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Análise do caráter (in)delegável do poder de polícia frente as prestadoras de serviço público de direito privado

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Discute-se o caráter de delegabilidade do poder de polícia frente a prestadoras de serviços públicos de direito privado.

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo discutir o caráter de delegabilidade do poder de polícia frente a prestadoras de serviços públicos de direito privado. Desta forma, indaga-se se o poder de polícia poderá ser delegado para outros setores da Administração Pública indireta de direito privado, como as sociedades mistas e empresas públicas que realizam serviços públicos. Para tanto, buscar-se-á explicar o que é o serviço público e suas principais características, através de arcabouço doutrinário. Além disso, será discriminado os conceitos, abordados pelos autores do poder de polícia e suas características, e também mostrar as divergências doutrinárias e jurisprudências sobre o assunto. Devido à sua importância enquanto tema norteador de diversas pesquisas, sentiu-se a necessidade de proceder a uma releitura de algumas dessas obras, visando ao alcance de outras interpretações e explicações acerca do mesmo. É através do poder de polícia que os direitos coletivos são reafirmados, diante da mitigação dos direitos individuais, visto que no aspecto econômico, muitas vezes, o direito individual se torna um divisor de águas na concretização dos direitos da coletividade. Um grande exemplo do poder de polícia é a expedição de licenças, multas, alvarás, sempre pautados na lei para restringir ou permitir direitos individuais, respeitando a coletividade.

Palavras-chave: Serviço Público; Poder de Polícia; Administração Indireta; Regime de direito privado.


1 INTRODUÇÃO

O cerne da problemática que envolve o presente trabalho se encontra na discussão do caráter delegável do poder de polícia frente a prestadoras de serviços públicos de direito privado. Desta forma, indaga-se se o poder de polícia poderá ser delegado para outros setores da Administração Pública indireta de direito privado, como as sociedades mistas e empresas públicas que realizam serviços públicos.

Diversos estudiosos da área jurídica já discutiram o estudo da delegabilidade do poder de polícia na prestação de serviços públicos da Administração indireta de direito privado em torno do qual o presente paper será desenvolvido, fato este que pode ser comprovado pela divergência doutrinária acerca do assunto. Devido à sua importância enquanto tema norteador de diversas pesquisas, sentiu-se a necessidade de proceder a uma releitura de algumas dessas obras, visando ao alcance de outras interpretações e explicações acerca do mesmo.

O poder de polícia tem relevante papel no âmbito jurídico, econômico e social, pois regula, controla, fiscaliza e sanciona a atividade de autonomia privada. É através do poder de polícia que os direitos coletivos são reafirmados, diante da mitigação dos direitos individuais, visto que no aspecto econômico, muitas vezes, o direito individual se torna um divisor de águas na concretização dos direitos da coletividade. Um grande exemplo do poder de polícia é a expedição de licenças, multas, alvarás, sempre pautados na lei para restringir ou permitir direitos individuais, respeitando a coletividade.

A prestação do serviço público poderá ser revestido pelo poder de polícia que é o caso das agências reguladoras, por exemplo. No entanto, uma discussão doutrinária que se tornou bastante relevante foi a possibilidade dos municípios, estados ou União delegarem o poder de polícia para prestadores de serviço público da Administração indireta de direito privado, visto que esta ainda se encontra participante da Administração Pública.


2 O SERVIÇO PÚBLICO E SUAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

O serviço público possui um conceito bastante divergente na doutrina, dentre vários conceitos, tem-se a compreensão do serviço público como uma atividade de caráter positivo realizada pelo Estado para suprir necessidades básicas da sociedade, tais como iluminação pública, transporte público, fiscalização de trânsito etc.

Constitui traço de unanimidade na doutrina a dificuldade de definir, com precisão, serviços públicos. Trata-se, na verdade, de expressão que admite mais de um sentido, e de conceito que, sobre ter variado em decorrência da evolução do tema relativo às funções do Estado, apresenta vários aspectos diferentes entre os elementos que o compõem. É conhecida a teoria de DUGUIT, segundo a qual os serviços públicos constituíram a própria essência do Estado. (CARVALHO FILHO, 2015, p. 331).

A discussão acerca da sua conceituação se perfaz na composição de sua estrutura, possuindo elementos de caráter material, subjetivo e formal. No seu aspecto material, o serviço público se concretiza como um serviço de utilidade ou comodidade, sendo individual ou coletivo. Enquanto no seu caráter subjetivo e formal, compreendem a sua titularidade e seu regimento, no qual respectivamente compete ao Estado e ao regime jurídico de direito público (BALTAR NETO, 2015).

Ela pode ser classificada como delegável e indelegável. Segundo CARVALHO FILHO (2015) o serviço público poderá ser delegado quanto a sua atividade e não a sua titularidade. Isto, pois, a obrigação de fazer permanece sendo do Estado, no entanto, poderá ser delegada a atividade, por meio de lei, para a administração indireta, como autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas públicas.

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No entanto, essa delegação não perfaz na perda de titularidade do Estado, visto que compete ao Poder Público a criação e regulamentação desse serviço. Segundo Carvalho Filho (2015), a delegação da prestação de serviço público a particulares não pode ser  caracterizada como serviço público, propriamente dito. Isto, pois, segundo o autor, o serviço público deverá ser prestado pelo próprio Estado, visto que no artigo 175 da Constituição Federal está disposta a prestação do serviço pelo Estado.

Segundo, Mazza (2015) o serviço público possui o caráter de delegabilidade e não se personaliza de forma restrita, visto que na própria Constituição no artigo 175 possibilita a delegação de serviço público, mediante ato licitatório com contrato de concessão de serviço público.

No entanto, há uma discussão na doutrina acerca do caráter do seu regime se seria um contrato de regime de direito público ou regime de direito privado, visto que se trata de concessão de serviços para particulares.

Para a análise dessa questão, Mazza (2015) aponta três teorias: unilateral, bilateral e mista. A unilateral diz que o contrato de prestação de serviço público se coaduna na natureza de particular e regido pelo direito privado. Enquanto a bilateral diz que se caracteriza em um contrato de vontades bilaterais – o Estado e o particular, com nuances de duas características de regime de direito privado e de regime de direito privado, com uma sobreposição do regime de direito público sobre o privado. A teoria mista, por sua vez, se funda no argumento de que o serviço público é uma relação complexa em que há ato regulamentar, ato-condição e um contrato, no qual esclarece o acordo financeiro indireto de repassa do Estado para o particular.

O serviço público, além dos princípios da administração pública, possuem princípios específicos que são: generalidade, continuidade, modicidade, atualidade e eficiência. O princípio da generalidade condiz com a disponibilização do serviço público a todos, não havendo limitação a sua utilização. No entanto, não pode ser confundido como uma limitação a prestação de serviço público de forma individual, como no caso do transporte coletivo, que é um serviço público, porém é um serviço individual por aqueles que queiram usufrui.

 Em relação ao princípio da continuidade, este se releva como um dos principais e que justifica o fato do serviço público possuir como titular o Estado, visto que o serviço público não poderá ser cessado, por períodos de tempos, como no caso de alteração de gestão de hospital público, este não poderá ser interrompido, visto que o serviço público há o critério de continuidade. No entanto, segundo a Lei 8987/95, no artigo 6°, e §3, não representa infringência ao princípio da continuidade se houver a suspensão do serviço público, mediante aviso prévio ou interrupção em situação de emergência, como por exemplo no caso de incêndio de ala do hospital público (BALTAR NETO, 2015).

Outra discussão relevante sobre a interrupção do serviço público é com o inadimplemento, visto que há uma grande divergência na doutrina, do qual alguns caracteriza como infringência do princípio da continuidade, enquanto outros autores, como Carvalho Filho (2015) dizem que a interrupção de serviço público no caso de inadimplemento pela concessionário de serviço é permitido.

Em relação ao princípio da modicidade, este se caracteriza como uma adequação a situação econômica do usuário, no intuito de que a remuneração do serviço público que é permitido nos casos de serviço público individual, como o transporte público, esteja adequada a condição financeira do usuário, não possuindo taxas exorbitantes, visto que o intuito da taxa cobrada é para a manutenção e efetivação, não havendo intenção de angariar lucro (BALTAR NETO, 2015).

Por fim, os princípios da atualidade e eficiência, condizem respectivamente a adequação do serviço com o avanço tecnológico e a máxima eficiência na prestação do serviço. Pode-se dizer que o princípio da atualidade é uma consequência do princípio da eficiência, pois a busca da eficiência equivale a adequação por inovações tecnológicas. (CARVALHO FILHO, 2015).


3 O QUE É PODER DE POLÍCIA

Segundo CARVALHO FILHO (2015) o poder de polícia é caracterizado como uma atividade administrativa com caráter negativo, do qual restringe ou limita direitos individuais em prol da coletividade. Ele possui características que investem de maior autonomia os detentores do poder polícia, tais como: discricionariedade, auto-executoriedade e coercibilidade.

O caráter de discricionariedade é divergente na doutrina, pois alguns autores dizem que o poder de polícia também possui caráter de vinculação. A discricionariedade advém do poder discricionário, ou seja, o legislador atribui competência para a Administração pública exercer determinada atividade, com a possibilidade do Poder Público selecionar a melhor forma de exercer o seu poder em prol do interesse público. No entanto, o poder vinculado se diferencia do poder discricionário, em relação a essa liberdade de selecionar a melhor forma de exercício do poder, havendo apenas um caráter executório. (MAZZA, 2015)

A auto-executoriedade se assemelha as características da discricionariedade, se fundamentando na liberdade concedida ao Estado em exercer o poder de polícia, podendo assim, vincular taxas e obrigações a particulares em prol do interesse público. Isso se perfaz sem a necessidade de autorização judicial, ou seja, a Administração Pública tem o poder de determinar taxas e obrigações sem a anuência do Poder Judiciário, com a justificativa do exercício do poder de polícia e a efetivação do princípio da supremacia do interesse público. (CARVALHO FILHO, 2015).

O caráter de coercibilidade equivale-se a obediência de particulares ao comando da Administração Público, ou seja, por meio do poder de polícia a Administração Pública poderá utilizar da força e de outros poderes coercitivos, como a multa, para obrigar o particular a cumprir os atos regulatórios.

O poder de polícia também é caracterizado como um poder do Estado em controlar, regular, fiscalizar e sancionar atividades de iniciativa privada, limitando a autonomia, no intuito de proteção ou coerção para proteção dos direitos coletivos. Por ser um atributo que proporciona maior autonomia a órgão, o poder de polícia deverá ser realizado pela administração pública, realizando atividade de controle, regulação, fiscalização e sanção.

A conceituação de Poder de polícia também é bastante divergente na doutrina, segundo Carvalho Filho (2015), o poder de polícia possui duas caracterizações uma de sentido amplo e outra de sentido estrito. No caso do sentido amplo, pode ser definido perlo critério de negatividade do poder, ou seja, a limitação da liberdade individual realizada pelo Estado, em prol da coletividade. No entanto, em caráter estrito, o poder de polícia é caracterizado como uma atividade do Estado, com poder de limitar ou permitir de forma controlada um critério de liberdade e propriedade, como nos casos da licença e da carteira de motorista.

Cabe aqui importante advertência: o poder de polícia não se reduz à atuação estatal de oferecimento de segurança pública. É que as instituições públicas encarregadas desse mister herdaram o nome da atividade, sendo conhecidas como “policias”. Porém, a noção de poder de polícia é bem mais abrangente do que o combate à criminalidade, englobando, na verdade, quaisquer atividades estatais de fiscalização. Desse modo, vigilância sanitária e fiscalização de trânsito são exemplos de manifestação do poder de polícia sem qualquer relação com a segurança pública. Por isso, as polícias civil, militar e federal exercem o poder de polícia; mas este não se esgota na atividade específica de manter a segurança pública. É bem mais abrangente. (MAZZA, 2015, p. 506).

A Constituição Federal no seu artigo 145, inciso II, dispõe sobre a possibilidade da cobrança de taxas mediante o uso do poder de polícia. Esta taxa pode ser exemplificada pela cobrança para a expedição de licenças, autorizações, ou mesmo a emissão de carteira de motorista.


4 AS PRINCIPAIS DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIAS E JURISPRUDENCIAIS ACERCA  DO CARÁTER DA DELEGABILIDADE PARA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA DE DIREITO PRIVADO

O critério mais discordante na doutrina equivale-se ao seu caráter delegabilidade, visto que o poder de polícia se perfaz com a sanção, fiscalização, controle e regulação. O critério de delegabilidade se coaduna com o próprio caráter de conceituação do poder de polícia, visto que há posicionamentos discordantes em relação ao poder de polícia.

Segundo Carvalho Filho (2015), não há previsão expressa na Constituição vedando a delegação do poder de polícia com caráter fiscalizatório para administração pública indireta de direito privado. Não cabendo à criação de normas, somente o caráter fiscalizatório do poder de polícia. Segundo o autor, a delegação terá que preencher os requisitos sendo da administração indireta, a delegação por meio de lei e o poder de polícia terá que se restringir ao caráter fiscalizatório.

O Estado, porém, não age somente por seus agentes e órgãos internos. Várias atividades administrativas e serviços públicos são executados por pessoas administrativas vinculadas ao Estado. A dúvida consiste em saber se tais pessoas têm idoneidade para exercer o poder de polícia.

E a resposta não pode deixar de ser positiva, conforme proclama a doutrina mais atualizada. Tais entidades, com efeito, são o prolongamento do Estado e recebem deste o suporte jurídico para o desempenho, por delegação, de funções públicas a ele cometidas. (CARVALHO FILHO, 2015, p. 80)

Para Carvalho Filho (2015) o poder de polícia possui duas formas: o originário e o delegado. O poder originário é destinado ao exercício do poder público, enquanto o poder delegado é aquele que é transferido o seu exercício para outro setor ligado a administração pública.

Para a compreensão da argumentação do autor Carvalho Filho é fundamental a analise da estrutura da Administração Pública. Esta está dividida em Administração direta e indireta, sendo que a administração indireta se subdivide em administração indireta de regime público e administração indireta de regime privado. A administração direta compreende ao exercício de atividade pelo Estado e seus órgãos e possui característica de centralização.

Enquanto na administração indireta há uma descentralização do poder que é divida entre as autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas. Estas duas ultimas são caracterizadas como regime de direito privado. Entretanto as empresas públicas e sociedades de economia mista poderão ser regidas com predominância do regime jurídico de direito público quando realizarem atividades que visem aprestação de serviços públicos. (CARVALHO FILHO, 2015)

Desta forma, pode-se compreender que, segundo Carvalho Filho (2015), o poder de polícia pode ser delegado para a administração indireta, mesmo possuindo regime de direito privado, porém com predominância do regime de direito público.

Indispensável, todavia, para a validade dessa atuação é que a delegação seja feita por lei formal, originária da função do Legislativo. Observe-se que a existência da lei é o pressuposto de validade da polícia administrativa exercida pela própria Administração Direta e, desse modo, nada obstaria que servisse também como respaldo da atuação de entidades ára estatais, mesmo que sejam elas dotadas de personalidade jurídica de direito privado. O que importa, repita-se, é que haja expressa delegação na lei pertinente e que o delegatário seja entidade integrante da Administração Pública. (Carvalho Filho, 2015, p. 80).

Contudo, Alexandre Mazza (2015) possui o posicionamento do caráter indelegável do poder de polícia.Isto, pois, o autor se apresentou favorável ao posicionamento do Superior Tribunal Federal, sustentando o caráter de indelegabilidade ao poder de polícia, no caso de prestadoras de serviços públicos da administração indireta de direito privado.

O poder de polícia é manifestação do poder de império do Estado, pressupondo a posição de superioridade de quem o exerce, em relação ao administrado (art. 4º, III, da Lei n 11079/2004). Por isso, a doutrina não admite delegação do exercício do poder de polícia a particulares. Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, poder de polícia só poder ser delegado a pessoas jurídicas de direito público, e não a pessoas jurídicas de direito privado (Adin 1.717-6). (MAZZA, 2015, p.515).

Um fato relevante ocorreu no município de Belo Horizonte que delegou, por meio de Lei Municipal, a sociedade de economia mista BHtrans, o controle e fiscalização do trânsito no município. O caso foi para o STF, através de Recurso Extraordinário com repercussão geral, visto a relevância do caso para a sociedade e a corte decidiu pela indelegabilidade do poder de polícia, exceto no caso de critério fiscalizatório, não podendo a empresa aplicar multas, por possuir caráter sancionatório.  (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, ARE 662.186 RG/MG - Minas Gerais, Repercussão Geral no Recurso Extraordinário com Agravo. Relator Ministro Luiz Fux, julg. 22/03/2012, publ. 13/09/2012).

No entanto, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento diferente do Superior Tribunal Federal, no qual no Recurso Especial n 817.534/MG a discussão foi debatida e o julgamento foi deferido em 10 de novembro de 2009, com parecer de que a administração pública indireta de regime de direito privado poderão exercer poder de polícia, excepcionalmente nos casos de fiscalização e consentimento, não poderão sancionar e regulamentar, cabendo este ao Estado. (BRASIL, STJ, Resp 817.534/MG, Segunda Turma, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 10/11/2009, DJe 10/12/2009)

Sobre os autores
Palloma Massette Silva

Advogada Pós graduando em Direito Civil e Processo Civil

Saulo Seregatte

Advogado Tributarista Bacharel em Direito pela UNDB Especialista em Direito Tributário pela PUC/SP

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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