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A regulamentação da terceirização como expressão da flexibilização trabalhista e seus possíveis impactos nas relações de trabalho

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Em tempo de terceirização irrestrita, como impedir que o trabalho humano se transforme em mercadoria e a dignidade humana seja protegida?

INTRODUÇÃO

A terceirização constitui um dos modelos das relações trilaterais de trabalho, em que há três partes envolvidas, de modo diverso da relação de emprego tradicional, em que há apenas duas partes. Na terceirização, verifica-se a presença do trabalhador, que é empregado de uma empresa prestadora de serviços, mas exerce suas atividades para outra empresa, a tomadora. A tomadora contrata os serviços da prestadora, formando-se entre elas um vínculo de natureza civil.

Essa configuração mostra-se muito recorrente nos dias atuais, em que a busca por eficiência exige das empresas a adoção de medidas para aumentar a competitividade diante do mundo globalizado. Apesar da recorrência, a matéria era tratada exclusivamente pelo entendimento jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho (TST), externado por meio do enunciado da Súmula nº 331.

Recentemente foram aprovadas duas leis que regulamentaram a terceirização e provocaram consideráveis alterações no tratamento do tema. As leis nº 13.429/17 e nº 13.467/17 alteraram e acrescentaram dispositivos na Lei 6.019/74, que antes disciplinava apenas o trabalho temporário e passou a disciplinar também a terceirização em sentido estrito.

A principal alteração foi a possibilidade de terceirizar qualquer atividade da empresa, incluindo sua atividade principal, o que diverge do entendimento anterior do TST, que permitia a terceirização apenas de atividades secundárias. Inicialmente, a Lei 13.429/17 previu a possibilidade de terceirizar serviços determinados e específicos, deixando em aberto se esses poderiam ou não se referir às atividades principais das empresas. Essa discussão foi, no entanto, suplantada com a aprovação da Lei 13.467/17, que prevê expressamente a possibilidade de terceirização de qualquer atividade.

Diante de grandes alterações em um instituto tão importante e recorrente, o objetivo deste trabalho é analisar detalhadamente cada uma dessas alterações e suas possíveis consequências para as relações trabalhistas brasileiras, levando em consideração os princípios que informam esse ramo do direito.

Cumpre, por fim, ressaltar, que este trabalho ainda está em construção e não pretende esgotar o tratamento do assunto, tendo em vista, especialmente, que durante sua elaboração adveio nova legislação e alterou consideravelmente o tratamento do tema. As leis nº 13.429/17 e nº 13.429/17, objetos principais deste trabalho são extremamente recentes, de modo que mostra-se indispensável observar os contornos jurisprudências e econômicos que tomarão a matéria a fim de dar continuidade à pesquisa.


FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA

A flexibilização das condições de trabalho é um tema recorrente na atualidade, uma vez que as constantes modificações nas relações econômicas e sociais determinam alterações também no Direito. De acordo com Maurício Godinho Delgado, por flexibilização entende-se:

A possibilidade jurídica, estipulada por norma estatal ou por norma coletiva negociada, de atenuação da força imperativa das normas componentes do Direito do Trabalho, de modo a mitigar a amplitude de seus comandos e/ou os parâmetros próprios para sua incidência. Ou seja trata-se da diminuição da imperatividade das normas justrabalhistas ou da amplitude de seus efeitos, em conformidade com autorização fixada por norma heterônoma estatal ou por norma coletiva negociada (DELGADO, 2016. p. 67).

Henrique Correia, a seu turno, traz a seguinte definição:

Flexibilizar é diminuir a rigidez das leis trabalhistas pela negociação coletiva, ou seja, dar ênfase ao negociado em detrimento do legislado. Na flexibilização permanecem as normas básicas de proteção ao trabalhador, mas permite-se maior amplitude dos acordos e convenções para adaptação das cláusulas contratuais às realidades econômicas da empresa e às realidades regionais (CORREIA, 2016. p. 66).

Compreende-se, portanto, que a flexibilização trabalhista é a redução do caráter imperativo e indisponível de algumas normas trabalhistas, preservando, no entanto, um núcleo essencial de proteção previsto na Constituição e em algumas normas infraconstitucionais. Assim, mostra-se como um método de mitigação do intervencionismo estatal nas relações laborais.

Importante ressaltar que esse fenômeno diferencia-se da desregulamentação ou desregulação, que ocorre quando há total ausência de legislação protetiva, não havendo qualquer intervenção estatal nas relações de trabalho. Na flexibilização, há redução dessa intervenção, porém, ela continua a existir (CORREIA, 2016).

Percebe-se, no entanto, que esse fenômeno vai de encontro ao processo de surgimento e desenvolvimento do Direito do Trabalho, que nasceu da necessidade de proteger o empregado, parte hipossuficiente da relação, do poderio econômico do empregador. Diante disso, busca-se compreender quais foram as causas que conduziram à necessidade desse fenômeno (DELGADO, 2016).

A doutrina majoritária concebe a flexibilização como consequência da globalização e de seus efeitos na economia e nas relações de trabalho. A globalização consolidou-se com os intensos avanços tecnológicos que foram capazes de aumentar potencialmente as produções e reduzir consideravelmente a necessidade de mão de obra, aumentando, assim, os índices de desemprego em todo o mundo. Nesse sentido, demonstra Amaury Mascaro Nascimento:

O trabalho, cada vez mais está escasso, começa a faltar, é substituído pelas inovações da tecnologia, por um menor número de empregados. As compras feitas pela internet dispensam a intermediação de vendedores, a pintura dos carros na indústria é automática, os caixas eletrônicos dos bancos substituem os bancários, o teletrabalho evita o transporte para o local de serviços, as dispensas de empregados pelos empregadores são em massa. [...] A tecnologia mostrou seu lado cruel: a substituição dos empregados pelo software e a desnecessidade, cada vez maior, de um quadro numeroso de empregados para que a empresa consiga a mesma produção. Com a utilização da alta tecnologia, o trabalho humano passou a ser sistematicamente eliminado para ceder lugar a máquinas inteligentes, que assumiram com maior velocidade suas tarefes, nos mais diferentes setores (NASCIMENTO, 2014. p. 82-83).

Diante dessa nova realidade, o Direito do Trabalho passa a ter a obrigação de não apenas proteger o trabalhador e suas condições de trabalho, mas também proteger seu emprego. Essa conjuntura fez com que o Estado buscasse alternativas para frear o crescimento do desemprego. Nessa direção ganha força a flexibilização e surgem no Direito do Trabalho diversos novos institutos. No mesmo sentido ensina Miguel Reale:

As exigências da economia preconizam o triunfo do mercado e impõe a flexibilização das condições de trabalho, como condição para redução dos custos da empresa. [...] A flexibilização já adquiriu foros de preceito constitucional (Constituição de 1988, art. 7º, incisos VI, XII e XIV), embora ela não tenha por fim propiciar ganhos ou redução de custos ao empregador, mas sim fornecer aos atores sociais elementos para preservar a fonte de emprego (a empresa), como meio de combate ao desemprego (REALE, 2000, p. 61).

Diante do exposto, percebe-se que a flexibilização, através da redução do intervencionismo estatal, surgiu e ganhou força como resposta às consequências trazidas pela globalização, mostrando-se como meio para manter as empresas e, por via de consequência, proteger os empregos. O Direito do Trabalho, nesse contexto, viu-se obrigado a mitigar algumas de suas disposições protetivas a fim de adequar-se às exigências impostas pela realidade econômica, política e social vigente (NASCIMENTO, 2014).

Tendo em mente a visão geral da flexibilização e o contexto histórico que levou ao seu desenvolvimento, conclui-se que vivencia-se um período em que não é mais possível negar sua presença no Direito Laboral brasileiro. Ela se afirma, cada vez mais fortemente, em diversos institutos desse ramo especializado.

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De qualquer maneira, é preciso esclarecer que os juristas dividem-se ao analisar as consequências da flexibilização, com discursos de grande carga ideológica. “Para alguns a flexibilização é um anjo, para outros, um demônio; para uns a panaceia para todos os males, para outros, mera estratégia neoliberal de destruição das conquistas sociais em benefício dos interesses do capital” (ROBERTELLA, 1994. p. 94).

 De um lado, os contrários a esse fenômeno defendem que o valor da mão de obra não é o fator determinante das crises econômicas e que a flexibilização desnatura o Direito do Trabalho, uma vez que reduz o caráter protecionista em prol do capital.

Em sentido contrário, os que advogam a favor da flexibilização a defendem como alternativa para a redução do desemprego e para conformação das normas trabalhistas à atualidade. Para esses autores, a flexibilização é instrumento para desonerar empresas e possibilitar sua manutenção e exercício de seu papel social como geradora de empregos, indispensável para a ordem econômica.

Diante do exposto, compreende-se que, apesar das divergências doutrinárias, a flexibilização é uma realidade no Direito do Trabalho brasileiro e mundial. Nesse contexto, deve-se buscar uma adaptação da ciência jurídica à realidade sem, contudo, perder de vista a essência daquele ramo especializado e os direitos conquistados ao longo do tempo, essenciais para garantir-se a dignidade do trabalhador (CORREIA, 2016).

Por outro lado, a redução de direitos não deve ser a única alternativa para preservar a economia, uma vez que a altíssima carga de impostos também é um fator que onera excessivamente o empregador. Assim, sua redução também deve ser vista como caminho para o desenvolvimento (GARCIA, 2017).

Dessa maneira, deve-se buscar uma comunhão de fatores que objetivem a preservação da economia, dos empregos, mas também, dos direitos duramente conquistados. Encontrar essa sintonia, esse equilíbrio entre todos esses pontos de inegável importância é, portanto, o grande desafio do Direito do Trabalho nos dias atuais.


TERCEIRIZAÇÃO

Terceirização à luz dos princípios constitucionais e trabalhistas

Os princípios e as normas justrabalhistas guardam grande carga protetiva ao trabalhador, parte hipossuficiente da relação. Esse caráter tutelar tem ligação com a origem e desenvolvimento desse ramo jurídico especializado ao longo do tempo.

É, portanto, com vistas em impedir que o trabalho humano transforme-se em mercadoria, protegendo o princípio da dignidade da pessoa humana e diversos outros parâmetros constitucionais e justrabalhistas já abordados, que o ordenamento jurídico veda a intermediação de mão de obra, exceto nos casos expressamente previstos em lei.

A legislação, entretanto, como expressão da flexibilização trabalhista, prevê algumas hipóteses de intermediação. Dentre as exceções legais, encontram-se a terceirização em sentido estrito e o trabalho temporário, espécies do gênero das relações trilaterais de trabalho.

A terceirização ganhou força nas últimas décadas e constitui-se como um modelo de prestação de serviços muito utilizado no universo trabalhista atual. Apesar da recorribilidade, a matéria era tratada exclusivamente com base no entendimento jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho (TST), externado pelo enunciado da súmula nº 331.

Recentemente, em 31 de março de 2017, entrou em vigor a Lei 13.429/17, que alterou dispositivos da Lei 6.019/74. Esta última regulamentava apenas o trabalho temporário e, passou, a partir de então, a regulamentar também a terceirização.

Posteriormente, em 13 de julho de 2017, foi sancionada a Lei 13.467/17, conhecida como reforma trabalhista, que vigorará a partir de novembro do mesmo ano e que também alterou dispositivos da Lei 6.019/74. As sensíveis mudanças no tratamento da terceirização têm provocado intensas discussões doutrinárias a respeito do tema.

A terceirização é definida por Maurício Godinho Delgado como:

O fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata o obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido (DELGADO, 2016. p. 487).

Nesse sentido, compreende-se que a terceirização é uma espécie das relações trilaterais de trabalho pelo fato de haver três partes envolvidas na relação. De um extremo, há a empresa tomadora, que forma um vínculo de natureza civil com a prestadora de serviços. A prestadora, por sua vez, emprega o trabalhador. Tal relação é a fórmula configuradora dessa modalidade de prestação de serviços (CORREIA, 2016).

Percebe-se, diante disso, que a terceirização distancia-se da configuração clássica da relação empregatícia clássica por tratar-se de uma relação trilateral e mostrarem-se ausentes a pessoalidade e a subordinação características da relação de emprego.

Apesar desse distanciamento da relação clássica tutelada pelo Direito Laboral, quando realizada dentro dos limites legais, a terceirização é legítima. No entanto, apesar de legal, parte da doutrina critica esse instituto pelo fato de distanciar-se da configuração empregatícia tradicional. Nesse sentido, Maurício Godinho Delgado:

O modelo trilateral de relação socioeconômica e jurídica que surge com o processo terceirizante é francamente distinto do clássico modelo empregatício, que se funda em relação de caráter essencialmente bilateral. Essa dissociação entre relação econômica de trabalho (firmada com a empresa tomadora) e a relação jurídica empregatícia (firmada com a empresa terceirizante) traz graves desajustes em contraponto aos clássicos objetivos tutelares e redistributivos que sempre caracterizaram o Direito do Trabalho ao longo da história (DELGADO, 2016. p. 487).

Assim, compreende-se que a terceirização surgiu como reflexo das necessidades do mercado de alcançar mais produtividade, competitividade e reduzir de custos. Deve-se ter em mente, no entanto, que essa busca por eficiência não pode ser admitida em contrariedade ao valores do trabalho, da dignidade da pessoa humana e da justiça social, sob pena de violar a CF/88 (GARCIA, 2017).

Portanto, deve-se buscar, na regulamentação da terceirização, uma fórmula para equilibrar as necessidades do mercado e os princípios constitucionais e justrabalhistas. No próximo tópico serão abordados os detalhes dessa regulamentação realizada recentemente, analisando a evolução legal e jurisprudencial desse instituto.

2.2 - A terceirização antes e depois das leis 13.429/17 e 13.467/17

A terceirização é um fenômeno relativamente novo nas relações laborais brasileiras, que ganhou importância apenas a partir das últimas décadas do século XX. Prova dessa contemporaneidade é o fato de a CLT, elaborada na década de 1940, praticamente não trazer previsões a respeito do tema. No seu texto legal, apenas podem ser relacionada à terceirização a menção à subcontratação de mão de obra na empreitada e subempreitada, contida nos artigos. 455 e 652 (DELGADO, 2016).

Apenas na década de 1970 surgiram outros resquícios de legislação heterônoma acerca o tema, com a Lei nº 6.019/1974, que regulamentou o trabalho temporário. Na década de 1980, foi dado mais um passo na direção da regulamentação dessa modalidade de prestação de serviços. A Lei nº 7.102/83 autorizou a terceirização do serviço de vigilância bancária em caráter permanente Inclusive, essa modalidade está excluída da incidência da Lei 13.429/17, uma vez que existe legislação específica a ele aplicável (GARCIA, 2017).

Apesar da pouca legislação estatal, a terceirização tornou-se cada vez mais usual nas últimas décadas do século XX, pois mostrava-se como alternativa para aumentar a eficiência, a produtividade e a competitividade. Essa nova realidade fez com que o judiciário recebesse numerosas demandas a respeito do tema, obrigando-o a construir jurisprudências acerca do assunto (OLIVEIRA, 2017).

O primeiro posicionamento do TST a respeito foi externado pelo enunciado da Súmula nº 256, em 1986. Por meio desse enunciado o Tribunal defendia, com base nos princípios justrabalhistas e constitucionais, a ilegalidade da intermediação de mão de obra, sendo permitida apenas nas exceções expressamente previstas em lei, que à época eram o trabalho temporário e o serviço de vigilância bancário, já citados anteriormente. Em 1993, o TST reviu o enunciado anterior, por meio da Súmula nº 331, que ampliou a possibilidade de terceirização lícita, bem como estabeleceu a responsabilidade subsidiária da empresa contratante, contando com o seguinte texto:

SÚMULA 331 DO TST

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADEI - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).   III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

 IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.                                                                                                                        

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral. (CORREIA, 2016).

Percebe-se, que o item I da supracitada súmula mantém o entendimento do TST pela vedação à intermediação de mão de obra. Porém, pela análise do item III, conclui-se que o Tribunal ampliou as hipóteses de terceirização lícita, uma vez que previu a não formação do vínculo de emprego quando contratados serviços de vigilância, conservação e limpeza ou ligados a atividade-meio do tomador.

Pode-se entender por atividades-meio as periféricas, secundárias, que não constituem a atividade principal da empresa. A delimitação do que é atividade-meio, sob a égide da Súmula nº 331, é o ponto central para estabelecer se a terceirização é lícita ou não, uma vez que, se terceirizada a atividade-fim, seria reconhecido o vínculo de emprego diretamente com o contratante.

No entanto, essa definição constituía ponto tormentoso e divergente na doutrina e jurisprudência. Por esse motivo, sempre deu margem a insegurança jurídica (GARCIA, 2017).

Outra situação apta a provocar insegurança jurídica era a ausência de lei que regulamentasse esse instituto tão recorrente. Até a promulgação da Lei nº 13.429/17, o assunto era disciplinado exclusivamente pela jurisprudência externada no enunciado da Súmula nº 331 do TST.

O Projeto de Lei nº 4.302/1998 foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 22 de março de 2017 por 231 votos a favor, 188 contra e 8 abstenções. Em 31 de março de 2017 foi promulgada a Lei nº 13.429/17, que alterou diversos dispositivos da Lei nº 6.019/1974. Esta última, que antes regulamentava apenas o trabalho temporário, passou a tratar também da terceirização em sentido estrito, em seus artigos 4-A e 5-A.

Por essa recente regulamentação, e as posteriores alterações provocadas pela reforma trabalhista, foram mantidos alguns pontos e alterados diversos aspectos em comparação com o que propunha a súmula nº 331 do TST. Essas especificidades serão tratadas adiante.

A abrangência dessa nova terceirização constituía o ponto mais tormentoso da Lei 13.429/17. Nos termos da súmula 331 do TST, apesar das divergências sobre o que seria ou não atividade meio, era clara a vedação de terceirização da atividade-fim.

A Lei 13.429/17, por sua vez, ao delimitar a abrangência, previu que “empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar a contratante serviços determinados e específicos”, o que provocou discussões e divergências. Para parte da doutrina, a lei, por meio desse dispositivo, autorizou a terceirização irrestrita. Essa corrente defende que pode ser terceirizado qualquer serviço da empresa, inclusive sua atividade essencial, integrante de seu objeto social, desde que não sejam serviços genéricos, mas sim específicos e delimitados no contrato.

De acordo com a lei 13.429/2017, não se restringe os serviços passíveis de terceirização apenas à atividade-meio da empresa, o que leva à interpretação de que se permitiu a terceirização nas atividades-fim das empresas, inclusive pelos debates que antecederam a votação do projeto. Assim, uma escola poderá ter todos seus professores terceirizados, ou seja, serão empregados de uma empresa de prestação de serviços a terceiros.” (CORREIA, 2017).

A outra corrente, em sentido contrário, defende que a Lei 13.429/17 seguiu o caminho já previsto na Súmula 331 do TST, uma vez que o legislador não previu expressamente a possibilidade de terceirização irrestrita, como fez com trabalho temporário, em que é expressa a possibilidade de trabalho na atividade-fim. Ao explanar o tema, Vólia Bonfim Cassar defende o posicionamento da última corrente:

A empresa prestadora de serviços deverá prestar serviços “determinados e específicos” à contratante. Não se sabe o que esperar da interpretação dessas duas expressões vagas. Alguns vão defender que aí está a autorização para terceirizar atividade fim, desde que especificado, definido, fixado o tipo de serviço no contrato. Outros vão afirmar que aí está a previsão do contrato a termo, pois serviço determinado é o mesmo que serviço certo, previsível. Aliás, o artigo 443, parágrafo 1º da CLT, conceitua o contrato determinado como aquele para execução de serviço especificado ou realização de certo acontecimento. Logo, se equipara a evento certo, determinado. Assim, muitas controvérsias surgirão. Interpreto que o legislador quis se referir a um contrato determinado para atividades meio, pois quando quis ser expresso na autorização de terceirização de atividade fim o fez, como foi o caso do trabalho temporário (CASSAR, 2017).

A questão era, portanto, extremamente controvertida e apta a gerar insegurança jurídica, uma vez que os empresários não possuíam um parâmetro para saber exatamente qual a abrangência da terceirização lícita (OLIVEIRA, 2017).

A controvérsia citada, no entanto, foi suplantada com a aprovação da Lei 13.467/17, que realizou novas alterações na Lei 6.019/74. Com base no novo texto, que passa a viger em novembro de 2017, é expressa a possibilidade de terceirização em qualquer atividade da empresa, inclusive em sua atividade principal. O novo texto conta com a seguinte redação:

Lei 6.019, art. 4º-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.

Art. 5º-A. Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços relacionados a quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal. (Grifou-se). (BRASIL, 2017).

Percebe-se, assim, que, por meio da redação trazida pela reforma trabalhista, ficou clara a possibilidade de terceirização ampla, independentemente da natureza da atividade. Diante dessa nova possibilidade, o legislador preocupou-se em evitar que as empresas demitam trabalhadores e contratem os mesmos como terceirizados. Criou, então, um prazo de dezoito meses para que empresa titularizadas pelo ex-empregado possa ser contratada para prestar serviços ou esse ex-empregado possam laborar como terceirizados para a mesma empresa:

Lei 6.019, art. 5º-C. Não pode figurar como contratada, nos termos do art. 4º-A desta Lei, a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos dezoito meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou sócios forem aposentados.

Art. 5º-D. O empregado que for demitido não poderá prestar serviços para a mesma empresa na qualidade de empregado de empresa prestadora de serviços antes do decurso de prazo de dezoito meses, contados a partir da demissão do empregado (BRASIL, 2017).

A lei 13.429/17 inovou ao permitir expressamente a quarteirização por meio do art. 4-A, §1º: “A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para a realização desses serviços”. (Grifou-se).

Enquanto a primeira parte do dispositivo prevê que é de responsabilidade da prestadora remunerar e dirigir a prestação de serviços, a segunda parte previu a possibilidade dessa prestadora subcontratar outra empesa, também prestadora, para realizar os serviços, não delimitando um limite para essa quarteirização. Dessa forma, entende-se que o serviço transferido a uma empresa pode ser inteiramente transferido a outra. As possíveis consequências desse dispositivo para o Direito do Trabalho serão analisadas em tópico específico.

De acordo com a disciplina anterior, o contrato entre a empresa prestadora de serviços e a contratante deveria ser obrigatoriamente escrito. Esse aspecto continua previsto na nova lei, no art. 5-B, que, prevê também, que ele deverá conter a qualificação das partes; a especificação do serviço a ser prestado; quando for o caso, o prazo para realização; e o valor (GARCIA, 2017).

A Lei 13.429/17 prevê ainda requisitos mínimos para funcionamento da empresa de prestação de serviços a terceiros. Esses requisitos estão elencados no art. 4-B: inscrição no CNPJ, registro na Junta Comercial e capital social mínimo de acordo com o número de trabalhadores, variando de R$10.000,00 até R$250.000,00.

Há, ainda, uma interessante alteração em relação ao modelo anterior, em relação a garantia das condições de segurança, higiene e salubridade dos empregados terceirizados, que passa a ser de responsabilidade do contratante, quando o trabalho for prestado nas dependências de seu estabelecimento ou local convencionado. Assim, equipara-se o terceirizado ao empregado da própria empresa, protegendo sua saúde (OLIVEIRA, 2017).

Quanto ao atendimento médico e ambulatorial e a refeição que são concedidos aos próprios empregados o tratamento é diferente, vez que a Lei 13.429/17 não garantiu esse direito aos terceirizados, deixando ao arbítrio da empresa conceder ou não esses benefícios (CORREIA, 2017).

Esse tratamento discriminatório, no entanto, durou pouco tempo, uma vez que a Lei 13.467/17, trouxe previsão diversa, que determina que os empregados da empresa prestadora de serviços (terceirizados) merecem o mesmo tratamento dos empregados diretos quanto a alimentação, o transporte, o atendimento médico e o treinamento, bem como a proteção à saúde e segurança do trabalho:

Lei 6.019, art. 4º-C. São asseguradas aos empregados da empresa prestadora de serviços a que se refere o art. 4º-A desta Lei, quando e enquanto os servi-los, que podem ser de qualquer uma das atividades da contratante, forem executados nas dependências da tomadora, as mesmas condições:

I – relativas a:

Alimentação garantida aos empregados da contratante, quando oferecida em refeitórios;

Direito de utilizar os serviços de transporte;

Atendimento médico ou ambulatorial existente nas dependências da contratante ou local por ela designado;

Treinamento adequado, fornecido pela contratada, quando a atividade o exigir.

II – sanitárias, de medidas de proteção à saúde e de segurança no trabalho e de instalações adequadas à prestação do serviço (BRASIL, 2017).

Há, ainda, autorização legislativa para que, caso os trabalhadores terceirizados forem em número igual ou superior a 20% dos empregados próprios da tomadora, os serviços de alimentação e de atendimento ambulatorial sejam fornecidos em outro local.

Por fim, a Lei nº 13.429/2017 seguiu a sistemática da súmula nº 331 do TST ao prever a responsabilidade subsidiária da contratante quanto aos débitos referentes ao período em que ocorreu a prestação de serviços.

Dessa forma, caso a empresa prestadora não quite suas obrigações com o empregado, a contratante será subsidiariamente responsável pelo pagamento das verbas referentes ao período em que o este lhe tenha prestado serviços. Em conformidade com a súmula nº 331, IV, para que a ocorra a responsabilidade subsidiária, a contratante deve, obrigatoriamente, participar da relação processual e constar no título executivo judicial (MARTINS, 2016).

Analisados os aspectos da terceirização com base nas Leis 13.429/17 e 13.467/17 nas relações privadas, no próximo tópico serão abordadas as possíveis consequências dessa regulamentação para as relações de trabalho.

Sobre os autores
Eluiz Antônio Ribeiro Mendes e Bispo

Advogado, Professor na Universidade Estadual de Montes Claros

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Otávio Pena; BISPO, Eluiz Antônio Ribeiro Mendes. A regulamentação da terceirização como expressão da flexibilização trabalhista e seus possíveis impactos nas relações de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5619, 19 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61396. Acesso em: 24 nov. 2024.

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