5. DO CABIMENTO DE RECLAMAÇÃO PARA ASSEGURAR O CUMPRIMENTO DA DECISÃO PROFERIDA EM IRDR
A reclamação, instituto jurídico criado para assegurar a competência e garantir a autoridade das decisões proferidas pelos tribunais excepcionais do nosso sistema jurídico, teve sua aplicabilidade ampliada por meio do art. 103-A da Constituição Federal, modificação trazida por meio da emenda constitucional nº 45/04, que inseriu o disposto no § 3º, do art. 103-A, da CRFB/88, o qual disciplina que:
“§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso."
Assim, a reclamação passou a ser aplicada também aos atos administrativos que contrariem a súmula vinculante proferida pelo STF, garantindo a sua aplicação no campo administrativo por meio do controle de legalidade.
A Jurisprudência entende que a reclamação é cabível em todos os tribunais, que segundo a teoria dos poderes implícitos citada por Didier Júnior (2016, 538) “a teoria dos poderes implícitos justifica a aceitação da reclamação para todo e qualquer tribunal. A previsão da reclamação no CPC e a existência de expresso dispositivo que afirma ser cabível perante qualquer tribunal confirmam isso.”
No âmbito das decisões proferidas em IRDR, a lei processual civil inovou no cabimento da reclamação, uma vez que o disposto no § 1º, do art. 985, dispõe que caso não seja observada a tese adotada no incidente, caberá reclamação para o órgão judicial que proferiu o IRDR, aplicando do Princípio da Simetria, uma vez que a CRFB/88, previu o cabimento da reclamação apenas nas decisões proferidas pelos STF e STJ, passando a ser cabível em face de descumprimento de decisão proferida por tribunais de justiça, tribunais federais, tribunais eleitorais e do trabalho em sede de IRDR.
Diante da reformulação processual, a reclamação é plenamente cabível diante de decisão contrária ao precedente vinculante formulado em IRDR, com exceção dos Juizados Especiais, cabível o recurso especial para tal situação, Para o doutrinador Rinaldo Mouzalas (2016, 1021):
E cabível reclamação constitucional contra decisão que deixa de aplicar ou aplica indevidamente tese jurídica firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência, ainda que o tribunal não tenha competência para julgar o recurso interposto contra a decisão (enunciado 558 do FPPC). E o que ocorre com os juizados especais e turmas recursais, que não se sujeitam a revisão recursal pelos tribunais, ressalvado apenas o cabimento de recurso extraordinário (enunciado 640 da sumula do STF).
Por fim, a Lei Federal nº 13.105, de 16 de março de 2015, que instituiu o Novo Código de Processo Civil (NCPC), estabelece no § 1º, do art. 985, que diante da não observância da tese jurídica adotada no incidente de resolução de demandas repetitivas, cabe reclamação.
Desta forma, a reclamação é o instituto jurídico que assegura a efetivação da decisão proferida em IRDR, vinculando, portanto o juízo na aplicação do entendimento firmado no incidente.
6. DA FORÇA VINCULANTE DA DECISÃO PROFERIDA EM IRDR
Hodiernamente, o ordenamento jurídico brasileiro tem modificado sua sistematização hermenêutica, saindo de uma compreensão jurídico/positiva inspirada nos conceitos formulados na civil law, que para formação do precedente judicial é levado em consideração apenas o texto de lei, para atualmente para a aplicação do common law por meio do fortalecimento dos precedentes judiciais como forma de vinculação do ordenamento jurídico, nos ensina o grandiosos doutrinador Marinoni (2009, p. 21), que:
Com efeito, se alguém perguntar a qualquer teórico do common law a respeito da natureza da função do juiz que não aplica a lei por reputá-la inconstitucional, que interpreta a lei conforme a Constituição ou que supre a omissão de uma regra processual que deveria ter sido estabelecida em virtude de um direito fundamental de natureza processual, certamente se surpreenderá. Tal atividade obviamente não significa declaração de direito e, assim, na perspectiva das doutrinas produzidas no common law, certamente revela uma atividade criadora, verdadeira criação judicial do direito.
A norma processual passou a ser interpretada sob a égide constitucional, a qual emana seus princípios e normas fundamentais por todo o ordenamento jurídico, acerca do direito processual civil constitucional cita Barroso (2007, p. 37-38) que “A fase atual é marcada pela passagem da Constituição para o centro do sistema jurídico, de onde passa a atuar como o filtro axiológico pelo qual se deve ler o Direito”
Assim, novo diploma processual passou a disciplinar a obrigatoriedade de uniformização jurisprudencial para que a sistemática decisória seja compreendida de forma estável, íntegra e coerente, nos termos do art. 926, do NCPC, que cita: “Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.”
No viés processual da uniformização jurisprudencial, nos ensina o ilustre doutrinador Mauro Viveiros (2016), que:
Dentre essas decisões vinculantes estão os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos (inciso III), e a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados (inciso V).
Todo o ordenamento jurídico fica vinculado à força do precedente judicial, em relação ao IRDR, o art 927, cita que os juízes e tribunais observarão os acórdãos proferidos em IRDR para fundamentar sua decisão, vejamos:
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II - os enunciados de súmula vinculante;
III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
Do mesmo modo, em sede de recurso, a nova lei processual atribuiu ao relator a incumbência de negar provimento ao recurso contrário ao entendimento firmado em IRDR, bem como dar provimento ao recurso cuja decisão recorrida for contrária ao entendimento firmado em IRDR, na forma que segue:
Art. 932. Incumbe ao relator:
IV - negar provimento a recurso que for contrário a:
(...)
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:
(...)
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
No entanto, existe uma corrente doutrinária que segue na contramão das inovadoras disposições normativas do novo código processual civil, segundo Abboud e Cavalcanti (2015, 221), o IRDR traria manifestas violações aos preceitos básicos da do processo civil, vejamos:
(a) violação à independência funcional dos magistrados e à separação funcional dos Poderes: a vinculação de tese jurídica aos juízes de hierarquia inferior ao órgão prolator da decisão não está prevista na Constituição da República; (b) violação ao contraditório: ausência do controle judicial de adequação da representatividade como pressuposto fundamental para a eficácia vinculante da decisão de mérito desfavorável aos processos dos litigantes ausentes do incidente processual coletivo; (c) violação ao direito de ação: ausência de previsão do direito de o litigante requerer sua auto exclusão (opt-out) do julgamento coletivo; e (d) violação ao sistema de competências da Constituição: atese jurídica fixada no IRDR pelo TJ ou TRF será aplicada aos processos que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região (art. 982, I, do NCPC).
Há na doutrina uma notável preocupação com a formulação do precedente vinculante proferido em IRDR, ensina Mancuso apud Oliveira (2015, 78) que:
é preciso que o propósito pragmático de redução do acervo, subjacente à técnica da tutela plurindividual, não se faça a qualquer preço, em detrimento dos lídimos direitos processuais das partes, mormente no tocante à efetiva participação no contraditório, que em sua contemporânea acepção inclui o direito à não surpresa e à efetiva possibilidade de legítima influência nas decisões judiciais.
Sob a ótica de Pimentel e Veloso (2013), o incidente de resolução de demandas repetitivas traria manifesta inconstitucionalidade devido a possível supressão do processo cognitivo oriundo do juízo de piso, uma vez que a tese jurídica formulada pelo tribunal suprime o juízo de valor formulado em processo de conhecimento, vejamos:
Pela análise que se faz, a remessa de causas oriundas da aparente potencialidade para gerar relevante multiplicação de processos tem o condão de suprimir inconstitucionalmente o duplo grau de jurisdição, visto que, instaurado o incidente, suprimir-se-á a segunda instância de todos aqueles processos que ainda não superaram o juízo de cognição”
No entanto, ao contrário do entendimento doutrinário acima citado, o qual entende que o IRDR na condição de ferramenta de uniformização jurisprudencial suprime o juízo cognitivo de primeiro grau, o nobre processualista Guilherme Rizzo (2013), cita, segundo a linha majoritária da doutrina, que:
a decisão proferida no incidente, embora vincule todo e qualquer futuro julgamento a ser proferido acerca da matéria em discussão, não tem o condão de evitar o ajuizamento de novas ações. Muito pelo contrário, exige-se a instauração de processo judicial individual para que possa aplicar a tese jurídica
Desta forma, o precedente jurídico firmado em IRDR encontra força de precedente jurídico obrigatório, vinculando, desta forma, todo o ordenamento jurídico, sendo cabível em caso de distinção, a aplicação da técnica de distinção (distinguishing) jurisprudencial, cujo intuito é apresentar aspectos que diferencial o caso concreto da hipótese cujo entendimento foi firmado em Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva, sob consequência de possível reformulação por meio de reclamação proposta perante o órgão que prolatou a decisão.
Logo, podemos afirmar que o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas não trouxe solução definitiva para a problemática propositura de demandas repetitivas, uma vez que não excluirá a necessidade de ajuizamento de ações para a aplicação da tese fixada nem tampouco poderá limitar o direito constitucional fundamental de acesso à justiça.
No entanto, poderá contribuir de forma plena para a redução, em determinados casos, da divergência jurisprudencial de decisões proferidas em diversos juízos que julgam a mesma questão de direito. Isso porque, nos casos do que cita o § 2º do art. 985, do NCPC “o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada”, esta medida processual tem o condão de impedir que muitas demandas sejam ajuizadas, e as decisões proferidas sejam divergentes.
Ademais, quando julgada improcedente a questão de direito submetida ao IRDR, novos processos também serão evitados, porquanto não será necessário um vasto juízo cognitivo para formulação de tese jurídica.
Por derradeiro, o IRDR também contribui, em muito, para a uniformização dos julgamentos de casos idênticos, uma vez que o seu julgamento terá efeito vinculante a toda a sistemática jurisdicional vinculada ao órgão prolator da decisão paradigma.