Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

As alterações trazidas pela Lei n. 13.491/2017 e a competência da Justiça Militar

Exibindo página 2 de 2
Agenda 03/09/2018 às 15:20

4. DA COMPETÊNCIA EM RELAÇÃO AOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA, COMETIDOS POR MILITARES CONTRA CIVIS. 

Nos termos do art. 5°, inciso XXXVIII, letra “d” da CR/88, compete ao tribunal do júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Os crimes contra a vida estão tipificados nos artigos 121 a 128 do CP, art. 1°, “a”, da Lei n. 2.889/56 e artigos 205 a 208 do CPM.

No ano de 1996, por intermédio da Lei n. 9.299, o legislador infraconstitucional alterou o art. 9° do CPM, inserindo um parágrafo único nos seguintes termos: “Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum”.

Com a competência fixada na Justiça Comum, levantou-se a discussão relativa à inconstitucionalidade do referido parágrafo, já que a CR/88 em momento algum traz tal vinculação, embora, o tribunal do júri tenha funcionamento, a partir da organização do Poder Judiciário, na Justiça Comum de 1° grau.

Diante da não vinculação constitucional do tribunal do júri à Justiça Comum, vem-se discutindo, desde então, da possibilidade jurídica da instalação do tribunal do júri na Justiça Militar dos Estados.

Com a nova redação do art. 9°, o parágrafo único foi revogado e o tema veio com regramento nos parágrafos §§ 1° e 2°, descrito alhures. Observa-se que a expressão “Justiça Comum” prevista no então parágrafo único foi substituída por “Tribunal do Júri” no § 1°.

Com o §1°, tem-se por estancada a discussão quanto a possibilidade jurídica de se instalar o tribunal do júri na Justiça Militar dos Estados. O novo parágrafo se afina ao texto constitucional que, no art. 125 §§ 4° e 5°, fixa a competência criminal da Justiça Militar dos Estados tendo-se por referência os processos de competência do Juiz de Direito Singular, aqueles de competência dos Conselhos de Justiça e aqueles que cabem ao Tribunal do Júri.

Resta, portanto, evidenciada a inexistência de vedação à instalação do tribunal do júri na Justiça Militar,  compreendendo-se, para tanto, a inconstitucionalidade do § 2° do art. 82 do CPPM que assim prevê:

§ 2° Nos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à justiça comum. (BRASIL, 1969)

O referido § 2° é fruto da mesma alteração legislativa que inseriu o parágrafo único no art. 9° do CPM e, a razão de existir do § 2° do art. 82 do CPPM era o parágafo único do art. 9° do CPM. Com a revogação do dito parágrafo único, o legislador poderia ter revogado, também, o citado §2° e, com isso, bastaria à Lei de Organização Judiciária de cada Unidade da Federação instituir o regramento do tribunal do júri na Justiça Militar. A instalação do tribunal do júri na Justiça Militar, como brevemente exposto, não viola o princípio do Juiz Natural.

No que se refere à Justiça Militar da União, o legislador excepcionou, com a Lei n. 13.491/2017, em três incisos, as circustâncias em que, embora dolosos contra a vida de civis, a competência foge à regra do tribunal do júri e, o faz, com fundamento constitucional, uma vez que o art. 124 da CR/88, diferente do que se vê no art. 125, § 4°, não faz referência ao tribunal do júri.


5. CONCLUSÃO. 

Em face do que de forma breve foi exposto, conclui-se que a competência da Justiça Militar se dá em razão da matéria e da pessoa e, tal competência é absoluta, vez que advém da Constituição da República de 1988.

Em se tratando de crime militar, a competência para o processo e julgamento é da Justiça Militar. A Constituição de 1988 não define o é “crime militar”, ela cuida, tão somente da fixação da competência da Justiça especializada que funciona no âmbito da União e dos Estados. Cabe, portanto, à lei infraconstitucional definir o que vem a ser crime militar.

O conceito de crime militar é fruto da redação do art. 9° do CPM que, em seus três incisos vincula esse conceito não apenas aos crimes previstos na parte especial do CPM, mas amplia o rol com a nova redação do inciso II, de sorte que diante das circunstâncias descritas nas suas alíneas “a” a “e” são também crimes militares aqueles tipificados na lei penal comum.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Não houve modificação da competência da Justiça Militar, mesmo porque só por meio de Emenda Constitucional pode-se modificar tal competência. O que a Lei n. 13.491/2017 alterou foi o rol de crimes que fogem da competência da justiça comum quando cometidos nas condições do art. 9° do CPM. Não houve, de igual modo, inclusão de novos tipos penais ao CPM.

Permance incólume a competência da Justiça Militar da União e dos Estados para o processo e julgamento dos crimes militares definidos em lei, assim entendidos os crimes previstos na parte especial do CPM e aqueles tipificados no CP e na lesgislação penal extravagante.

Quanto à prática, por militares, de crimes dolosos contra a vida e que tem como vítima civil, a nova redação dos §§ 1° e 2° caminham em sintonia com o comando Constitucional, preservando-se a jurisdição militar e a competência do tribunal do júri. Acertadamente, substituiu o legislador o termo “justiça comum” por “tribunal do júri” e, uma vez mais, resta evidenciada a possibilidade jurídica de se instituir o tribunal do júri na Justiça Militar dos Estados.

No que se refere aos processos em andamento na Justiça Comum, onde a conduta de militares dos Estados se encaixe na moldura do art. 9° do CPM, a melhor técnica aponta para o declínio de competência da Justiça Comum, com a remessa dos autos, no estado em que estão, para a Justiça Militar a fim de que não ocorra nulidade dos atos praticados após a vigência da Lei n. 13.491/2017.


REFERÊNCIAS 

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 17. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. v 1.

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal.7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

BRASIL. Código de Processo Penal Militar. Decreto-Lei n. 1002, de 21 de outubro de 1969.. Brasília (DF), 1969. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del1002.htm>. Acesso em: 26 de outubro de 2017.

BRASIL. Código Penal Militar. Decreto-Lei n. 1.001, de 21 de outubro de 1969. Brasília (DF), 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del1001.htm>. Acesso em: 25 de outubro de 2017.

BRASIL. Código Penal. Decreto-lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940.Rio de Janeiro, 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 26 de outubro de 2017.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil Brasília (DF), 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 25 de outubro de 2017.

BRASIL. Lei n. 2.889, de 1º de outubro de 1956. Define e Pune o Crime de Genocídio. Rio de Janeiro (RJ), 1956. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L2889.htm> Acesso em: 25out2017.

BRASIL. Lei n. 13.491, de 13 de outubro de 2017. Altera o Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 – Código Penal Militar. Brasília (DF), 2017. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Lei/L13491.htm > Acesso em: 25out2017.

CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional: teoria do Estado e da Constituição/Direito constitucional positivo. 12 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

MARQUES, José Frederico. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1954.

MINAS GERAIS. Lei Complementar n. 59, de 18 de janeiro de 2001. Lei de organizaão e divisão judiciárias. Belo Horizonte (MG), 2001. Disponível em: < http://www9.tjmg.jus.br/portal/legislacao/lei-de-organizacao-judiciaria/ > Acesso em: 27out2017.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal: introdução e parte geral. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1984. v. 1

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. atual. Belo Horizonte: Lumen Juris, 2009.

PASSOS, Joaquim José Calmon de. Democracia, participação e processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988.

Sobre o autor
Edmar Pinto de Assis

Tenente-Coronel da Polícia Militar de Minas Gerais. Chefe da 1ª Seção do Estado-Maior da PMMG. Bel em direito pela PUC Minas/BH. Especialista em Ciências Penais pela PUC Minas/BH. Especialista em Segurança Pública pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro. Professor de Direito Penal e Processual Penal Comum e Militar na Academia de Polícia Militar de MG. Professor Direito Processual Penal Militar para o curso de pós-graduação em Direito Militar. Professor da disciplina "tópicos de processo penal militar" no Curso de Adaptação de Juízes Militares do Tribunal de Justiça Militar de MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASSIS, Edmar Pinto. As alterações trazidas pela Lei n. 13.491/2017 e a competência da Justiça Militar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5542, 3 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61548. Acesso em: 22 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!