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O crime de tortura na legislação brasileira

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Agenda 10/08/2018 às 10:30

3 A jurisprudência e sua (des) Harmonia com os Tratados Internacionais sobre a Matéria em Questão

Acerca da aplicação da lei 9.455/97 que define os crimes de tortura e dos tratados e convenções de direitos humanos, a jurisprudência por vezes diverge e em outras corrobora com os ditames das normas citadas.

Contrariando o que preconiza a CF/88, a Lei 9.455/97 e os Tratados e convenções contra tortura que estabelece que o crime de tortura é insuscetível de graça ou anistia, o STF julgou:

Lei N. 6.683/79, A Chamada “Lei De Anistia”. Artigo 5º, Caput, III e XXXIII da Constituição do Brasil; Princípio Democrático e Princípio Republicano: não Violação. Circunstâncias Históricas. Dignidade da Pessoa Humana e Tirania dos Valores. Interpretação do Direito e distinção entre o texto normativo e Norma Jurídica. Crimes Conexos definidos pela Lei n. 6.683/79. Caráter Bilateral da Anistia, Ampla e Geral. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal na Sucessão das frequentes Anistias concedidas, No Brasil, desde a república. Interpretação do Direito e Leis-Medida. Convenção das Nações Unidas contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes e Lei n. 9.455, De 7 de Abril de 1997, que define o crime de tortura. Artigo 5º, XlIII da Constituição do Brasil. Interpretação e Revisão da Lei da Anistia. Emenda Constitucional n. 26, de 27 de Novembro de 1985, Poder Constituinte e “Auto-Anistia”. Integração da Anistia da Lei de 1979 na Nova Ordem Constitucional. Acesso a documentos históricos como forma de exercício do Direito Fundamental à verdade (STF. ADPF nº153. Rel.Min. Eros Grau. Julgada em: 29 mar. 2010).

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB propôs argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) objetivando a declaração de não-recebimento, pela Constituição do Brasil de 1988, do disposto no § 1º do artigo 1º da Lei n. 6.683, de 19 de dezembro de 1979, segundo o argüente, desrespeito: ao dever, do Poder Público, de não ocultar a verdade; aos princípios democrático e republicano; ao princípio da dignidade da pessoa humana (STF. ADPF nº153. Rel. Min. Eros Grau. Julgada em: 29 mar. 2010).

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil defende que os crimes cometidos no regime militar, foram crimes comuns, pois não cometeram nenhum dos crimes contra a segurança nacional e a ordem política social, definidos na Lei de Anistia (STF. ADPF nº153. Rel. Min. Eros Grau. Julgada em: 29 mar. 2010).

Afirma não ser possível os crimes serem conexos vez que a conexão criminal pressupõe unidade de objetivo e de ação delituosa entre os agentes, o que não ocorreu, pois os agentes, mandantes ou executores praticaram crimes contra a vida e a integridade pessoal dos cidadãos considerados opositores políticos do regime militar (STF. ADPF nº153. Rel.Min. Eros Grau. Julgada em: 29 mar. 2010).

Acrescenta ainda que os agentes públicos que praticaram o crime de estupro, tortura e assassinato, assim como os mandantes desse ato ilícito, não podem ser beneficiados com a anistia além, pois praticaram crime contra a humanidade, sustenta que essa interpretação violaria frontalmente diversos preceitos fundamentais (STF. ADPF nº153. Rel.Min. Eros Grau. Julgada em: 29 mar. 2010).

Em petição a OAB diz: "irrefutável que não podia haver e não houve conexão entre os crimes políticos, cometidos pelos opositores do regime militar, e os crimes comuns contra eles praticados pelos agentes da repressão e seus mandantes no governo” (STF. ADPF nº153. Rel. Min. Eros Grau. Julgada em: 29 mar. 2010).

O Brasil como é signatário de tratados e convenções que protegem os Direitos Humanos, estando submetido ao julgamento de organismos internacionais, dentre eles o Tribunal Penal Internacional e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Segundo o Tribunal Penal Internacional não há prescrição sobre o crime de tortura, uma vez que este é um crime contra humanidade (STF. ADPF nº 153. Rel. Min. Eros Grau. Julgada em: 29 mar. 2010).

De acordo com o Supremo Tribunal Federal a concessão da anistia a todos que, em determinado período, cometeram crimes políticos estender-se-ia, aos crimes conexos, crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política, considera-se como conexos e igualmente perdoados os crimes "de qualquer natureza" relacionados aos crimes políticos ou praticados por motivação política no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 (STF. ADPF nº 153. Rel. Min. Eros Grau. Julgada em: 29 mar. 2010).

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A Corte teve como norte o art. 1º da Lei 6.683/79 onde elenca:

Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.

 § 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política (STF. ADPF nº153. Rel.Min. Eros Grau. Julgada em: 29 mar. 2010).

O Supremo Tribunal Federal foi de encontro aos diplomas internacionais, baseando-se na Lei de Anistia julgou improcedente a argüição de descumprimento de preceito fundamental, vencidos os Senhores Ministros Ricardo Lewandowski, que lhe dava parcial provimento nos termos de seu voto, e Ayres Britto, que a julgava parcialmente procedente para excluir da anistia os crimes previstos no artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição (STF. ADPF nº153. Rel.Min. Eros Grau. Julgada em: 29 mar. 2010).

No mesmo norte, contrariando as convenções e tratados de direitos humanos, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul deu prevalência a legislação penal brasileira que é mais abrangente:

Apelação Criminal – Tortura e redução análoga à de escravo contra menor de 14 anos – pedido de reconhecimento da inconstitucionalidade da lei 9.455/97 – inocorrência – convenções internacionais firmadas pelo Brasil que autoriza a ampliação do rol dos que podem cometer o crime de tortura – pedido de desclassificação da tortura para maus tratos – impossibilidade – apelante que, motivada por sentimento de crueldade agride a vítima causando-lhe grave sofrimento físico – pedido ministerial para aplicação da continuidade delitiva ao crime de tortura e condenação da recorrente no crime de redução análoga à de escravo – inocorrência – recursos improvidos.

Por ser mais abrangente, e atender ao artigo 1.º da Convenção da ONU, que possui status de norma constitucional, a Lei Federal n.º 9.455/97, que ampliou o rol dos sujeitos ativos do crime de tortura, é, além de constitucional, mais benéfica à vítima, pois, sendo mais abrangente, tem mais chances de punir efetivamente o criminoso.

Não há falar em desclassificação do crime de tortura pelo de maus-tratos, se o agente causa na vítima intenso sofrimento físico e mental, motivado por sentimento de ódio e crueldade, e não com o fim de corrigi-la ou discipliná-la.

Não há falar em continuidade delitiva no crime de tortura vez que a partícula elementar do crime de tortura é o sofrimento causado, que é uno, independentemente da quantidade de violências sofridas.

A configuração do crime de redução análoga à de escravo pressupõe que haja uma relação de emprego entre os agentes, situação essa que não foi comprovada nos autos (TJMS.Apelação Criminal nº 2009.026714-0/0000-00,

Trata-se de recurso de apelação em que a ré Kátia Elizabeth Cristaldo foi condenada pela prática do crime previsto no art. 1º, inciso II e §4º, inciso II, ambos da Lei 9.455/97, inconformada com a sentença de 1º grau recorreu à segunda estância, bem como o Ministério Publico (TJMS. Apelação Criminal nº 2009.026714-0/0000-00, rel. Des. Marilza Lúcia Fortes julgado em: 23/02/2010)

A apelante alega que o art. 1º, inciso II da Lei 9.455/97 é inconstitucional por se tratar de crime próprio, que somente pode ser cometido por pessoas dotadas de função pública requerendo a desclassificação do crime de tortura para maus tratos (TJMS. Apelação Criminal nº 2009.026714-0/0000-00, rel. Des. Marilza Lúcia Fortes julgado em: 23/02/2010)

A Corte julgou que a Lei de Tortura, não agiu de maneira diferente à consentida pelo artigo 1.º da Convenção da ONU, norma esta constitucional, sendo assim, não podendo ser declarada inconstitucional (TJMS. Apelação Criminal nº 2009.026714-0/0000-00, rel. Des. Marilza Lúcia Fortes julgado em: 23/02/2010).

Nesse mesmo vértice, de acordo com jurisprudência consolidada no Tribunal de Justiça do Paraná sobre a temática:

Ementa: Apelação Crime. Tortura. art. 1º, inc. i, alínea ‘a’, da Lei nº. 9.455/97. Crime Comum. Possibilidade de ser praticado por qualquer cidadão. Deficiência de defesa técnica. Não ocorrência. Réus assistidos por defensor constituído que comparece a todos os atos do processo e apresenta alegações finais fundamentadas. Inexistência de ofensa às garantias do contraditório e da ampla defesa. Instrução processual realizada em conformidade com o rito vigente à época. Validade. Irretroatividade das normas de natureza meramente processual. tese de insuficiência probatória. Não acolhimento. Palavra das vítimas seguras e harmoniosas com os demais elementos de provas. Condenação mantida. pena. Culpabilidade e antecedentes. Circunstâncias que não podem ser consideradas desfavoráveis aos réus. Comportamento das vítimas. Contribuição para a consecução criminosa (TJPR. Apelação Crime nº: 0719141-9, Rel. Macedo Pacheco. Julgada em: 28/04/2011).

No entanto, em divergência a Lei pátria nº 9.455/97 a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais é majoritária no sentido do crime de tortura ser próprio de autoridade pública:

Tortura – Lei nº 9.455/97 – inaplicabilidade ao caso – desclassificação – ‘emendatio libelli' em segunda instância – possibilidade – lesões corporais – perigo de vida – necessidade de ser justificado pela perícia – prescrição – extinção da punibilidade declarada de ofício. Consoante precedentes desta Câmara, a Lei nº 9.455/97 – naquilo que define o delito de tortura como crime comum – não está em consonância com disposições veiculadas em tratados internacionais ratificados pelo Brasil, que possuem ""status"" de norma constitucional. É pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido do cabimento da ‘emendatio libelli' em segunda instância, atendidos os arts. 383 e 617 do CPP. Precedentes do STF. A qualificadora do perigo de vida não se presume, sendo necessário que os peritos afirmem a sua ocorrência e bem justifiquem em que teria consistido o perigo concreto e real do resultado morte. A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação regula-se pela pena aplicada, nos termos do art. 110, § 1º do Código Penal (TJMG, Apelação Criminal nº 1.0408.02.000139-7/001, rel. Des. Beatriz Pinheiro Caires. Julgada em: 12/05/2005).

A jurisprudência supra trata-se de uma apelação interposta pelos réus vencidos, buscando ser declarada a inconstitucionalidade da Lei nº 9.455/97 (TJMG, Apelação Criminal nº 1.0408.02.000139-7/001, rel. Des. Beatriz Pinheiro Caires. Julgada em: 12/05/2005).

Extrai-se do Acórdão:

A Lei n.º 9.455/97, todavia, não definiu este tipo penal como "crime próprio", mas ao contrário, ampliou seu alcance, tornando possível que qualquer pessoa do povo o pratique. Assim, não se observou, na lei interna específica, a restrição presente nos aludidos tratados internacionais.

Assim de acordo com a Convenção Internacional de Direitos Humanos o delito autônomo de tortura é "próprio", isto é, cometido apenas por funcionários ou empregados públicos em autoria mediata ou imediata, e ainda, por indução ou instigação a que o provoquem, prevista também, a responsabilidade decorrente da omissão de tais agentes no impedimento da realização do fato delituoso, quando possível efetuá-lo.

A legislação infraconstitucional brasileira ao tipificar o delito de Tortura como crime comum e não próprio, podendo ser praticado por qualquer pessoa, andou na contramão das codificações comparadas e do entendimento encampado majoritariamente a respeito da questão (TJMG, Apelação Criminal nº 1.0408.02.000139-7/001, rel. Des. Beatriz Pinheiro Caires. Julgada em: 12/05/2005).

No voto vencido proferido neste julgamento, desclassificou-se o crime de tortura para o delito de maus-tratos qualificado, decidiu a Corte no sentido de que o crime de tortura, previsto na Lei 9.455/97, não pode ser praticado por pessoa que não seja agente público, pois ao se conceituar tal crime como comum, estaria lesionando norma constitucional embasada em tratados internacionais de Direitos Humanos (TJMG, Apelação Criminal nº 1.0408.02.000139-7/001, rel. Des. Beatriz Pinheiro Caires. Julgada em: 12/05/2005).

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUCCA, Jamile Garcia. O crime de tortura na legislação brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5518, 10 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61600. Acesso em: 26 dez. 2024.

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