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O verdadeiro valor da consulta jurídica remunerada

Agenda 15/11/2017 às 18:10

Quando remunerada, a consulta jurídica prestada por um advogado ao seu cliente é um serviço que tem valor para além da remuneração para o advogado e da orientação transmitida ao cliente.

O serviço de advocacia está essencialmente relacionado com o conhecimento jurídico, seja ele aplicado em uma petição, em uma audiência (de conciliação, de instrução e julgamento ou plenária do júri), ou até mesmo em uma “simples conversa” com o cliente. O nome dessa “simples conversa” chama-se consulta, que para muitos é apenas uma “conversinha”.

Na verdade, essa denominação de “conversinha” não passa de um meio comum para tentar não remunerar o trabalho do advogado, o que mostra a desvalorização pela profissão e, de modo geral, pelo trabalho intelectual no Brasil. Para muitos, a transmissão do saber não tem valor se não for aplicado pelo próprio profissional em algum trabalho posterior. Dessa mentalidade resulta a dificuldade de muitos advogados em cobrarem pelas suas consultas e em terem seu trabalho valorizado.

O conhecimento e trabalho do advogado são expressos por meio de palavras: escritas ou orais, dirigidas ao juiz ou ao próprio cliente. A linguagem e a fala são os instrumentos de trabalho do advogado, que instrumentalizam o seu conhecimento. A consulta é um serviço de análise prestado pelo advogado, que aplica o seu conhecimento, tempo e trabalho para avaliar uma dada situação-caso-processo com a finalidade de oferecer aconselhamento jurídico. Em algumas situações, como quando já existe um processo judicial, para prestar uma boa consulta, o advogado precisa estudar dezenas, centenas ou até milhares de folhas dos autos e consultar doutrina e jurisprudência para atender bem ao cliente. Por trás do tempo da consulta que o cliente presencia, pode existir todo um trabalho feito nos bastidores, que nem é visto, nem é valorizado.

Todo trabalho que atende às necessidades humanas é importante e tem valor, de sorte que merece ser dignamente remunerado. O conhecimento é a ferramenta de trabalho do advogado e ele deve ser remunerado sempre que o utiliza. Mesmo que seu conhecimento e seu tempo sejam aplicados em um problema que mais tarde se mostre insolúvel ou inexistente, o seu trabalho deve ser remunerado, da mesma maneira que deve acontecer em todo trabalho/profissão.

Seguindo esse princípio da valorização do trabalho do advogado, as Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil estipulam valores mínimos a serem cobrados por uma consulta – que podem variar bastante1 –, na tentativa de valorizar a profissão e velar pela probidade. Infelizmente, os próprios advogados fazem uma concorrência predatória em que frequentemente ninguém sai ganhando, nem mesmo o cliente que deixou de pagar por uma consulta.

A consulta com um bom advogado pode indicar problemas ou ajudar a evitá-los e/ou resolvê-los. Aparentemente simples, algumas informações ou instruções podem ser cruciais para obter-se espantosos resultados. Uma análise de um contrato pode evitar longas disputas familiares e perdas patrimoniais; uma indicação de procedimento a adotar pode resultar em uma economia considerável em tributos para o cliente ou até mesmo evitar a prática de crime e eventual aplicação de sanção penal. Ou as palavras do advogado podem se limitar a dizer: “não há nada a ser feito, porque seu problema não tem solução” ou “no seu caso, não há nenhum problema”. O problema que o cliente pensava que tinha ou teria, uma boa consulta pode dar a certeza de sua inexistência, inevitabilidade ou insolubilidade. Tudo isso tem valor e deve ser valorizado.

Há vários benefícios em se ter uma boa e sincera consulta com um advogado que não costumam ser corretamente visualizados ou considerados pelos clientes, assim como pelos próprios advogados. É na consulta remunerada que o cliente provavelmente ouvirá considerações desse tipo: não há nada a ser feito no seu caso; seu direito está prescrito; não há direito; a melhor solução é pagar a dívida e evitar um processo judicial, com todos os seus custos; as chances de sucesso em entrar com uma ação são mínimas e as chances de prejuízo, grandes; não vale a pena litigar; por causa dos custos com honorários advocatícios e com o processo, o melhor é deixar esse assunto para lá. Todas essas orientações encerram a remuneração e o trabalho do advogado na própria consulta.

Para o advogado que está oferecendo gratuitamente uma consulta, que não está sendo remunerado pelo essa diligência, todas essas frases implicam que ele não será remunerado depois, a não ser que tenha uma expectativa de um dia aquele cliente voltar e, com sorte, que não seja para outra “consulta grátis”. Mas a recompensa imediata é certamente mais tentadora e mais fácil encorajar o cliente a, de algum modo, litigar. Se o advogado só ganha quando atua em juízo litigando, sua atuação profissional será voltada para o litígio. Afinal de contas, vivemos em uma sociedade capitalista-consumista e o advogado também tem seus gastos e suas contas para pagar, o que não consegue fazer só com “consultas grátis”. Se a consulta é gratuita, o advogado será naturalmente tentado a ser remunerado de outras maneiras, que podem custar muito mais caro para o cliente que a remuneração de uma consulta, além de potenciais prejuízos. A consulta gratuita não passar de uma ilusão de economia, que pode causar enormes gastos e prejuízos ao cliente.

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Na consulta gratuita, há uma dinâmica prejudicial para todos os seus participantes, que pode ser ilustrada com um exemplo comum na advocacia (mudam-se os detalhes, mas o principal é corriqueiro), e a importância de uma boa e sincera consulta. Utiliza-se a área criminal para título de ilustração, em que há um primeiro advogado, que não cobra consulta, mas “inventa” um serviço, e o segundo, que é devidamente remunerado pela consulta e, por isso, será plenamente remunerado sem a existência de diligência posterior à própria consulta.

No primeiro advogado, o cliente é orientado que é possível mudar o resultado de sentença penal condenatória, sendo informado da existência da ação de revisão criminal2. De fato, é possível modificar uma sentença penal transitada em julgado. Porém, as chances de sucesso costumam ser muito reduzidas, tratando-se de ação penal visivelmente excepcional, considerando-se sua finalidade de desconstituir uma sentença penal transitada em julgado. Não obstante, o primeiro advogado apresenta, para o cliente, como se fosse uma ação normal e lhe cobra R$ 10.000,00 (dez mil reais) para entrar com a ação; para o cliente, não ser informado da excepcionalidade da ação já significa uma chance razoável de sucesso, o que lhe leva a investir (dinheiro, tempo, energia, esperanças) em projeto que provavelmente fracassará. Como a consulta é gratuita, esse advogado nem sequer estuda o processo, limita-se a escutar o que o cliente lhe diz e já “inventa” um serviço futuro; depois, “cria” uma petição e leva a diante a já fadada diligência.

Mas o cliente desconfia desse serviço oferecido. Afinal de contas, existe uma condenação criminal e não deve ser muito fácil alterar esse resultado negativo. Por isso, ele busca uma segunda opinião antes de investir seus R$ 10.000,00 (dez mil reais), apesar da esperança criada3. Ele marca uma consulta com o segundo advogado, que só presta consultas remuneradas, cobrando-lhe o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), valor pelo qual avalia ser bem remunerado para estudar todo o processo e prestar atendimento ao cliente. Se for necessário e do interesse do cliente, outro valor será acordado para propor a eventual ação4. Para o segundo advogado, se o trabalho com aquele cliente se encerrar ali, ele já se considera bem remunerado.

O cliente fica meio apreensivo em pagar esse valor, considerando-se que a primeira consulta foi gratuita. Mas acaba por contratar o serviço, por ter sido o segundo advogado bem recomendado e porque “vale mais perder mil que dez mil”. O cliente, então, informa o segundo advogado que “ouviu falar de uma tal de revisão criminal” e quer saber se ele tem chance de se beneficiar dela. O cliente não menciona que já lhe foi prestada uma consulta (gratuita) e que essa será uma segunda opinião sobre o caso – esse “ouviu falar” é sempre forte indício de que não se trata da primeira consulta do cliente –. O segundo advogado estuda o processo e presta atendimento ao cliente, informando-lhe literalmente: “A ação de revisão criminal é naturalmente difícil, porque seu objetivo é modificar uma sentença transitada em julgado, isto é, uma sentença sobre a qual já não cabe mais recurso e que deve permanecer imutável. Apenas em casos excepcionais, é possível modificá-la. No seu caso, não há nenhum dos requisitos do art. 621 do CPP – ele lê para o cliente os requisitos e faz a comparação com os elementos dos autos –. O resultado de seu processo até poderia ter sido outro, se tivesse sido realizado um bom trabalho no seu devido tempo. Mas não vejo chances de modificar esse resultado por meio de ação de revisão criminal. As chances de sucesso são remotas. Se eu fosse o(a) sr.(a), não gastaria um centavo para tentar alterar essa sentença. O melhor é se conformar com o resultado e seguir adiante, sem falsas esperanças”.

No primeiro caso (“consulta grátis”), o advogado acaba por iludir o cliente, apresentando esperanças dificilmente concretizáveis, e propõe uma diligência futura que pode ser por ele realizada sem nem sequer ter se dado trabalho de estudar o caso adequadamente – dificilmente um advogado que presta consulta gratuita vai estudar diligentemente todo o processo antes de atender, porque isso demanda tempo e trabalho –; no segundo caso, o advogado apresenta para o cliente o que avalia ser a realidade, após uma análise detida do caso e sem pensar em ganhos posteriores.

Não é difícil escolher a situação em que gostaríamos de nos encontrar se fôssemos o cliente, porque vale mais gastar R$ 1.000,00 (mil reais) para sermos devidamente esclarecidos, que pagar R$ 10.000,00 (dez mil reais) para comprar uma ilusão. O problema é que esse cenário dificilmente se mostra de forma clara para o cliente antes de contratado o serviço, o qual só se dá conta de tudo o que realmente aconteceu após o resultado negativo do trabalho; movido pela arraigada desvalorização do trabalho, é mais fácil escolher o caminho da consulta gratuita, sem nem sequer cogitar sobre esses aspectos prejudiciais de não remunerar o advogado.

Claro que a primeira conduta acima mencionada é contrária à ética da advocacia, notadamente aos artigos 2º e 8º do Código de Ética e Disciplina da OAB, porquanto a advocacia exige atuação com honestidade, veracidade, lealdade, boa-fé e tantos outros deveres. É vedado iludir o cliente, mostrando o dificilmente concretizável ou até mesmo o impossível como um provável resultado de uma ação judicial. Não obstante, a conduta é compreensível, afinal de contas, o advogado que dá “consulta grátis” também precisa ser remunerado de algum modo. Note-se: compreensível, não justificável5.

O mais evidente benefício do advogado com a consulta remunerada é a própria remuneração. Mas nela há outros pontos positivos, há ganhos subjacentes. A consulta remunerada serve para evitar o dispêndio de tempo com falsos clientes (o curioso) e o cliente que não valoriza o trabalho do advogado. Existem muitos clientes que simplesmente não estão dispostos a pagar pelo serviço do advogado – ou mesmo não têm condições econômicas de fazê-lo –, de modo que é contraproducente atendê-los inicialmente de maneira gratuita esperando remuneração posterior. Nesse caso, muitas vezes, quem compra uma ilusão é o advogado.

Importante sublinhar que um dos grandes problemas envolvendo a advocacia está relacionado àqueles que têm (fartas) condições de remunerar o trabalho do advogado, mas simplesmente não valorizam a profissão e, por isso, querem pagar o mínimo possível e ainda assim exigir o máximo. Quanto aos que não têm mesmo condições de remunerar o profissional, todos têm direito a assistência jurídica6e os que não têm condições de arcar com os custos devem procurar as Defensorias Públicas, lembrando-se que o Defensor Público é remunerado pelo Estado, ele não trabalha de graça. Quem tem dever de prestar assistência jurídica gratuita aos pobre é o Estado, em nome da sociedade, não o advogado. O advogado não tem obrigação jurídica ou moral de trabalhar de graça para suprir deficiências do Estado, quando este não se esforça em efetivamente assistir aos mais necessitados.

Para o advogado, o valor da remuneração da consulta vai além do dinheiro, servindo para evitar o dispêndio inútil de tempo, com todos os problemas que isso ocasiona, como aborrecimentos – quem advoga sabe que o pior cliente é aquele que não quer pagar, porque desvaloriza o trabalho do advogado e, por isso, acredita pagar muito em troca de receber muito pouco –. Além disso, fortalece a credibilidade do advogado perante a sociedade, que é seu principal capital: o advogado que indica a melhor solução para um problema sempre fortalece sua credibilidade. Para o advogado, a remuneração pela consulta promove o exercício de sua profissão com dedicação e probidade, ao ter mais entusiasmo, tempo e tranquilidade para trabalhar, benefícios que podem ser maiores que a própria remuneração recebida. Para o advogado, o verdadeiro valor da consulta remunerada é ter valorizado o seu trabalho e profissão, podendo prestar um serviço de qualidade, além de selecionar bons clientes.

A remuneração da consulta também traz importantes implicações e vantagens para o cliente que a remunera, afinal de contas, trabalha melhor quem é devidamente remunerado. A remuneração da consulta significa valorizar o trabalho e profissão do advogado, incentivando o seu exercício probo e digno. Os fundamentos de uma boa consulta jurídica são tempo, conhecimento, dedicação para estudar uma causa e reais condições de emitir um parecer sincero, sem que o advogado seja condicionado à eventual retorno econômico posterior. Ao retribuir, de imediato, o trabalho do advogado, o cliente tem mais chances de encontrar um profissional que efetivamente trabalhará em sua causa com dedicação e probidade, o que possibilita a efetiva transmissão do conhecimento ao cliente. O cliente terá maiores chances de saber a verdade, o que pode ser feito e quais as chances de sucesso. Para o cliente, o verdadeiro valor da consulta remunerada é a maior probabilidade de ser-lhe transmitido um parecer jurídico qualificado e honesto sobre determinada situação.

A gratuidade da consulta jurídica apresenta-se como um regime predatório em que todos perdem, principalmente o cliente, que pode acabar pagando caro por ilusões e falsas esperanças; também o advogado que a presta perde, tanto do ponto de vista econômico quanto profissional e moral, porque abala sua credibilidade e lucra sobre ilusão e prejuízo do cliente; e o advogado probo, perde ao deixar de prestar consultas e encontrar resistência dos clientes em remunerar o seu trabalho.

A consulta jurídica remunerada beneficia advogado e cliente; como em toda relação contratual equilibrada, as duas partes ganham. Há ganhos evidentes e subjacentes, os quais não costumam ser identificados e, talvez por isso, nem valorizados por advogados e clientes. Justamente esses ganhos subjacentes que constituem o verdadeiro valor da consulta para o cliente e para o advogado.

1 Cf. levantamento de valores disponível no seguinte site: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI151133,101048-Consultas+com+advogados+no+Brasil+variam+de+R+120+a+R+161915 . O levantamento feito pelo site do Migalhas é um pouco antigo, do ano de 2012, mas serve perfeitamente para mostrar a exigência em todos os estados da Federação e a variação entre os valores mínimos a serem cobrados pela consulta. Pode-se até questionar o montante mínimo para as consultas, contudo, questionar a exigência de uma remuneração pela consulta traz vários problemas por promover a desvalorização da profissão, que já está em processo avançado.

2 Código de Processo Penal, artigos 621 a 631.

3 O ser humano tende a acreditar naquilo que quer acreditar, apesar de não existir provas ou mesmo em se tratando de uma crença irracional ou absurda. É fácil ser convencido daquilo que se quer acreditar.

4 Um bom recurso é computar, no serviço final, o valor da consulta na hipótese de ser necessário trabalho posterior, o que se apresenta conveniente para cliente e advogado. Desconta-se o valor da consulta, o que encorajará o cliente a remunerar a consulta e eventualmente contratar eventual(is) diligência(s) posterior(es). À medida que o diagnóstico apresentado pelo advogado na consulta inicial for se concretizando, o cliente fortalecerá sua confiança, percebendo que não se trata de um advogado que “vende ilusões”.

5 A classe médica continua sendo, ainda, uma das únicas que ainda consegue ter o serviço de consultoria valorizado. Não tenho conhecimento de médico que faça consultas gratuitas. Ainda bem. Imaginem quantas cirurgias desnecessárias seriam realizadas para remunerar o profissional que não cobrou pela consulta? Tão nobre quanto seja a profissão da medicina e quanto possam ser seus profissionais, todos nós vivemos numa sociedade capitalista de consumo e todos precisamos ser remunerados pelo nosso trabalho, de maneira que nenhuma classe profissional está livre desse tipo de risco. Quem não é pago por uma consulta que, por si só, é suficiente para resolver o problema do cliente, tenderá a inventar situações que exijam um trabalho posterior, esse sim remunerado. Aí é que está o grande perigo do serviço inicial gratuito. Também não tenho conhecimento de um cliente que não quis remunerar o médico porque ele lhe disse que estava plenamente saudável ou que sua doença era incurável, o que, mutatis mutandis, costuma acontecer no cotidiano da advocacia.

6 CF, art. 5º, LXXIV: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

Sobre o autor
André Filipe do Nascimento Mendes

Bacharel em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN - 2014) Pós-graduado em Residência Judicial pela Escola da Magistratura do Rio Grande do Norte (ESMARN) e UFRN

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDES, André Filipe Nascimento. O verdadeiro valor da consulta jurídica remunerada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5250, 15 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61865. Acesso em: 26 dez. 2024.

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