4. DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS
Hodiernamente os órgãos judiciais encontram-se abarrotados de processos repetitivos, obstruindo a aplicação da solução eficaz e uniforme das demandas judiciais, uma violação ao postulado constitucional da razoável duração do processo, para Oliveira (2015, 75) “O mesmo CPC/2015, que traz como inovação o IRDR, consagra e reitera em suas normas gerais (Livro I) os princípios constitucionais da razoável duração do processo, da igualdade, do contraditório, da publicidade e do acesso à justiça.”
Com base nesta problemática processual, o novel diploma processual inovou ao inserir nas suas ferramentas processuais a previsão do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), instituto jurídico provocado mediante incidente processual, bem como o Recurso Especial e Recurso Extraordinário repetitivos para tratamento de situações jurídicas discutidas em sede de recursos excepcionais, para Mendes (2012, 195) “surgimento do incidente de resolução de demandas repetitivas vem para suprir eventuais lacunas das ações coletivas brasileiras na tutela dos direitos individuais homogêneos, que são justamente ‘as espécies de direito material’ que dão ensejo à propositura das ações repetitivas”
Diante do contexto, o intuito do legislador foi o de diminuir o número de lides análogas, estabelecendo isonomia entre os casos jurisdicionados, ao selecionar um processo-piloto para estabelecer a regra a ser aplicável ao demais que versem sobre a mesma tese jurídica.
Basicamente, o IRDR traria o emolduramento da tese jurídica proferida no processo piloto aos demais casos análogos, como medida célere e satisfativa dos casos repetitivos, no entanto Abboud e Cavalcanti (2015, 2) trouxeram algumas questões polêmicas do ponto de vista constitucional do incidente, alegam que o IRDR violaria alguns pressupostos processuais existentes, vejamos:
Deixe-se claro, todavia, que entendemos que o IRDR pode ser um eficaz mecanismo de resolução de litígios de massa. Apesar disso, não podemos fechar os olhos e ignorar algumas inconstitucionalidades constantes do texto projetado que violam diversos princípios constitucionais do processo decorrentes da cláusula do devido processo geral. O artigo tratará de algumas delas. São elas: (a) violação à independência funcional dos magistrados e à separação funcional dos Poderes: a vinculação da tese jurídica aos juízes de hierarquia inferior ao órgão prolator da decisão não está prevista na Constituição da República; (b) violação ao contraditório: ausência do controle judicial da adequação da representatividade como pressuposto fundamental para a eficácia vinculante da decisão de mérito desfavorável aos processos dos litigantes ausentes do incidente processual coletivo; (c) violação ao direito de ação: ausência de previsão do direito de o litigante requerer sua autoexclusão (opt-out) do julgamento coletivo; e (d) violação ao sistema de competências da Constituição: a tese jurídica fixada no IRDR pelo TJ ou TRF será aplicada aos processos que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região (art. 982, I, do NCPC).
Para o processualista Didier Júnior (2016, p. 625) “o IRDR é, como o seu próprio nome indica, um incidente. Trata-se de um incidente, instaurado num processo de competência originária ou em um recurso (inclusive de remessa necessária)”, para Fux (2014)
dentre esses instrumentos, está a complementação e o reforço da eficiência do regime de julgamento de Inconstitucionalidades do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) e os riscos ao sistema decisório de recursos repetitivos, que agora abrange a possibilidade de suspensão do procedimento das demais ações, tanto no juízo de primeiro grau, quanto dos demais recursos extraordinários ou especiais, que estejam tramitando nos tribunais superiores, aguardando julgamento, desatreladamente dos afetados. Com os mesmos objetivos, criou-se, com inspiração no direito alemão, o já referido incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que consiste na identificação de processos que contenham a mesma questão de direito, que estejam ainda no primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta. O incidente de resolução de demandas repetitivas é admissível quando identificada, em primeiro grau, controvérsia com potencial de gerar multiplicação expressiva de demandas e o correlato risco da coexistência de decisões conflitantes”. Em nota de rodapé, a exposição de motivos esclarece que: “No direito alemão a figura se chama Musterverfahren e gera decisão que serve de modelo (= Muster) para a resolução de uma quantidade expressiva de processos em que as partes estejam na mesma situação, não se tratando necessariamente, do mesmo autor nem do mesmo réu
Como visto, deverá haver um processo em sede de recurso ou de competência originária de tribunal para que seja proposto o incidente processual, uma vez que não se trata de processo originário mas sim um incidente processual, posto que a norma processual com seu caráter infraconstitucional não pode dispor sobre competência originária.
Tal incumbência ficou a cargo da Constituição Federal para os casos previstos no art. 103, que fixou a competência originária e recursal do Supremo Tribunal Federal; art. 105, da competência do superior Tribunal de justiça; art. 109, da competência dos juízes federal e por fim deixou a competência residual a cargo das Constituições Estaduais que fixaram a competência originária e recursal de seu sistema jurisdicional.
Não havendo, portanto, competência do legislador infraconstitucional para legislar em matéria processual da competência originária e recursal dos tribunais, uma vez que as modificações constitucionais ficaram a cargo das emendas constitucionais que possuem maior rigidez no procedimento de aprovação.
Esclarece Didier Júnior (2016, p. 625) que “o legislador ordinário pode – e foi isso que fez o CPC – criar incidentes processuais para causas originárias e recursais que tramitem nos tribunais, mas não lhe cabe criar competências originárias para os tribunais” além do mais, cita o nobre doutrinador Didier Júnior (2016, 634) “o IRDR é cabível para fixar a tese, de questão de direito material ou processual, em processo de conhecimento ou em processo de execução, seja o procedimento comum ou especial”. Portanto, não há necessidade de existência de processo específico para cabimento do Incidente, basta apenas a existência dos requisitos constantes do art. 967, do NCPC.
Desta feita, a previsão de cabimento e julgamento do IRDR inserida na norma processual civil não trouxe a criação ou regulamentação de competência originária do procedimento, apenas tratou o instituto como incidente processual cabível em processo de conhecimento ou diante de recurso interposto em tribunal.
4.1. Das demandas repetitivas
Demandas repetitivas são pleitos demandados individualmente sobre causa de pedir comum em diversos processos cujos titulares são determinados, diferente das que discutem interesses difusos ou individuais homogêneos que há uma pluralidade de sujeitos discutindo a mesma pretensão resistida.
Por serem múltiplas demandas individuais com causas de pedir em comum, cada interessado pode buscar, separadamente, a tutela do seu direito, ajuizando ações judiciais. Essas ações que versam sobre direitos individuais, ou direitos individuais homogêneos demandados por indivíduos sem formação de litisconsórcio facultativo, que se repetem incontáveis vezes no Judiciário, uma vez que dizem respeito a inúmeras causas em situação idêntica. São as chamadas ações de massa, ou demandas de massa ou, ainda, demandas repetitivas.
Não é natural, na sistemática processual, a pluralidade de demandas idênticas analisadas repetidas vezes pelo Judiciário, apenas diferindo em relação os polos que compõem a relação jurídica. Por ser a questão apreciada diversas vezes por juízes diferentes, por diversas vezes são proferidas decisões diferentes para casos idênticos, causando, por consequência insegurança jurídica e falta de harmonia jurisprudencial.
No entanto, as demandas individuais formam lei entre as partes, vinculando apenas os indivíduos que estão em litígio, sem, contudo, estender os seus efeitos perante terceiros.
Hodiernamente, judiciário brasileiro encontra-se abarrotado de litígios que discutem a mesma questão de direito, causando, por consequência a lentidão na entrega da tutela jurisdicional. À titulo de exemplo, tais demandas repetitivas que ainda encontram-se em tramitação versam, por exemplo, sobre questões relativas a planos econômicos de outrora, discutindo por diversas vezes índices de caderneta de poupança, tarifa básica de telefonia e tarifas bancárias em geral, o que poderia se decidido uniformemente com uma decisão paradigma, trazendo a segurança jurídica a todos os provimentos jurisdicionais.
4.2. Da competência para admissão do IRDR
O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR possui natureza de procedimento incidental, que como foi visto anteriormente não cabe ao legislador infraconstitucional atribuir competência originária ou recursal, posto que tal atribuição ficou a cargo da Constituição Federal e por atendimento ao princípio da simetria, às constituições estaduais, não sendo, portanto, matéria de cunho infraconstitucional.
Trata-se de incidente processual que, em tese, modifica a competência originária do recurso ou procedimento de ordinário de tribuna para ser julgado em órgão específico para tal fim, que segundo Didier Júnior (2016, p. 629) “o órgão colegiado do tribunal pode admitir ou não o IRDR. A decisão que admite ou rejeita o IRDR é irrecorrível, ressalvados os embargos de declaração”.
Ainda no entender de Didier Júnior (2016, p. 930), o “IRDR pode ser suscitado perante tribunal de justiça ou tribunal regional federal (no âmbito trabalhista, em tribunal regional do trabalho; no âmbito eleitoral, em tribunal regional eleitoral”, não sendo, portanto, instituto jurídico cabível em juízo de primeiro grau.
A competência originária para admissão e apreciação o IRDR é de órgão colegiado específico de tribunal, convém salientar a melhor jurisprudência de Didier Júnior (2016, p. 629) que “o juízo de admissibilidade é, enfim, do órgão colegiado do tribunal. Como a decisão não é do relator, não cabe agravo interno, pois este é um recurso cabível apenas contra decisão isolada do relator (art. 1.021, CPC)”.
Por seu turno, o § 3º, do art. 976, cita que a inadmissibilidade do IRDR decorrente do não atendimento dos pressupostos essenciais de admissibilidade não obsta a parte propor novamente o incidente, atendidos os requisitos estabelecido na lei, vejamos:
“§ 3o A inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado.”
Desta forma, evidenciamos a competência colegiada de órgão integrante de tribunal para admissão e apreciação do incidente processual, não cabendo, portanto, ao relator proferir decisão monocrática em sede de IRDR, mas apenas ao órgão colegiado do tribunal.
4.3. Dos requisitos de admissibilidade do IRDR
Por se tratar de procedimento incidental para solução de demandas repetitivas, cuja tese jurídica formulada no processo-modelo vai irradiar força vinculante por toda a sistemática jurisdicional do órgão colegiado que proferiu a decisão do incidente, o IRDR possui requisitos essenciais para sua admissibilidade, que para o nobre doutrinador Didier Júnior (2016, p. 625) “o IRDR só é cabível, se (a) houver efetiva repetição de processos e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, (b) a questão for unicamente de direito e (c) houver causa pendente no tribunal”, nos termos do art. 976, do Novel diploma processual civil:
“Art. 976. É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:
I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito;
II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.”
Desta forma, por se tratar de um incidente processual, para ser instaurado, não se torna necessário o cumprimento dos requisitos essenciais da petição inicial mas os requisitos inseridos no art. 976, do NCPC são indispensável para a admissibilidade do IRDR.
Outrossim, cabe esclarecer que os legitimados ativos a propor o IRDR estão elencados em número fechado no teor do art. 977, do NCPC, deixando claro que o terceiro que não possuir interesse processual na demanda não poderá pleitear a instauração do incidente, vejamos:
“Art. 977. O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente de tribunal:
I - pelo juiz ou relator, por ofício;
II - pelas partes, por petição;
III - pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição.”
Para Didier Júnior (2016, 632) “o IRDR pode ser suscitado, de ofício, pelo juiz de uma das causas repetitivas ou pelo relator em processo que se encontra no tribunal. Não é necessário que haja requerimento. É possível que seja instaurado de ofício.”, evidenciando a natureza jurídica de questão de ordem pública, uma vez que em primazia do princípio jurisdicional da inércia, nas questões que não há ordem pública não poderia o juízo requerer instauração de procedimento processual sem a provocação das partes.
Por se tratar de demanda de grande relevância para a sistemática processual, o terceiro interessado poderá requisitar a sua participação no incidente para formulação da tese jurídica a ser construída no processo piloto, conforme nos ensina Oliveira (2015, 70), que:
É importante ressaltar o papel de terceiros no IRDR. O terceiro interessado pode ingressar e pedir sua participação no julgamento do incidente. Do mesmo modo, o relator do incidente no tribunal pode marcar audiência pública e ouvir pessoas desinteressadas que poderão contribuir com opiniões e posições para melhor elucidação das questões a serem debatidas no julgamento do mérito incidental. A participação de terceiros para aprimorar a prestação jurisdicional nas demandas repetitivas já ocorre no âmbito do julgamento dos processos referentes a controle de constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal e nos recursos repetitivos nesse mesmo tribunal superior e no Superior Tribunal de Justiça. O terceiro que apresenta interesse institucional é denominado amicus curiae ou amigo da corte, figura que, embora já consagrada em leis esparsas e na jurisprudência, tem previsão no CPC/2015. Conforme o art. 983, § 1º, no juízo de admissibilidade do IRDR
Mesmo se tratando de demanda de grande relevância jurídica, o IRDR não pode ser suscitado por qualquer interessado, ainda segundo Didier Júnior (2016, 632) “o IRDR pode ser instaurado por provocação de qualquer uma das partes da causa pendente no tribunal ou de qualquer outro processo em que a questão se repita.”, desde que seja relativa à questão unicamente de direito.
4.4. Houver efetiva repetição de processos e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica
Para Oliveira (2017, 67) “segurança jurídica é a previsibilidade, a perenidade, a certeza e a estabilidade de uma situação ou direito conquistado contra surpresas e mudanças ilegítimas ou aleatórias” o que se espera diante do entendimento formulado em IRDR.
Passando a detalhar os requisitos de admissibilidade, a questão da efetiva repetição de processos e risco à isonomia e à segurança jurídica, trouxe uma manifesta problemática processual, posto que o legislador não quantificou o mínimo de processos para admissão do incidente, Didier Júnior (2016) entende pela admissão do IRDR quando houver pelo menos dois casos, com a devida venha ao nobre doutrinador, entendo que o IRDR atende a uma peculiaridade de alta demanda repetitiva, o que inviabiliza a sua aplicação diante de apenas duas pretensões resistidas sobre mesma questão de direito, o que destoa da finalidade precípua do inovador instituto processual, que para BUENO (2015, 615) “a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas não pressupõe a existência de grande quantidade de processos versando sobre a mesma questão, mas preponderantemente o risco de quebra da isonomia e de ofensa à segurança jurídica”.
Nesta mesma esteira, nos ensina o processualista Talamini (2016) que para que a questão seja em comum, deve haver um padrão fático repetitivo, vejamos:
Embora a questão jurídica é que vá ser objeto de resolução no incidente, note-se que é imprescindível que exista um certo padrão fático repetitivo. Caso contrário jamais se teria a questão jurídica repetitiva (p ex., é preciso que milhares de pessoas tenham realizado o mesmo tipo de atividade negocial e agora discutam com o Fisco, em processos próprios, se incide tributo sobre aquela atividade). Ou seja, a questão jurídica repetitiva pressupõe, por igual, aspectos fáticos repetitivos nos diversos processos. Esses, contudo, são alheios ao IRDR, que se concentra sobre aquela.
Para os doutrinadores Guilherme Gomes Pimentel e Cynara Silde Mesquita Veloso (2013):
o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas trata-se de uma extensão do instituto de julgamentos repetitivos, previsto no CPC, visto que ele permite um significativo aumento de sua abrangência ao proporcionar a identificação da repetitividade em qualquer fase processual, inclusive cognitiva, podendo ser suscitado de imediato em razão de um grupo de processos que acabaram de ser distribuídos
Ademais, para o efetivo atendimento do requisito ao risco à isonomia e à segurança jurídica se evidencia ante a pluralidade de causas idênticas sob o aspecto jurídico, o que não haveria como evidenciar com apenas dois processos com possibilidade de decisões divergentes, desta forma, a multiplicidade de questões jurídicas torna-se necessária em um contexto mais amplo.
4.5. A questão for unicamente de direito
O mundo dos fatos tornou-se irrelevante para a admissão do incidente, uma vez que tratar o suporte fático como elemento crucial para elaboração do julgado inviabilizaria o instituto, posto que as causas de pedir de cada processo, por diversas vezes, comportam características próprias.
O intuito do IRDR foi uniformizar a jurisprudência diante de diversos casos que versem sobre questão unicamente de direito, para as situações jurídicas diferentes do processo-piloto, aplica-se a técnica do distinguishing, no intuito de excluir o processo da aplicação uniforme do julgado.
Acerca da matéria, o Enunciado n.º 9, da ENFAM, cita que:
“É ônus da parte, para os fins do disposto no art. 489, § 1º, V e VI, do CPC/2015, identificar os fundamentos determinantes ou demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento, sempre que invocar jurisprudência, precedente ou enunciado de súmula.”
Portanto, podemos observar que cabe a parte apresentar a distinção do seu caso ao que dispõe a decisão proferida em IRDR, uma vez que as razões de direito que versarem sobre a mesma questão terão seu entendimento uniformizado, ficando a questão fática a ser discutida por meio de técnica de distinção ao projeto-piloto.
4.6. Houver causa pendente no tribunal
Como foi anteriormente apontado no item 4.1, a competência para apreciação do incidente é do órgão colegiado do Tribunal, por não se tratar de causa de competência originária ou recurso, o IRDR depende de causa pendente no tribunal para ser apreciado, que devido à modificação da competência, seria uma exceção à perpetuatio jurisdictionis e ao juiz natural.
4.7. Do procedimento e julgamento do IRDR
Após a distribuição, o órgão colegiado do tribunal, criado por meio de resolução ou disposição no regimento interno, competente para julgar o incidente, procederá ao seu juízo de admissibilidade, considerando a presença dos pressupostos do art. 976, mencionados no item 4.2.
Admitido o incidente, o relator suspenderá todos os processos pendentes sobre questão idêntica, solicitará informações ao juízo de origem para maiores esclarecimentos da questão suscitada e intimará o representante do Ministério Público para, querendo, manifestar-se sobre o feito, na forma do art. 982, do NCPC, o ilustre YOSHIKAWA (2015, 1.407), entende que é
descabida a possibilidade prevista no artigo em comento, pois a providencia traria sério prejuízo (maior demora na tramitação dos processos) aos jurisdicionados de outros Estados (Justiça Estadual) ou Regiões (Justiça Federal) sem que tenha como contrapartida qualquer benefício, vez que os demais Tribunais não estão obrigados a seguir orientação que venha a ser firmada, tendo ela no máximo eficácia persuasiva”
Importante frisar que os pedidos de tutela provisória de urgência e cautelar serão dirigidos ao juízo do processo suspenso, conforme teor do § 2o, do art. 982, uma vez que o juízo de origem é o conhecedor dos fatos narrados na petição inicial, que conforme estabelecido na norma processual, o IRDR trata apenas das questões puramente de direito, não podendo apreciar os fatos que levam a concessão da medida de urgência em juízo de cognição sumária.
Por conseguinte, em cumprimento às formalidades dispostas no art. 982, do NCPC, o relator ouvirá as partes e os demais interessados no IRDR, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia, estas figurando como amicus curiae, que, no prazo comum de 15 (quinze) dias, poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida, e, em seguida, manifestar-se-á o Ministério Público, no mesmo prazo.
Por se tratar de questão jurídica de grande relevância, o relator poderá designar audiência para debates, nos termos do § 1º, do art. 983, do NCPC, que segundo Didier Júnior (2016, 639) “como se sabe, o contraditório não se restringe a questões de fato; também alcança questões de direito (art. 10, CPC). Daí haver instrução no IRDR, para a qualificação do debate em torno da questão de direito”, para construção da tese jurídica.
Superada a fase de debates em audiência pública, o relator solicitará inclusão em pauta de julgamento no prazo de cinco dias, nos termos do § 2º, do art. 983, que fará a exposição do objeto do incidente, e, passará a realização de sustentações orais, iniciadas pelo autor, passando a palavra ao réu que por fim terá o Ministério público, a palavra pelo prazo de 30 (trinta minutos), segundo YOSHIKAWA (2015, 261) “dividir entre todos os interessados o prazo de trinta minutos pode comprometer, na prática, a efetividade e a razão de ser da sustentação oral”.
Estabelece a lei processual que a decisão proferida pelo órgão colegiado em sede de IRDR, nos termo do art. 985, será aplicada a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região; aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986.
Cabe ainda esclarecer a preocupação para a formulação da decisão paradigma a ser adotada no IRDR, posto que sua razão de decidir irá surtir efeitos por todo o sistema jurisdicional vinculado ao tribunal, a teor da questão, no ensina Dantas apud Oliveira (2015, 72), que deve existir
atenção redobrada com a fundamentação da decisão no IRDR se deve justamente ao fato de que o acórdão-paradigma projetará seus efeitos para casos cujas partes processuais muitas vezes sequer terão tido a oportunidade fática de apresentar suas razões ao tribunal. Desse modo, o reforço argumentativo exigido na fundamentação está longe de ser mero preciosismo do legislador; ao contrário, é requisito que acresce legitimidade e autoridade ao julgamento.
Portanto, deve o órgão julgador se ater as complexidades e peculiaridades inerentes ao processo modelo, com vistas a proferir uma decisão paradigma justa para todos os processos que discutem igual questão de direito, para que, desta forma, atenda aos pressupostos da segurança jurídica.
4.8. Do cabimento de recurso
Em respeito ao devido processo legal, a Lei nº 13.105/15, estabeleceu que o juízo de admissibilidade do incidente de resolução de demandas repetitivas será realizado pelo órgão competente para julgá-lo, nos termos do regimento interno do tribunal. Essa decisão, de admissão ou de inadmissão, é irrecorrível. No entanto, não há proibição normativa à oposição de embargos de declaração, nem faz coisa julgada material. Possibilitando a propositura de outro incidente, desde que satisfeitos os requisitos.
Logo, preenchido o requisito faltante, poderá ser pleiteada novamente a instauração do IRDR, conforme reza o § 3º do artigo 976 do NCPC. Durante a tramitação do IRDR, o relator poderá proferir decisões interlocutórias. Contra tais decisões cabe agravo interno, nos termos do artigo 1.021 do NCPC, que cita “ARt. 1.21 Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal”.
Da decisão que admite intervenção de terceiros interessados ou de amicus curiae é irrecorrível, conforme disposto no artigo 138, que cita:
Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.
Segundo Cunha (2011), a interposição de recurso contra essa decisão “conspiraria contra a duração razoável do incidente”, uma vez devido à complexidade processual para prolação da decisão paradigma é “recomendável que haja ampla participação e discussão no incidente” para formulação da tese jurídica mais adequada.
Do acórdão proferido no IRDR com julgamento de mérito cabe recurso extraordinário para questões constitucionais com repercussão geral presumida por força do § 1º, do art. 987, do NCPC, ou recurso especial, conforme se trate de discussão acerca de matéria federal.
O recurso interposto terá seu juízo de admissibilidade apreciado em dois momentos, inicialmente pelo relator integrante do órgão a quo que fará a análise do cabimento e da jurisprudência, cuja decisão, caso denegatória, passível de agravo em Recurso Extraordinário ou Especial, nos termos do Art. 1.042, e em um segundo momento, pelo relator do processo do órgão ad quem competente para o seu julgamento, este por sua vez, passível de impugnação por via do agravo interno, nos termos do art. 1.030, §§ 1º e 2º, no caso de indeferimento que após conclusos os autos serão remetidos para julgamento no órgão colegiado.
Cita o § 1º, do Art. 987, do NCPC que os recursos para os tribunais superiores terão efeito suspensivo, considerando razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, o efeito suspensivo será aplicado a todo o território nacional, sobrestando todos os processos discutidos no incidente, até ulterior decisão do recurso extraordinário ou do recurso especial a ser interposto, nos termos do art. 1.029, § 4º, o que, por consequência do efeito suspensivo, impede a aplicação do julgamento proferido no IRDR de imediato.
Quando interposto recurso extraordinário, este terá repercussão geral presumida. Diante dessa presunção, não é necessário que a parte demonstre a existência de repercussão geral ante o manifesto interesse social da causa discutida.
4.9. Dos efeitos do julgamento formulado no IRDR
O IRDR possui a finalidade de julgar a pretensão resistida discutida em juízo, mas apenas a questão jurídica nela contida em primazia do postulado da segurança jurídica. Assim, o julgamento resulta numa decisão paradigma, que será aplicada aos demais processos dentro da mesma estrutura jurisdicional que versem sobre a mesma questão jurídica.
Diante deste contexto, a tese jurídica fixada no julgamento do IRDR tem natureza de norma geral e abstrata quanto aos processos suspensos, fazendo lei ultra partes.
A decisão paradigma será manuseada pelos operadores de direito além do processo modelo, como se fosse uma própria lei a ser aplicada pelo julgador. Por não haver julgamento da lide, não há falar em coisa julgada, mas sim em efeito vinculante da interpretação fixada acerca da tese jurídica formulada pelo incidente.
Como esclarecido, a consequência principal do julgamento do IRDR é a aplicação da tese fixada no processo modelo, por meio da decisão paradigma, a todas as causas que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do tribunal que prolatou a decisão. Assim, se o IRDR for julgado pelo Tribunal de Justiça de um Estado, por exemplo, a tese será aplicada em todo o Estado; se for julgado pelo Tribunal Regional Federal, a tese jurídica será aplicada a todos os processos que tratem de idêntica questão de direito nas seções judiciárias integrantes do Tribunal Regional Federal que estão vinculados.
Opostos recursos nos tribunais excepcionais, no julgamento de mérito em recurso extraordinário ou recurso especial, a tese revisada vinculará todos os processos em que se discuta a questão jurídica decidida no IRDR em todo o território nacional, nos termos do Art. 985, I, do NCPC.
Frise-se que a decisão vinculará sempre que houver julgamento do mérito originária ou recursal, sendo a questão julgada procedente ou improcedente, ou seja, de forma favorável ou desfavorável à coletividade, conforme teor do Art. 987, § 2º, do NCPC:
Art. 987. Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o caso.
§ 2º Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito.
Por sua vez, a vinculação da tese paradigma fixada no julgamento do IRDR é praticamente inquestionável. Não há faculdade processual da demanda individual de optar por prosseguir com a ação individual e não se submeter ao julgamento a ser proferido no âmbito incidente.
Quanto ao aspecto temporal, o efeito vinculante é ex nunc. Isso significa que inclusive ações futuras que tratem da mesma questão de direito julgada no incidente de resolução de demandas repetitivas serão abrangidas pela tese firmada, como previsto no art. 985, inciso II, do NCPC, que cita:
Art. 985: Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:
II - aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986.
Desta forma, as demandas anteriores à formação da decisão paradigma proferida em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas atingidas pela coisa julgada, não serão revistos por consequência do IRDR, nem será cabível a propositura de ação rescisória com vistas a reformular a coisa julgada material.
4.10. Da aplicação da decisão proferida em IRDR aos Juizados Especiais.
Em relação aos juizados especiais, a Lei 9.099/95 constituiu uma sistemática processual própria dentro do Poder Judiciário, não estando sujeitos à jurisdição dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais.
Dessa forma, os recursos inominados interpostos no âmbito do rito sumaríssimo são julgados pelas Turmas Recursais, juízo revisor inserido na sistemática processual própria, e não pelos Tribunais de Justiça ou pelos Tribunais Regionais Federais.
Do mesmo modo, a uniformização da jurisprudência no âmbito dos Juizados Especiais cabe a órgãos internos do próprio Juizado, como as Turmas Regionais de Uniformização e as Turmas Nacionais de Uniformização, e não ao Superior Tribunal de Justiça no âmbito infraconstitucional, juízo revisor por meio da interposição de Recurso Especial.
Apesar disso, o Novo Processo Civil fixa a aplicação da decisão paradigma firmada no IRDR aos juizados especiais. Dessa forma, ao admitir o IRDR, o tribunal suspenderá, além dos processos que tratem da questão jurídica a ser julgada sob sua jurisdição, também tais demandas que tramitem no âmbito dos juizados especiais, nos termos do Art. 985, I, do NCPC:
Art. 985. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:
I - a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região
Em relação à aplicação da tese pelos magistrados investidos nos Juizados Especiais, a decisão proferida no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas possui caráter vinculante, ou seja, a decisão paradigma formulada no processo piloto terá aplicação obrigatória. Assim, não se trata de mera orientação, mas de verdadeira imposição ao juízo que irá julgar o caso concreto, por meio de norma jurídica abstrata.