somente da consanguinidade, mas primordialmente em virtude da afetividade.

Por fim, defende-se nesse artigo que o estado de filiação afetivo gera efeitos e deve ser reconhecido. Entretanto, enquanto não for regulado pelo legislador, ou seja, não houver um reconhecimento expresso por parte do ordenamento jurídico, incumbirá ao magistrado identificar e proteger essa relação fática de filiação.

Sobre os autores
Vinicius Pinheiro Marques

Doutor em Direito Privado (magna cum laude) pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS). Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Professor de Direito da Universidade Federal do Tocantins (UFT), do Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA) e da Faculdade Católica do Tocantins (FACTO).

Nadhya Souza

Acadêmica do 9º período do curso de Direito da Católica do Tocantins.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Este artigo foi desenvolvido como critério de conclusão do curso da graduação.

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