Socioafetividade: o valor jurídico do afeto e seus efeitos no Direito Pátrio

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2. DOS DIREITOS EXISTENCIAIS DECORRENTES DA SOCIAFETIVIDADE

Conforme dispõe o preâmbulo da Constituição de 1988 instituiu-se no Brasilo Estado Democrático de Direito no qual assegura o exercício dos direitos sociais e individuais, bem como o bem-estar e a igualdade.

O texto do artigo 1º da Carta Política aduz que um dos fundamentos dessa nova ordem é a dignidade da pessoa humana. À luz do direito de família pode-se afirmar que o princípio da dignidade da pessoa humana está intrinsicamente ligado aos direitos da personalidade, no qual esses são os direitos subjetivos inerentes a pessoa, tais como direito ao nome, a filiação, a privacidade, a saúde, aos alimentos.

Da mesma maneira cumpre observar que o princípio da afetividadeé um dos basilares do direito da família, no qual estar a ganhar destaque quando se trata da filiação afetiva.

Daí surge o princípio da afetividade, que decorre do princípio da dignidade da pessoa humana e tem alicerce na ordem constitucional baseado no entendimento de família como grupo social constituído basicamente nos laços afetivos, embora não seja um princípio expresso na Constituição Federal de 1988, a afetividade ganha ênfase nos julgamentos dos tribunais e na doutrina, perpetrando que o fator principal definidor da paternidade não seja mais a origem biológica, mas a afetividade comprovada nas relações. (ALMEIDA, 2015, p.58)

Sabe-se queo genitor tem o dever de proteger sua prole tanto no aspecto moral como material a fim de que estes possam ter uma vida digna, lhes assegurando o pleno desenvolvimento e consequentemente o mínimo existencial.

Insta salientar que a Lei Maior, no teor do art. 229 dispôs que, “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores”. Tal como no caput do art. 227, ordena que é dever da família, como também da sociedade e Estado, garantir à criança, ao adolescente e ao jovem, de forma prioritária, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Sobre o tema, Sílvio Salvo Venosa (2017, p.409) acrescenta “O ser humano, desde o nascimento até sua morte, necessita de amparo de seus semelhantes e bens essenciais ou necessários para a sobrevivência”.Não obstante, frisa-se que na estrutura do Código Civil de 2002 o livro IV destinou a Parte Especial ao direito de família, em queno título 1traz os direitos pessoais, isto é, direitos extrapatrimoniais, fixando regras sobre o casamento, sua celebração, causas de impedimentos e suspensivas, validade e causas de dissolução, bem como a proteção da pessoa dos filhos.

A proteção da pessoa dos filhos subordinados à autoridade paterna constitui dever decorrente do poder familiar, expressão esta considerada mais adequada que “ pátrio poder”, utilizado pelo Código de 1916. (GONÇALVES, 2017, p.21)

Neste ínterim, quando se postula o reconhecimento da filiação socioafetiva e este pedido é deferido, irá repercutir no mundo jurídico, haja vista que ato dereconhecer a socioafetividadegerará efeito erga omnes e decorrerá os mesmos efeitos patrimoniais e existências que goza a filiação terá biológica, gerando direitos e obrigações.

2.1. Do direito ao nome

Aduz Silvio Venosa (2017, p.249), em suas lições sobre o instituto da filiação,que“sob o aspecto do direito, a filiação é um fato jurídico do qual decorrem inúmeros efeitos. Sob perspectiva ampla, a filiação compreende todas as relações, e respectivamente sua constituição, modificação e extinção, que tem como sujeitos os pais com relações aos filhos”.

Como se sabe o nome é um dos direitos essências da personalidade, não podendo apenas ser compreendido como uma forma de identidade social, mas também sob a perspectiva jurídica como personalidade da pessoa natural.

[...] o Código Civil elencou o direito ao nome como um dos direitos da personalidade do indivíduo, que o identifica perante a sociedade e, em razão de seu caráter personalíssimo, é inauferível, imprescritível, inalienável e absoluto. (ALMEIDA, 2015, p.62)

Cabe observar o pensamento de Nery (2014, online) onde afirma que:

A pessoa ostenta como terceiro atributo de sua individualidade o nome. Todos têm direito à identidade pessoal e o direito ao nome produz efeitos erga omnes. Por meio do nome, a pessoa é identificada como sujeito capaz de adquirir direitos e de cumprir obrigações, bem como é também identificada pela Administração Pública como súdito do Estado, sujeita aos direitos e deveres que suas relações de cidadão, a um só tempo, lhe garantem e lhe impõem.

Para Dias (2017) o nome dispõe de um valor que se insere no conceito de dignidade da pessoa humana.Assim sendo, os pais têm obrigação de registrar seus filhos, conferindo-lhes um nome e filiação. Sobrevém-se que, uma vez reconhecida a filiação afetiva, surge o direito de retificar as certidões de nascimentos, a fazer constar o nome do pai ou da mãe socioafetiva.

2.2. Do direito ao reconhecimento do estado filiativo afetivo

Tartuce (2017, p.417) conceitua o instituto de filiação como “[...] a relação jurídica decorrente do parentesco por consanguinidade ou outra origem, estabelecida particularmente entre os ascendentes e descendentes de primeiro grau. Em suma, trata-se da relação jurídica existente entre os pais e os filhos”.

O direito ao reconhecimento do estado de filiação tem como características a imprescritibilidade, indisponibilidade e é personalíssimo.

O vigente Código Civil, considerando o bem-estar da família e principalmente observando o princípio da proteção integral ao menor, prescreve que o reconhecimento dos filhos havidos extraconjugal poderá ser feito em conjunto ou separadamente pelos genitores junto ao Cartório de Registro de Pessoas Físicas pelo assento de nascimento, por testamento, mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação, de modo a incluir a socioafetiva.

Salienta-se que o reconhecimento da filiação baseada no vínculo afetivo é um direito reciproco, no qual é interesse tanto dos “pais” quanto da criança em razão do princípio da igualdade, intuído pelo Constituição Federal.

À vista disso pode-se afirmar que tanto o pai e/ou mãe afetiva, bem como o menor, possuem interesse na propositura da ação, no qual o direito ao reconhecimento do vínculo afetivo é estendido a ambos.

Importante trazer à baila o julgamento do Superior Tribunal de Justiça em sede do REspnº 1.059.214/RS, no qual reconheceu a filiação partena decorrente da sociafetividade.

DIREITO DE FAMÍLIA. AÇAO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA NEGATIVO. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1. Em conformidade com os princípios do Código Civil de 2002 e da Constituição Federal de 1988, o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar. Vale dizer que a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar, quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva.

2. No caso, as instâncias ordinárias reconheceram a paternidade socioafetiva (ou a posse do estado de filiação), desde sempre existente entre o autor e as requeridas. Assim, se a declaração realizada pelo autor por ocasião do registro foi uma inverdade no que concerne à origem genética, certamente não o foi no que toca ao desígnio de estabelecer com as então infantes vínculos afetivos próprios do estado de filho, verdade em si bastante à manutenção do registro de nascimento e ao afastamento da alegação de falsidade ou erro.

3. Recurso especial não provido.

Ademais,em detrimento o melhor interesse da criança, bem como sua proteção integral, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE692.186/DF, reconheceu a existência da repercussão geral na discussão da prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ASSENTO DE NASCIMENTO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. IMPRESCRITIBILIDADE. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO. PATERNIDADE BIOLÓGICA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. CONTROVÉRSIA GRAVITANTE EM TORNO DA PREVALÊNCIA DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA EM DETRIMENTO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA. ART. 226, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AGRAVO PROVIDO PARA MELHOR EXAME DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

Decisão: Cuida-se de Agravo em Recurso Extraordinário contra decisão que negou seguimento a Recurso Extraordinário interposto em face de acórdão prolatado pelo Superior Tribunal de Justiça, assim do: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C ANULAÇÃO DE REGISTRO - FILHO REGISTRADO POR QUEM NÃO É O VERDADEIRO PAI - RETIFICAÇÃO DE REGISTRO - IMPRESCRITIBILIDADE DIREITO PERSONALÍSSIMO - PRECEDENTES - RECURSO DESPROVIDO. Noticiam os autos que a ora agravada ajuizou Ação de Anulação de Assento de Nascimento c/c Investigação de Paternidade, tendo em vista que, quando do seu nascimento em 1961, fora registrada pelos avós paternos, como se estes fossem seus pais.Requereu fosse reconhecida a paternidade de seu pai biológico, para averbação junto ao Cartório de Pessoas Naturais e a anulação do registro feito pelos avós. O juízo monocrático julgou procedente a ação. Em sede de apelação a sentença foi mantida. Os ora recorrentes interpuseram Recurso Especial, ao qual foi negado seguimento, nos termos da ementa acima transcrita. Irresignados com o teor do acórdão prolatado, interpuseram recurso extraordinário, com fulcro no art. 102, III, da CRFB/88, apontando como violado o art. 226, caput, da Carta Constitucional. Alegam, em síntese, que a decisão do Superior Tribunal de Justiça, ao preferir a realidade biológica, em detrimento da realidade socioafetiva, não priorizando as relações de família que tem por base o afeto, afronta o referido dispositivo constitucional. O extraordinário não foi admitido na origem. Em sequência, os recorrentes interpuseram o presente agravo. Finalmente, por entender que o tema constitucional versado nestes autos é relevante do ponto de vista econômico, político, social e jurídico, além de ultrapassar os interesses subjetivos da causa, esta Corte reconheceu a repercussão geral do tema constitucional. É o Relatório. DECIDO. O agravo preenche todos os requisitos de admissibilidade, de modo que o seu conhecimento é medida que se impõe. Ex positis, PROVEJO o agravo e determino a conversão em recurso extraordinário para melhor exame da matéria. À Secretaria para a reautuação do feito. Publique-se. Brasília, 04 de setembro de 2014.Ministro Luiz Fux, Relator

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Outrossim, enquanto operador do direito, é preciso entender que não se pode limitar a titularidade somente a uma das partes, sob pena de hierarquizar o afeto entre o adulto e a criança, e atribuir carga valorativa no afeto de cada uma das partes envolvidas.

É importante mencionar que na legislação, como também nos entendimentos jurisprudenciais, não foi estabelecido um critério quanto a faixa etária para a possibilidade do reconhecimento da filiação socioafetiva, o qual não poderá ser obstado o reconhecimento após a maioridade ser atingida.

Por questão de coerência com tudo o que se defende acerca do instituto, e para não criar uma interpretação anti-isonômica, e por isso inconstitucional, [...] pois essa parentalidade pode se formar, também, após a maioridade daquele que é tratado como filho.(CASSETTARI, 2017, p.16)

O direito não pode desamparar esta nova forma de filiação, mas sim estabelecer pressupostos para o seu reconhecimento, que não seja critério etário, a fim de dar efetividade aos princípios consagrados pelo ordenamento jurídico pátrio, como o da dignidade da pessoa humana, da proteção integral ao menor e da vedação discriminatórias à filiação.

Insta mencionar que, concernente a possibilidade do reconhecimento post mortem da filiação afetiva, Cassattari (2017, p.74) em sua obra aduz ser plenamente possível desde que em vida tenha existido uma relação afetiva e a posse de estado de filho.O enunciado 521 do Conselho da Justiça Federal compartilha deste entendimento.

Enunciado nº 521 do CJF: Qualquer descendente possui legitimidade, por direito próprio, parapropor o reconhecimento do vínculo de parentesco em face dos avós ou dequalquer ascendente de grau superior, ainda que o pai não tenha iniciado a ação de prova da filiação em vida.

Por fim, cumpre anotar que sendo preenchidos os requisitos para o reconhecimento filiação socioafetiva, quais sejam, a posse do estado de filho e o afeto ser mútuo, e se já transitou em julgado a ação que reconheceu a filiação, ou já houve o reconhecimento voluntário, de forma livre e espontânea, junto ao Cartório de Registro Civil das pessoas, não há que se falar em renúncia. Haja vista que o direito a personalidade é irrenunciável e indisponível.

Dessa forma, um pai que voluntariamente reconhece um filho não biológico como seu, efetuando o registro da paternidade, não poderá, posteriormente, contrariando o ato inicial praticado, contestar esta paternidade por meio de ação de anulação de registro de nascimento se o vínculo afetivo foi estabelecido por meio da posse de estado de filho. (ANDRADE, 2014, p.5)

Portanto, deve-se atentar que uma vez reconhecida a filiação, não importando qual vínculo fundamentado, é um ato irrevogável e não se tem o direito ao arrependimento, salvo se comprovado que o ato padece de vicio mais a ausência de qualquer relação afetiva desenvolvida.

2.3. Do direio à multiparentalidade

Resta claro que o reconhecimento social e afetivo da parentalidade encontra-se recepcionada em nosso ordenamento jurídico. Contudo, o que ocorrerá se o filho afetivo já possui no assento registral a filiação biológica, é possível que o magistrado decida pela prevalência de umas das formas de parentalidade? Ou ainda que decida pela multiparentalidade?

Sendo um direito personalíssimo e indisponível, e com respaldo no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, o juiz poderá entender por uma das relações paterno/materno – filiais (biológico ou afetiva), e conforme o entendimento majoritário, a filiação afetiva vem prevalecendo em face da verdade biológica. Adotam socioparentalidade pelo bem-estar e equilíbrio emocional da criança ou do jovem.

É preciso compreender que há uma distinção em ser pai e/ ou mãe, e ser meramente genitor(a), pois a condição de ser pai ou mãe não é em razão biológica, mas sim em virtude de laços de afetividade que são formados no decorrer da convivência.

O que garante o cumprimento das funções parentais não é a relação genética ou derivação sanguínea, mas sim o cuidado e o desvelo dedicados aos filhos. [...] Para que um filho verdadeiramente se torne filho, ele deve ser adotado pelos pais, tendo ou não vínculos de sangue que os vinculem. A filiação biológica não é nenhuma garantia da experiência da paternidade, da maternidade ou da verdadeira filiação. Portanto, é insuficiente a verdade biológica, pois a filiação é uma construção que abrange muito mais o que uma semelhança entre os DNAs.(PEREIRA, 2009, p.3)

Consoante o entendimento doutrinário, admite-se o reconhecimento da multiparentalidade de modo que a criança possa ter no assento de nascimento o nome do pai e/ou mãe afetivos sem afastar a filiação consanguínea. Nota-se que o direito a multiparentalidade registral é um direito existencial da criança ou adolescente, de tal maneiraque é irrenunciável e não pode sofrer limitação voluntária, só podendo vir a ser anulado por vício de manifestação de vontade ou vício material.

Neste diapasão, orienta Buchmann (2013, p.59) que a não decretação da multiparentalidade onde for verificada, além de não dar eficácia ao princípio do interesse maior da criança e do adolescente, poderá acarretar prejuízos para esta na medida em que sofra abalos psicoemocionais.

Isto posto, a título de exemplo, se já houve o reconhecendo da filiação socioafetiva e este filho afetivo que até então não sabia quem eram seus pais biológicos e vem a pleitear a investigação da paternidade e/ou maternidade biológica, poderá este ter no assento de nascimento a filiação biológica e a socioafetiva simultaneamente.

A multiparentalidade é uma tendência com o novo modelo de arranjo familiar de forma que, com a evolução social, não há mais espaço para um único modelo de grupo familiar constituído pela relação matrimonial de um homem com mulher com sua prole comum.

Nesta esteira, insta destacar o recente jugaldo do Supremo Tribunal Federal acerca do assunto, julgamento do Recurso Extraordinário 898.060 SP, e da análise da Repercussão Geral 622, em que a corte decidiu, por maioria, que “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.Veja-se:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. CONFLITO ENTRE PATERNIDADES SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA. PARADIGMA DO CASAMENTO. SUPERAÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. EIXO CENTRAL DO DIREITO DE FAMÍLIA: DESLOCAMENTO PARA O PLANO CONSTITUCIONAL. SOBREPRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA (ART. 1º, III, DA CRFB). SUPERAÇÃO DE ÓBICES LEGAIS AO PLENO DESENVOLVIMENTO DAS FAMÍLIAS. DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO. INDIVÍDUO COMO CENTRO DO ORDENAMENTO JURÍDICO-POLÍTICO. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DAS REALIDADES FAMILIARES A MODELOS PRÉ-CONCEBIDOS. ATIPICIDADE CONSTITUCIONAL DO CONCEITO DE ENTIDADES FAMILIARES. UNIÃO ESTÁVEL (ART. 226, § 3º, CRFB) E FAMÍLIA MONOPARENTAL (ART. 226, § 4º, CRFB).VEDAÇÃO À DISCRIMINAÇÃO E HIERARQUIZAÇÃO ENTRE ESPÉCIES DE FILIAÇÃO (ART. 227, § 6º, CRFB). PARENTALIDADE PRESUNTIVA, BIOLÓGICA OU AFETIVA. NECESSIDADE DE TUTELA JURÍDICA AMPLA. MULTIPLICIDADE DE VÍNCULOS PARENTAIS. RECONHECIMENTO CONCOMITANTE. POSSIBILIDADE. PLURIPARENTALIDADE. PRINCÍPIO DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL (ART. 226, § 7º, CRFB). RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. FIXAÇÃO DE TESE PARA APLICAÇÃO A CASOS SEMELHANTES.

[...]

3. A família, objeto do deslocamento do eixo central de seu regramento normativo para o plano constitucional, reclama a reformulação do tratamento jurídico dos vínculos parentais à luz do sobreprincípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB) e da busca da felicidade.

[...]

8. A Constituição de 1988, em caráter meramente exemplificativo, reconhece como legítimos modelos de família independentes do casamento, como a união estável (art. 226, § 3º) e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, cognominada “família monoparental” (art. 226, § 4º), além de enfatizar que espécies de filiação dissociadas do matrimônio entre os pais merecem equivalente tutela diante da lei, sendo vedada discriminação e, portanto, qualquer tipo de hierarquia entre elas (art. 227, § 6º).

[...]

10. A compreensão jurídica cosmopolita das famílias exige a ampliação da tutela normativa a todas as formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar, a saber: (i) pela presunção decorrente do casamento ou outras hipóteses legais, (ii) pela descendência biológica ou 4 (iii) pela afetividade.

[...]

12. A afetividade enquanto critério, por sua vez, gozava de aplicação por doutrina e jurisprudência desde o Código Civil de 1916 para evitar situações de extrema injustiça, reconhecendo-se a posse do estado de filho, e consequentemente o vínculo parental, em favor daquele utilizasse o nome da família (nominatio), fosse tratado como filho pelo pai (tractatio) e gozasse do reconhecimento da sua condição de descendente pela comunidade (reputatio).

13. A paternidade responsável, enunciada expressamente no art. 226, § 7º, da Constituição, na perspectiva da dignidade humana e da busca pela felicidade, impõe o acolhimento, no espectro legal, tanto dosvínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles originados da ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um ou outro vínculo quando o melhor interesse do descendente for o reconhecimento jurídico de ambos.

[...]

15. Os arranjos familiares alheios à regulação estatal, por omissão, não podem restar ao desabrigo da proteção a situações de pluriparentalidade, por isso quemerecem tutela jurídica concomitante, para todos os fins de direito, os vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos, ante os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da paternidade responsável (art. 226, § 7º).

16. Recurso Extraordinário a que se nega provimento, fixando-se a seguinte tese jurídica para aplicação a casos semelhantes: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais”

O ordenamento jurídico tem o papel de proporcionar aos cidadãos segurança jurídica, mesmo diante da omissão legislativa, por meio de fonte indiretas e de meios de integração normativa, assegurando o reconhecimento dessas famílias recompostas e todas as consequências jurídicas inerentes.

Destarte, hodiernamente é comum encontrar arranjos familiares em que o grupo familiar é composto pelos filhos de marido, filhos da esposa e os filhos comuns, no qual pelo convívio diário entre enteados e padrasto e /ou madrasta, surge o que denominamos de pai e/ou mãe emocionalmente.

Sendo assim, pode-se compreender por famílias multiparentais aquelas que são formadas por pessoas que dissolveram relação marital ou de convivência e constituíram nova família, trazendo consigo filhos da relação anterior. Sendo notório nas relações em que a madrasta ou padrasto que ama e cuida do enteado como sendo seu filho, e a criança o ama como pai ou mãe, sem desconsiderar seus pais de origem genética.

Adverte Maluf (2014, p.14) que “a posição atual da jurisprudência é no sentido de negar a multiparentalidade, esclarecendo que a filiação será determinada por meio de um, ou de outro, critério e a sua determinação dependerá do caso concreto”.

Com a evolução da sociedade é possível posteriormente ocorrer uma mutação constitucional, vez que na doutrina já há posicionamentos reconhecendo a multiparentalidade, de maneira a estabelecer a igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva.

2.4. Do direito a convivência familiar

Além dos direitos morais acima explanados, verifica-se tambémoutros, que são o estado de família, no qual este é gênero, e o pátrio poder e as relações do parentesco são espécies.

O estado de família é um atributo da personalidade em que visa estabelecer a posição de cada indivíduo no ambiente familiar ao qual está inserido, bem como predeterminar seus efeitos legais, a regular direitos e deveres recíprocos. Tanto é verdade que o Código Civil regula as relações de parentesco e os efeitos produzidos, seja pela vinculo sanguíneo ou civil, ou ainda afetividade.

O estado de família se estabelece mediante o vínculo familiar entre as pessoas, em regra, existe correlação entre os estados de família. Não há dúvida de que ninguém pode ser detentor do estado de pai se não existir um respectivo filho, bem como não é possível a sustentação concomitante de estado de família antagônico.(NERY, 2014, online)

Desse modo, com o reconhecimentoda filiação socioafetiva, é possível afirmar que consoante preceitua a lei 10.406/02 no art. 1.593, o filho socioafetivo uma vez reconhecido judicialmente não ganhará apenas um pai e/ou mãe, mas, haverá a extensão da parentalidade com os outros parentes daquele que o reconheceu. De modo que ocorrerá as mesmas consequências jurídicas do parentesco biológico.

No tocante, ao pátrio poder este é munuspúblico, ou seja, um cargo imposto por lei aos pais, no qual tanto a figura paterna quanto a materna terão obrigação de criar, educar e manter os filhos em sua guarda, bem como lhes garantir a convivência familiar. Em contrapartida, os genitores poderão exigir de seus filhos obediência e respeito.

Cabe observar que esta autoridade parental conferida pelo ordenamento jurídico nada mais é do que o Estado buscando tornar efetivo a proteção integral do menor, vem a estabelecer deveres aos progenitores.

Submetem-se ao poder familiar os filhos menores de 18 anos, contudo, quando falecidos ou ausentes ambos pais, esses ficaram sob tutela. Ou ainda, quando os filhos já são maiores, contudo, incapazes para o exercício da capacidade civil de fato, sujeitar-se-ão à curatela, podendo neste caso ser qualquer um dos genitores, ou ainda compartilhada.

Logo, apesar da incumbência constitucional dos progenitores ser traçada em assistir, criar e educar os filhos menores, não se pode limitar esse munuspúblico somente à natureza material. Conforme já explanado ao longo desse artigo, ao desenvolvimento da criança é de suma importância zelar pelo afeto, carinho, amor, cuidado, enfim, pela convivência familiar harmoniosa.

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Sobre os autores
Vinicius Pinheiro Marques

Doutor em Direito Privado (magna cum laude) pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS). Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Professor de Direito da Universidade Federal do Tocantins (UFT), do Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA) e da Faculdade Católica do Tocantins (FACTO).

Nadhya Souza

Acadêmica do 9º período do curso de Direito da Católica do Tocantins.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Este artigo foi desenvolvido como critério de conclusão do curso da graduação.

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