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Investigação preliminar:

Polícia Judiciária ou Ministério Público

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Agenda 15/01/2005 às 00:00

SUMÁRIO:INTRODUÇÃO; 1.INQUÉRITO POLICIAL, 1.1 Características do Inquérito Policial, 1.2 Princípios Constitucionais, 1 O Devido Processo Legal, o Contraditório e a Ampla Defesa, 1.2.2 Presunção de Inocência, 1.2.3 Prisão, 1.2.4 Defesa Negativa, 1.2.5 Identificação dos Responsáveis pela realização da Prisão e do Interrogatório, 1.2.6 Reserva Legal, 1.2.7 Habeas Corpus; 2. PROVAS, 2.1 Conceito, Origem e Evolução, 2.2 Constrições à Produção de Provas, 2.3 Confissão, 2.4 Provas no Procedimento Policia, 2.5 O Valor Probante do Inquérito, 2.6 Provas Ilícitas; 3. SISTEMAS INVESTIGATÓRIOS (DIREITO COMPARADO, 3.1 Investigação Policial (inquérito, 3.1.2 Polícia Judiciária Gaúcha – Dados Estatísticos, 3.3 O Juiz Instrutor, 3.3 Parquet Investigador; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

A proposta de realizar este trabalho deu-se, num momento em que a violência que assola nosso país, cresce em proporções assustadoras, ruindo a estrutura estatal. Neste mesmo passo, surgem inúmeras propostas para combate-la, todas, até o momento, ineficazes.

Uma parcela de políticos e juristas atribui a gravidade da situação ao INQUÉRITO POLICIAL, taxando-o de arcaico e ineficaz no combate a este drama social, que, efetivamente, chegou em nosso Estado, não sendo mais uma exclusividade de Rio e São Paulo.

Versará, este trabalho, sobre o sistema investigativo brasileiro, como procedimento extraprocessual, abordando sua eficácia como sistema perscrutório e condutor de provas.

Todavia, para tanto, buscar-se-á suas raízes históricas, sua evolução e, centrar-se-á, com maior afinco, a partir das inovações constitucionais de 1988, uma vez que trazem uma enorme gama de direitos processuais que, em muito se afirma, são dissonantes do inquérito.

Outro tema a ser abordado, a fim de dar o suporte necessário para discorrer acerca do instituto policial, será a prova, pois, como certas provas são renováveis e outras não o são, em juízo, existe uma grande polêmica a respeito de seu valor probante no tocante a condenação do acusado.

No último capítulo desta monografia, será efetuada uma breve incursão sobre os sistemas investigatórios, hodiernamente em uso, no mundo, a fim de obter-se as diferenças e poder contabilizar, qual dos três sistemas, teria maior efetividade na consecução de sua tarefa fim, ou seja, identificar a autoria e fornecer elementos para a responsabilização do culpado e ainda, contribuir efetivamente para a transparência de tranqüilidade (prevenção geral) que a sociedade exige.

Optamos pela presente pesquisa, por entendermos que se trata de assunto de grande relevância, pois, o que está em discussão não é tão-somente o modelo inicial do processo, mas sim, o combate a violência, consubstanciando-se, tais assertivas, na preservação do, quiçá, maior bem jurídico do homem, à vida e quando um bem tão valioso está em jogo, tem-se que relegar a segundo plano as questões ideológicas ou de estima pessoal e partir para uma discussão fulcrada em pesquisa científica, embasada por estatísticas.

Procurar-se-á demonstrar, neste trabalho, através de pesquisa doutrinária, jurisprudencial, com inserção de estatísticas que o inquérito policial é um procedimento tradicional e, de posse de mecanismos que lhe aportem condições, pode ser um instituto que pode servir com eficiência ao seu objetivo, qual seja, formar a opnio delictis do parquet, sem, no entanto, ser um procedimento atentador aos direitos fundamentais, levando-se em conta, como se verá no corpo do trabalho, a dificuldade de exercer uma excelente atividade perquiritória sem qualquer, por menor que seja, estigmatização ao suspeito.

Obviamente, não se está aqui fazendo apologia à constrições aos direitos fundamentais positivados na Carta Política.

Também far-se-á uma pequena inserção do fator violência ser uma tendência humana, que, naturalmente é desregrado e egoísta, como sustentava Hobbes e atualmente denomina-se de biopssicosocial.

As questões finais, a que nos propomos a responder são as seguintes:

1.É o inquérito policial uma peça ultrapassada e arcaica?

2.É o procedimento policial o grande responsável por impunidades e o conseqüente aumento da criminalidade?

3.È o inquérito policial, com suas características, presidido pela Autoridade Policial, o grande vilão do Processo Penal Brasileiro?

Por óbvio, para responder a tais indagações, far-se-á necessário enfrentar outras situações, como avaliar e procurar dissuadir as principais críticas ao procedimento administrativo, como a falta das garantias constitucionais; demonstrar a importância do inquérito policial durante a perseguição de um crime, seja como meio materializador e identificador do delito e de sua autoria, respectivamente, como uma prevenção geral do crime e na preparação do jus puniendi; apresentar, embasado em estatísticas, as dificuldades estruturais e humanas enfrentadas pelo Órgão titular da persecutio criminis inicial o que se caracteriza num entrave a uma mais eficiente elaboração do inquérito e, averiguar os três sistemas investigatórios utilizados atualmente, trançando um paralelo dos mesmos, a fim de verificar suas diferenças e posicionar-se sobre cada um deles, tentando descobrir se existe um mais eficiente.

O método a ser adotado no desenvolvimento da presente pesquisa será o histórico-crítico, a partir de uma perspectiva analítica e comparativa, abordando os temas dentro de uma concepção dialética e, procurando dar tratamento localizado no tempo ao conteúdo objeto do estudo, que é o inquérito policial.

Em termos de fonte de investigação, serão averiguadas e pesquisadas, inúmeras obras referentes ao assunto, bem como jurisprudências e artigos de revistas e internet, além de procurar obter estatísticas junto a Polícia Civil.

No primeiro capítulo serão trabalhadas as garantias constitucionais e a posição do inquérito.

Já no segundo, será discorrido sobre as provas e sua posição no inquérito e no processo, bem como a questão da prova ilícita.

No terceiro capítulo, será feita uma incursão sobre os sistemas investigatórios existentes, que são três, o inquérito policial, o juizado de instrução e o promotor investigador, onde procurar-se-á demonstrar as diferenças e vantagens de um ou outro.

Foi escolhida tal metodologia, porque, como o inquérito é taxado de arbitrário, fazendo-se uma exegese extensiva do termo inquisitorial, pareceu-nos mais adequado e didático, mostrar as garantias constitucionais, as provas e os demais sistemas pré-processuais e traçar um paralelo com a pragmática policial, mostrando que a polícia trabalha, ex vi legis, dentro do princípio da legalidade.


1 O INQUÉRITO POLICIAL

No momento em que ocorre uma infração penal, nasce para o Estado o jus puniendi. Nas palavras de Beccaria "Eis, então, sobre o que se funda o direito do soberano de punir os delitos: sobre a necessidade de defender o depósito da salvação pública das usurpações particulares" (1997, p. 28).

Todavia, o Estado somente poderá punir com o due process of law, consecutado em juízo, o que chama-se de ação penal.

Ocorre que, para que a ação penal, que nasce com a denúncia do Promotor, o Estado deve dispor de um mínimo de elementos, para que se possa materializar o delito e conhecer sua autoria e o instrumento legal, embora não exclusivo [1] é o Inquérito Policial.

Como advoga Filho:

Exceto o caso da Polícia Federal, quanto à Polícia Judiciária da União, o princípio que rege a atividade policial é o da não-exclusividade, ou seja, admite-se que mais de um órgão apure infrações penais, o que, ademais, é de interesse público. (apud Lima, 1997, p. 55)

Posicionando-se contrariamente a exclusividade policial judiciária atribuída, pela Constituição, à Polícia Federal, Weingartner, afirma que "não se nega o sentido técnico da exclusividade conferida, porém ela não subsiste sem que sofra reparos da moderação, através da interpretação". (apud Freyesleben, 1993, p. 135)

No mesmo sentido, todavia, por outra faceta, assevera Lima:

Por outro lado, leis ordinárias especiais, recepcionadas pela nova ordem constitucional, admitem inquéritos conduzidos por outros órgãos que não a Polícia Judiciária, ou os substituem por elementos outros, a saber: na Lei de Falência (inquérito judicial), Lei de Imprensa (exige somente cópia do escrito ou a notificação à emissora), Lei 4.898 (basta a representação), crimes contra a Saúde Pública (inquéritos por autoridades administrativas alfandegárias), e no caso de detecção de prática de crimes em sindicâncias administrativas, cujas cópias deverão ser enviadas ao Ministério Público, para formação de opinio delicti, existindo ainda o inquérito civil, presidido pelo parquet, que v.g., em seu bojo apurar crimes contra o meio ambiente. (1997, p. 56)

Moreira (1992) informa da existência de outros inquéritos, como o judicial, parlamentar, administrativo, trabalhista, entre outros, mostrando, porém, que todos são posteriores ao inquérito policial e, por óbvio, nele inspirados.

Segundo Silva (1996), o inquérito policial tem por escopo a apuração dos fatos, suas circunstâncias e definir sua autoria, com vistas a servir de base à Ação Penal e às providências cautelares.

O Inquérito Policial surgiu em nossa legislação em 20 de setembro de 1871, pela Lei nº 2033, regulamentada pelo decreto-lei nº 2.824, de 28 de novembro de 1871. Está previsto no Código de Processo Penal de 1941, em seu artigo 4º, onde é claramente manifestado que o Órgão encarregado de sua realização é a Polícia Judiciária [2], que será exercida pelas Autoridades Policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.

A atividade perscrutória não é uma invenção da modernidade, uma vez que se tem notícia, que desde a remota antigüidade, já existia um processo perquiritório para apuração de delitos, suas circunstância e autoria.

A história registra, segundo o pontificador Coulanges, que "entre os antigos atenienses já se esboçava uma espécie de inquérito para apurar a probidade individual e familiar daqueles que eram eleitos magistrados, dez dos quais – chamados de estínomos – eram encarregados do serviço policial" (apud Mehmeri, 1992, p. 03)

No direito romano, também existia um procedimento investigatório para se apurarem as circunstâncias do crime e identificar e localizar os criminosos, salientando o eminente doutrinador Mehmeri (1992) que tratava-se de uma delegação de poderes feita pelo magistrado à própria vítima ou parentes, que se transformavam em acusadores.

Mais tarde, com a plena publicitação do jus puniendi, é que essa função passou a ser exclusiva de agentes públicos, formalmente revestidos de poderes legais. A partir daí, surgiu o reconhecimento, pelo Estado, que deveria existir um autocontrole, ou seja, limites ao poder de punir. Assim, passou a aceitar a aplicação de uma pena, somente depois de submetido o indiciado a um procedimento, mais ou menos formal, para apuração dos fatos. Como sentencia Mehmeri, (1992) era o amadurecimento da inquisitio.

Em 1882, uma comissão de juristas ilustres, encarregada de elaborar projeto de nova estrutura administrativa da Justiça, propõe, no artigo 18 do projeto, a abolição do Inquérito Policial, com a alegação de que tal peça gerava abuso de autoridade e dificultava mais ainda a defesa do indiciado.

Com a república, restaurou-se o Inquérito Policial, sem no entanto, na década de 30, sofrer, a peça policial, duro golpe, pois, iniciou-se uma campanha para a implantação do juizado de instrução, em substituição ao procedimento administrativo.

Todavia, com a promulgação do nosso Código de Processo Penal, através do decreto-lei nº 3.689, de 3.10.1941, mantém-se a peça policial, como se extrai da exposição de motivos do código instrumental

A justificativa para manutenção do Inquérito, na exposição de motivos do Código de Processo foi argumentada da seguinte maneira:

O preconizado juízo de instrução, que importaria limitar a função da autoridade policial a prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas, só é praticável sob a condição de que as distâncias dentro do seu território de jurisdição sejam fácil e rapidamente superáveis. Para atuar proficuamente em comarcas extensas, e posto que deva ser excluída a hipótese de criação de juizados de instrução em cada sede do distrito, seria preciso que o juiz instrutor possuísse o dom da ubiqüidade"....... "É ele (o inquérito policial) uma garantia contra apressados e errôneos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação oral causada pelo crime ou antes que seja possível uma exata visão de conjunto de fatos" (Código de Processo Penal, 2001, ed. Saraiva)

O projeto do CPP, de 1983, mantém o Inquérito Policial nos arts. 211 e seguintes, trazendo algumas inovações, como a criação de uma espécie de instância intermediária, conforme Mehmeri (1992), uma vez que proporciona um trabalho inquisitorial pelo parquet, que poderia inquirir o indiciado, vítima e testemunhas. Hodiernamente, tal concessão está alçada a nível constitucional, já que o Ministério Público, através da Lei Complementar n. 40 de 14.12.1981, possui tal prerrogativa.

Em consonância, doutrina o membro do parquet, Lima, "obviamente, não sendo a Polícia Judiciária detentora de exclusividade na apuração de infrações penais, deflui que nada obsta que o Ministério Público promova diretamente investigações próprias para elucidação de delitos". (1997, p. 84)

No mesmo sentido, consoante magistério de Mirabete, citando vários autores, "tem o Ministério legitimidade para proceder a investigações e diligências conforme determinarem as leis orgânicas estaduais" (apud Lima, 1997, p. 87)

Ainda, há falar nas hipóteses diversas, quando o inquérito policial é dispensado, como nos casos de representação direta ao Ministério Público, pelo ofendido ou pelo juiz, oportunidades em que o MP prescinde do inquérito para denunciar

Todavia, como assevera o doutrinador Mehmeri:

conclui-se que são diversas e peculiares as situações em que a ação penal pode ser deflagrada, seja através de denúncia, seja de queixa, sem que haja necessidade do inquérito policial. Mas em nenhuma hipótese ele é proibido, por isso que nada impede ao denunciante ou queixoso que recorra a ele, se sentir necessidade disso, para fortalecimento das peças acusatórias de convicção. Alguns ilustres doutrinadores chegam mesmo a considerar recomendável que assim se proceda. Outros, até mais exagerados, chegam a sugerir a imprescindibilidade da peça policial". (1992, p. 11)

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Corroborando esta citação, Morais, ostentando estatística, afirma que:

Um procedimento básico para a ação penal, pois, tratando-se de peça que carreira os elementos suficientes para a denúncia, não pode o Ministério Público dele prescindir para tal mister (embora alguns "doutrinadores", desavisados, procurem argumentar ao contrário, com exceções, quando a realidade jurídico-forense mostra que mais de 95% (noventa e cinco) dos processos criminais nasceram de inquéritos bem feitos, número que só veio a diminuir recentemente, com a Lei 9.099/95 (art. 77, § 1º). (3) (p. 259, 1999)

Na mesma linha:

Ademais, segundo as estatísticas, constatamos que 99,9% dos condenados pelo Poder Judiciário, em todo o Brasil, tiveram o início pela information delict, oferecida pelo inquérito Policial. A veracidade de tal assertiva poderá ser constatada em qualquer fórum do país. No texto legal observamos que o legislador sabiamente escreveu a palavra base e não, mero. (Bernardo e Santana, 1994, p. 86)

É de fácil percepção que o inquérito policial funciona como um filtro processual, o que lhe traz grande importância, livrando diversas pessoas de uma estigmatização social, um longo e árduo processo penal, como bem assevera Lopes júnior:

A função de filtro processual contra acusações infundadas incumbe, especialmente, à chamada fase intermediária, que serve como elo de ligação entre a investigação preliminar e o processo ou o não-processo. Sem embargo, esse é apenas um momento procedimental em que se realiza um juízo de valor, mais especificamente, de pré-admissibilidade da acusação, com base na atividade desenvolvida anteriormente e no material recolhido. É inegável que o êxito da fase intermediária depende inteiramente da atividade preliminar, de modo que transferimos a ela o verdadeiro papel de evitar as acusações infundadas. (2001, p. 46)

No mesmo sentido:

As finalidades do inquérito policial sob nosso prisma são três: preparatória, preservadora e acautelatória. É preparatória, quando colhe, através da investigação policial, os vestígios, indícios e as provas indiciarias apontando a autoria, e servindo de base à ação penal pública ou privada. É preservadora porque o inquérito preserva o cidadão contra acusações infundadas, protegendo o Poder Judiciário de possíveis erros ou falhas judiciais. É preservadora da "inocência e da justiça", no dizer do mestre em processo penal Joaquim Canuto Mendes de Almeida"

É mais fácil corrigir uma eventual falha no inquérito policial do que tentar sanar um erro judiciário, em razão da inquisitoriedade desse fito legal. Nas marchas e contra-marchas de uma investigação, com o intuito de apurar a verdade real, a autoridade policial e seus agentes muitas vezes tem que direcionar as diligências em outros sentidos. Evitando-se, com isso, o indiciamento prematuro de cidadãos inocentes que poderiam, se não fosse o inquérito policial, com seu caráter inquisitivo, ser levados à barras dos tribunais, causando-lhes constrangimentos irreparáveis, atentatórios à sua dignidade como pessoa humana.

Por outro lado, é uma das mais importantes formas de evitar o descrédito da justiça e os dissabores de um processo criminal infundado contra um cidadão inocente.

A terceira finalidade do inquérito policial é a função acautelatória. Diz respeito as prisões (Bernardo e Santana, 1994, ps. 87-88)

É possível, também, inferir que o inquérito é um procedimento antigo, passível, quiçá, de modificações, porém, indubitavelmente, perfeitamente cumpridor de sua missão, qual seja, de coletar e fornecer subsídios ao promotor, a fim de formar sua opnio delictis, isso, em sentido lato, vez que, estritamente, o inquérito policial, ao carrear provas, até mesmo as chamadas irrepetíveis ou irrenováveis, forma a convicção do promotor. Senão vejamos:

Aliás, encontramos alicerce de sustentação em nossa tese de que o procedimento investigatório preliminar não é mera ou comum peça informativa, mas sim, básica, pois no curso ou no final de uma investigação policial poderá a autoridade representar pela decretação da prisão preventiva do indiciado ao juiz competente. E a autoridade judiciária decidirá pela decretação ou não da referida prisão, tomando por base as fundamentações contidas no inquérito policial. (Bernardo e Santana, 1994, p. 87)

1.1 Características do Inquérito Policial

O Inquérito é um procedimento escrito, consoante artigo 9º do CPP, sigiloso, conforme artigo 20 do mesmo diploma legal, o que significa, no dizer de Mehmeri,

O processo do inquérito Policial deve ser relativamente secreto, para que a autoridade policial tenha a máxima liberdade para agir no desempenho das suas funções, o mais completo possível, e não veja a sua ação burlada pela publicidade e tolhida pela intervenção de estranhos (1992, p. 18);

Ainda é indisponível, como citam Silva e Duarte, "no caso do inquérito policial em que se apura crimes de ação pública, o Delegado de Polícia não pode deixar de instaurar o Inquérito Policial. Ou seja, ele não pode dispor do direito de fazer ou não fazer. Ele deve instaurar o Inquérito Policial". (1996, p.49)

Todavia, quiçá, sua maior crítica, é que o Inquérito é um procedimento eminentemente inquisitório, não admitindo-se falar em contraditório, ampla defesa e devido processo legal, pelo menos formalmente, apesar de existir, em seu curso, no intuito de melhor obter provas concretas, um simplório procedimento contraditório dialético, onde se colhe uma prova e, para melhor acusar o suspeito, faz-se esta espécie de contraditório dialético, bem como escreveu Tovo, em artigo intitulado o Inquérito Policial em sua verdadeira dimensão, "....Em suma, para efeitos incriminatórios, sempre que possível, a verdade há de ser buscada por confrontação dos opostos, ainda que na fase preparatória da ação penal". (p. 322)

Inicialmente, para poder posicionar-se a tal respeito, mister faz-se verificar, doutrinariamente, o que, efetivamente, são esses dispositivos.

Capez, referindo-se ao contraditório, pontifica que :

caracteriza-se como inquisitivo o procedimento em que as atividades persecutórias concentram-se nas mãos de uma única autoridade, a qual, por isso, prescinde, para a sua atuação, da provocação de quem quer que seja, podendo e devendo agir de ofício, empreendendo, com discricionariedade, as atividades necessárias ao esclarecimento do crime e da sua autoria. (1998, p. 69, 70)

A própria Constituição Federal, mantendo essa mesma linha de restrição, exclui o inquérito policial das peças contraditórias, tratadas no inc. LV do art. 5º. "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". (1998, p. 10)

Como se vê, o texto legal somente fala em acusados, e, apesar de alguns doutrinadores defenderem que a garantia é extensiva ao Inquérito, não há unanimidade, pois, na fase policial, somente se fala, inicialmente em suspeito, posteriormente em indiciado. Neste mesmo sentido, advoga Mehmeri,

A menção a acusados em geral exclui o indiciado, posto que no inquérito policial, como já se disse, não há ainda acusação, mas tão-só apuração dos indícios, daí ser o suspeito denominado indiciado, e não acusado. Esta última denominação ficou restrita ao uso nos processos contraditórios" (1992, p. 14).

Neste mesmo prisma, Bernardo e Santana pontificam que "Não podemos esquecer os ensinamentos de Birchmeyer, quando diz que na fase policial da persecutio criminis o réu é simples objeto de um procedimento administrativo, e não sujeito de um processo juridicionalmente garantido" (1994, p. 85)

No mesmo sentido, Bastos pontifica que:

Já sob a Constituição anterior não faltavam aqueles que consideravam extensíveis a esta modalidade de apuração policial os institutos do contraditório e da ampla defesa. Os melhores autores sempre estiveram contudo com a tese oposta.

Sendo o Inquérito Policial um meio de apuração, é muito cedo para que se possa falar em acusados. Aliás, a atividade investigadora sempre deverá partir de alguma pista ou de alguma suspeita. Sobre algumas pessoas mais que sobre outras, recairão as atenções policiais. Haverá por vezes necessidade de ouvir certas pessoas e não outras. Ora, esta mera aragem de suspeição que envolve determinadas pessoas, na fase do procedimento policial, não pode ensejar a utilização dos meios constitucionais de defesa, sob pena de inviabilizar-se a própria atividade policial. (1989, p. 268)

O Inquérito Policial reveste-se de caráter inquisitorial, eis que, a autoridade policial promove, por iniciativa própria ou mediante requisição, as investigações necessárias à elucidação do ilícito penal. Coligidos os primeiros elementos, procede a uma espécie de instrução preliminar, em que ouve as partes, as testemunhas e ainda determina, quando possível, vistorias, exames periciais, etc.

O doutrinador Mehmeri pontifica que:

essas medidas, de iniciativa da autoridade, além de serem expressamente orientadas pelo legislador, limitam-se a ser reunidas, reduzidas a escrito ou datilografadas e encaminhas à justiça como peça de base para deflagração da ação penal. Nega-se-lhe, destarte, o caráter de contraditório. Isso significa que ela não pode investir-se de peça de acusação, e, em conseqüência, não cabe aí qualquer defesa. (1992, p. 12)

No mesmo sentido, advoga Salles Júnior:

O inquérito policial é inquisitivo porque a autoridade comanda as investigações como melhor lhe aprouver. Não existe um rito preestabelecido para a elaboração do inquérito ou andamento das investigações. Estas têm seqüência dependendo das determinações da autoridade em face da necessidade de realização desta ou daquela diligência. O inquérito representa simples informação sobre o fato criminoso e também sobre a identidade do seu autor. Não se sujeita ao chamado princípio do contraditório, próprio do processo penal, em que se apresentam acusação e defesa. (1998, p. 6)

Em consonância, Lima pontifica que:

Não importa que se trate de inquérito policial ou outra investigação criminal, já que o procedimento investigatório sempre poderá se revestir de caráter sigiloso, inexistindo, na espécie, contraditório.

Entretanto, consoante José Antônio Paganella Bosch, ‘o sigilo do inquérito, no interesse público da descoberta do criminoso e da sua responsabilidade penal, não ofende ao princípio constitucional da ampla defesa.

Inexiste aqui restrição à defesa, vez que se trata somente de investigação, sendo que, mesmo na vigência da anterior Constituição, o contraditório era garantido a acusados e não indiciados. (1997, p. 78)

Confirmando esta posição, citamos esta jurisprudência:

A inaplicabilidade da garantia do contraditório ao procedimento de investigação policial tem sido reconhecida tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência dos Tribunais RT 522/396), cujo magistério tem acentuado que a garantia da ampla defesa traduz elemento essencial e exclusivo da persecução penal em juízo (STF, RT, 689:439)

Conclui-se, diante destas assertivas, que no momento em que ocorre um delito, nascendo aí, para o Estado, o jus puniendi, este mesmo ente abstrato, através do órgão competente, ou seja, a polícia, larga em desvantagem, pois necessita investigar e colher provas para materializar o delito e identificar sua autoria. Nada mais correto de que o procedimento inicial do processo seja inquisitório, servindo de sistema de freios e contrapesos, equilibrando a sociedade ao anti-social no transcorrer da persecutio criminis, bem como, colaborar na manutenção da "aparente" tranqüilidade social, vez que, através da presença da polícia repressiva nas ruas, ao, incontinenti, chegar nos locais de crime, estará operando a prevenção geral ou controle social.

Para Zaffaroni e Pierangeli, "o controle social se exerce, pois, através da família, da educação, da medicina, da religião, dos partidos políticos, dos meios de massa, da atividade artística, da investigação científica". (1999, p. 61)

Por outro lado, como bem demonstrado, através das citações, alvo está que, em sendo inquisitivo o inquérito, em nada afeta as garantias processuais constitucionais e nem qualquer direito fundamental do ser humano.

1.2Princípios Constitucionais

1.2.1 O devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa

O Inquérito Policial, apesar de ser considerado integrante de uma fase extraprocessual, não deixa de seguir ritos estabelecidos pela Constituição, como o princípio da legalidade, inscrito no artigo 5º, II [4], e tantos outros, positivados, também no Código Instrumental, todavia, não há falar em devido processo legal no inquérito, justamente por ser um procedimento inquisitivo e ainda não existir um efetivo processo penal.

Tais garantias, insculpidas no artigo 5º, LIV [5] e LV [6] da Carta política, são, por alguns doutrinadores, tratadas em conjunto, procedimento que será seguido neste trabalho, para fins didáticos.

Apesar de estarem colocados juntos no imperativo constitucional (art. 5º LV da CF), os doutrinadores classificam separadamente a ampla defesa e o contraditório, sendo este a oportunidade de dar ciência, oportunizar que uma parte contradicte a outra em todos os atos processuais. Bastos leciona que:

O contraditório, por sua vez, se insere dentro da ampla defesa. O contraditório é pois a exteriorização da própria defesa. A todo ato produzido caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou ainda de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor. (1989, p.267)

Marques, comentando as novas garantias processuais constitucionais, dá a justa medida destas inovações. Diz ele:

Todavia, malgrado todas essas reformas em que o direito de defesa acabou bastante reforçado na fase preparatória e instrutória (basta dizer que o defensor do réu pode assistir a diversos atos da instrução), a instrução preliminar continua predominantemente inquisitiva, visto que nem mesmo na "instrução formal" existe o contraditório" (apud Bastos, 1989, p. 261).

O Princípio do Ampla Defesa traduz-se, então, na necessidade de se dar às partes a possibilidade de exporem suas razões e requererem a produção das provas que julgarem importantes para a solução do caso penal, em suma, é a bilateralidade das controversas processuais. Melo advoga que

Por ampla defesa deve-se entender o asseguramento que é feito ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade. É por isso que ela assume múltiplas direções, ora se traduzirá na inquirição de testemunhas, ora na designação de um defensor dativo, não importando, assim, as diversas modalidades, em um primeiro momento. Por ora basta salientar o direito em pauta como um instrumento assegurador de que o processo não se converterá em uma luta desigual em que ao autor cabe a escolha do momento e das armas para travá-la e ao réu só cabe timidamente esboçar negativas. (apud Bastos, 1989, p. 266)

Já, Bernardo e Santana (1994), asseveram que faculta a Lei à Autoridade Policial, agir com certo arbítrio, e não com arbitrariedade, isto é, com poderes discricionários.

Os mesmos doutrinadores afirmam:

Diante disso, a autoridade policial, com ânimo de neutralidade, eqüidistante das partes envolvidas na ocorrência policial, apreciará os fatos narrados, formando a sua convicção jurídica, se o fato adequa-se à norma penal, se estão presentes os requisitos Constitucionais e processuais à prisão em flagrante.

A autoridade policial diligente primará, quando da apresentação de um indivíduo preso em flagrante, pela observância, se a prisão não ocorreu de forma ilegal, irregular, arbitrária, sob coação psicológica ou física (com abuso de autoridade).

Dentro do poder discricionário da autoridade policial, esta algumas vezes, não encontrando elementos de prova indiciaria, deixará de indiciar, remetendo ao poder Judiciário o inquérito policial nos termos da lei.

Em assim agindo, a autoridade policial estará assegurando a cidadania contra arbitrariedades e constrangimentos. (Bernardo e Santana, 1994, p. 103)

O devido Processo Legal, assegurado na Constituição, no artigo 5º, inciso LIV, assegura a todos o benefício de somente ser processado de forma justa, embasado na lei, a qual disciplina todos os atos processuais, dando maior segurança ao acusado. Como bem ensina Moraes:

O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito a defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal). (1997, p. 100)

O doutrinador Pinto, em artigo escrito à revista IBCCrim, ao afirmar que a Polícia Judiciária tem por objetivo a busca da verdade real, advoga que,

Tal busca não pode estar obstaculizada, sendo uma rocha a contrapor a investigação, dentre outras, a implantação, na forma vista no processo judicial, do contraditório e da ampla defesa na fase inicial da persecutio criminis. O inquisitivo há de predominar nesse primeiro momento (1999, p. 255)

Na mesma linha, abstrai-se de uma publicação de Dotti:

A tentativa de transformar a investigação policial em instrumento que atendesse também a garantia constitucional do contraditório, desnaturou a função essencial do inquérito e trouxe conseqüências altamente negativas para a administração da justiça. O exemplo marcante desse desvio se contém na Lei n. 4.611, de 2 de abril de 1965. (Dotti, p. 132)

Continua o autor, "a experiência com esse tipo de inquérito, portanto, revelou-se frustrante quanto aos pretendidos resultados de agilização e eficiência da justiça penal nos ilícitos de circulação" (ibidem, p. 133)

Portanto, como se depreende destes excertos, o inquérito policial não infringe norma constitucional da ampla defesa, haja vista, dirigir-se esta ao processo judicial.

1.2.2 Presunção de inocência

A presunção de inocência, estampada pelo inciso LVII do artigo 5º, ao afirmar que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, dita como regra, de suma importância, que toda pessoa é considerada inocente deste a investigação policial até o final de um processo, quando então, somente será considerado culpado e responsabilizado, caso uma sentença o determine.

Já há muitos anos, ainda em época de absolutismo, Beccaria posicionava-se a respeito, escrevendo que:

Um homem não pode ser chamado culpado antes da sentença do juiz, e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi outorgada. Qual é, pois, o direito, senão o da força, que dá ao juiz o poder de aplicar pena ao cidadão, enquanto existe dúvida sobre sua culpabilidade ou inocência? (1997, p. 61)

A questão da presunção da inocência, obviamente é extensiva ao procedimento policial, paradoxalmente ao contraditório e a ampla defesa, que são inexistentes no Inquérito, mas, neste sentido, advoga Canotilho:

Chama a atenção para o fato de que o rigorismo de interpretação levaria à concussão da própria inviabilidade da antecipação de medidas de investigação e cautelares (inconstitucionalizando a instrução criminal) e à proibição de suspeitas sobre a culpabilidade". (apud Bastos, 1989, p. 277)

Todavia, investigar, ou até mesmo processar uma pessoa, não significa afrontar a este princípio, como indica o magistério de Bastos:

De fato, embora alguém só possa ser tido por culpado ao cabo de um processo com este propósito, o fato é que, para que o poder investigatório do Estado se exerça, é necessário que ela recaia mais acentuadamente sobre certas pessoas, vale dizer: sobre aquelas que vão mostrando seu envolvimento com o fato apurado" (1989, p. 277)

No mesmo sentido, pontifica Moraes, "Dessa forma, há necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos ao total arbítrio estatal. (1997, pg. 107)

Como bem demonstra Bastos, embora alguém só possa ser considerado culpado no momento em que transitar em julgado um sentença penal condenatória, o fato é que, para que o poder investigatório do Estado se exerça, faz-se mister que se atue de maneira mais saliente sobre certas pessoas, a medida em que vão sendo envolvidas pela própria investigação.

Daí surge uma suspeição que obviamente não pode ser ilidida por medida judicial requerida pelo suspeito, com fundamento na sua presunção de inocência. Esta não pode, portanto, impedir que o Poder Público cumpra a sua tarefa, qual seja: a de investigar, desvendar o ocorrido, identificar o culpado e formalizar esta acusação.

1.2.3 Prisão

Os incisos LXI [7] e LXII [8] trata da questão da prisão, admitindo somente a prisão em flagrante [9] ou por ordem escrita da autoridade, que é o Juiz.

Como ensina Bastos:

O texto constitucional anterior falava tão-somente em autoridade para referir-se ao agente capaz de ordenar a prisão. O texto atual deixa claro que a autoridade há de ser a judiciária. Ficam excluídas, portanto, as prisões para averiguações. É dizer, aquela modalidade de constrição física consistente em ser o mero suspeito levado à delegacia, lá permanecendo preso até que as autoridade policiais levem a cabo a formação da sua convicção. Esta modalidade de prisão está excluída do nosso direito (1989, p. 291/192)

Existe a prisão legítima, sem dúvida. Fundamenta-a muito bem Ferreira Filho:

A sociedade, todavia, para se defender precisa cercar a liberdade física dos que atentam contra as normas essenciais de convivência, prendendo-os. Para atender a essa necessidade cumpre não desvestir o indivíduo de sua segurança. Por isso a prisão somente há de caber em duas hipóteses: a do flagrante delito e a da ordem de autoridade (apud Bastos e Martins, 1988/89, p. 603).

Em consonância:

Explica-se: é uma necessidade. Ou, como dizia Flamand, é um mal necessário. Não se trata de medida arbitrária, mas "que atende ao impulso natural do homem de bem, em prol da segurança e da ordem". Basileu Garcia preleciona que, permitindo a lei se detenha o criminoso no momento em que delinqüi ou acaba de fazê-lo, o Direito sanciona e legitima um impulso natural e necessário de defesa da coletividade, determinado pelo sentimento de repulsa ao procedimento violador das normas de coexistência social. (1997, p. 421)

Em que pese o artigo 301 do Código de Processo Penal Brasileiro autorizar a execução da prisão em flagrante, por qualquer do povo, o que, comumente ocorre, são as prisões efetuadas pelas polícias.

Sob o mesmo ângulo, discorre Costa ao asseverar que:

A Polícia é, indubitavelmente, um dos órgãos pelos quais o Estado exterioriza o poder. É o único setor da Administração Pública autorizado pelo ordenamento jurídico a utilizar a força. (........) O monopólio da força também está com a Polícia, que executa ações determinadas pelo Poder Judiciário, único poder qualificado para determinar, em concreto, constrangimento a alguém. ( 1999, p. 213)

Em consonância com o exposto, a constituição outorga duas espécies, a prisão em flagrante, lavrada pela autoridade Policial e homologada pelo Juiz e a prisão por determinação judicial. Em nada, contrapõe-se o inquérito, uma vez que a prisão em que a Polícia mais pratica atos "processuais" é a do flagrante, permitida constitucionalmente, e a judicial, somente, adstringe-se a cumprir ordem da autoridade competente.

Toda a prisão deverá ser comunicada ao juiz e aos familiares, preceito positivado na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXV [10], amplamente utilizado no inquérito Policial, o qual, sempre que ocorre uma prisão em flagrante, além de remessa dos autos ao juiz, demonstrando a consecução das formalidades legais, e somente assim há a homologação, ainda, em prazo estipulado no Código de Processo Penal, é o procedimento remetido ao Poder Judiciário. Toda forma de constrição da liberdade física há de ser comunicada ao juiz competente. Este é quem verificará se a prisão ou detenção foi regularmente realizada. É obvio que se tiver ocorrido alguma ilegalidade, o magistrado deverá relaxar a prisão imediatamente. É uma questão estritamente Constitucional, uma vez que o inciso LXV, estipula exatamente esse procedimento.

Senão vejamos

Ao juiz cabe determinar a soltura daquele que, de qualquer forma, for ilegalmente preso. A prisão, aqui compreende tanto a reclusão quanto a detenção. O que cumpre examinar é quando a prisão é ilegal. A resposta vem dada pelos arts. 674 e s. do Código de Processo Penal, que disciplinam os requisitos que devem ser atendidos para a efetuação da prisão (Bastos, 1989, p. 296).

Toda forma de constrição da liberdade física há de ser comunicada ao juiz competente. Este é o que verificará se a prisão ou detenção foi regularmente realizada. É obvio que se tiver havido alguma ilegalidade o magistrado deverá relaxá-la imediatamente.

1.2.4 Defesa negativa

O inciso LXIII [11] do artigo 5º da Constituição Federal autoriza que o preso permaneça calado. Tal direito constitui-se na chamada autodefesa negativa, preconizada por Lopes Júnior

O direito de calar também estipula um novo dever para a autoridade policial ou judicial que realiza o interrogatório: o de advertir o sujeito passivo de que não está obrigado a responder as perguntas que lhe forem feitas. Se calar constitui um direito do imputado e ele tem de ser informado do alcance de suas garantias, passa existir o correspondente dever do órgão estatal a que assim o informe, sob pena de nulidade do ato por violação de uma garantia constitucional. (2001, p. 319)

No mesmo sentido, doutrina Bastos que "O interrogatório do réu constitui, como mais adiante se verificará, só eventualmente meio de prova, erigindo-se ao nível de meio de defesa, sendo, destarte, perfeitamente lícito ao acusado valer-se do direito ao silêncio". (1989, p. 295)

O inciso LXIII, faculta ao preso, ficar calado, ser assistido por um advogado e familiares, preceito amplamente assente no inquérito, uma vez que é invalido o flagrante lavrado sem a presença de advogado e caso, a família deixar de ser comunicada, provavelmente, serão nulo os atos, e o preso, por determinação judicial, certamente será solto.

Advoga Bastos:

O único prejuízo que do silêncio pode advir ao réu é o de não utilizar a faculdade de autodefesa que se lhe abre através do interrogatório. Mas quanto ao uso desta faculdade, o único arbítrio deve ser sua consciência, cuja liberdade há de ser garantida em um dos momentos mais dramáticos para a vida de um homem e mais delicado para a tutela de sua dignidade" (1989, p. 296)

Obviamente que a peça policial respeita tal garantia, até porque, é assente na doutrina que a confissão trata-se apenas de uma prova de valor relativo, devendo, portanto, os investigadores fulcrarem seus trabalhos na obtenção da prova material, deixando, para segundo plano, o depoimento do suspeito.

1.2.5 A identificação dos responsáveis pela realização da prisão e do interrogatório

Pelo inciso LXIV [12], o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório Policial.

Trata-se de dispositivo com o propósito claro de facilitar ao preso meios para uma eventual responsabilização por abuso de poder dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial. Pontifica Bastos que:

A redação do texto admite duas modalidades. Uma consistiria no direito de requerer à autoridade superior a revelação dos nomes dos agentes responsáveis pelos atos referidos, mas muitas vezes o abuso não parte da autoridade superior. Essa mesma poderá estar mal informada. A identificação ganharia um outro significado: tratar-se-ia do direito do preso ver exibidos os agentes possíveis da prática do ato para que ele próprio identificasse visualmente o responsável. Aliás, uma modalidade não exclui a outra. Mas a conveniência de uma lei para resolver de antemão a dúvida seria, inequivocamente, de grande valia. (1989, p. 298 e 299).

Salles Júnior, em sua obra, advoga que:

Especificamente, no ato do interrogatório policial, tem o preso direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório (LXIV). É evidente que a norma constitucional dirige-se a prevenir prisões arbitrárias, bem como interrogatórios com emprego de métodos condenáveis, como a tortura. Em última análise, fica garantida a identificação daquele que procedeu ao interrogatório ou à prisão, para o caso de eventual apuração de ilícito nessa prática. (1998, p. 61)

Como o próprio preceito já estipula, ao falar em interrogatório policial, esta imposição deverá ser observada na confecção de um flagrante e/ou do próprio inquérito, fato, quotidianamente, empregado nas Delegacias de Polícia. Inobstante, toda pessoa chamada a depor num órgão Policial, além de receber uma intimação com o nome do servidor, ainda, nos termos de declarações, sempre consta o nome do responsável pelo interrogatório.

Como vislumbra-se do exposto, não há qualquer hipótese legal, em que a peça policial viole esta garantia.

1.2.6 O princípio da reserva legal

Outra importante garantia constitucional, estampada em nossa Carta magna é o princípio da legalidade ou da anterioridade penal, previsto no artigo 5º, inciso II, bem como no artigo 1º do Código Penal Brasileiro [13].

Tem por escopo, dar garantia a todo homem, uma vez que, somente deverá fazer ou deixar de fazer algo, em virtude de lei anterior e, em hipótese alguma, ao cometer qualquer fato, ser, neste momento, criada uma lei para punir tal pessoa, nullum crimen, nulla poena sine praevia lege.

Nesse sentido, pontifica Delmanto:

Do enunciado do artigo 1º do Código Penal resultam duas regras fundamentais: 1. Da reserva legal (ou legalidade). Somente a lei, elaborada na forma que a Constituição permite, pode determinar o que é crime e indicar a pena cabível. Deve, portanto, ser lei federal, oriunda do Congresso Nacional. 2. Da anterioridade. Para que qualquer fato possa ser considerado crime, é indispensável que a vigência da lei que o define como tal seja anterior ao próprio fato. Por sua vez, a pena cabível deve ter sido cominada (prevista) também anteriormente (2000, p. 4)

Como pontifica Sznick, "(...)Ou seja, pelo princípio da anterioridade a lei baliza o comportamento do cidadão mesmo antes de este se verificar, traçando normas e balizando a sua conduta. A conduta está, portanto, prevista, predeterminada pelo legislador antes mesmo de sua ocorrência" (1993, p. 19)

Corroborando os doutrinadores, interessante a citação de Jurisprudência oriunda do Tribunal de São Paulo.

Fora dos termos formais da lei inexiste crime, pois não se pode concluir, por indução, pela existência de alguma figura penal, sem que a lei a defina expressamente. (TACrSP, Julgados 87/244)

Para que não haja dúvidas quanto a aplicação do princípio em epígrafe, mister é que as leis sejam bem elaboradas, gerando o mínimo possível de margem para exegeses.

Ainda sobre o princípio da anterioridade advoga Sznick que:

Consagra a nova Constituição – a exemplo das anteriores e dentro da tradição brasileira – o princípio da reserva legal, ou ainda, da legalidade que, a nosso ver, nada mais é do que o princípio da anterioridade penal. Reza a Constituição Federal: "Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia criminação legal. (1993, p. 39).

Assim, não há a menor possibilidade do inquérito policial colidir com este pressuposto constitucional, até, pode-se afirmar, muito pelo contrário, o procedimento administrativo não tem o condão de "criar uma lei" e, caso ocorra algo semelhante, evidentemente, estaremos diante de uma arbitrariedade.

A sua abrangência é bastante lata, pois do termo legalidade deflui, desde logo, o fato de a lei preexistir ao comportamento criminoso do indivíduo, e o Inquérito só é instaurado em virtude de ter ocorrido um burlamento à lei, ou seja, segue as determinações impostas pelo legislador.

Pelo princípio da anterioridade a lei baliza o comportamento do cidadão mesmo antes dele se verificar, traçando normas e balizando a sua conduta. A conduta está, portanto, prevista, predeterminada pelo legislador antes mesmo de sua ocorrência.

Mas, por outro lado, o princípio da legalidade prevê o primado da lei em relação às demais fontes e dá primazia, em matéria penal, à lei.

Neste sentido,

É a taxatividade – que, por brevidade, chamaremos pelo clássico nome de princípio da tipicidade – mas que – ao lado de prever em uma fórmula legal a conduta do agente, necessita ter clareza jurídica, ou seja, o princípio da legalidade só pode ser atendido se as normas tiverem clareza, isto é, não contiverem cláusulas genéricas, abrangentes e não devidamente descritivas de condutas criminais (Sznick, 1993, p. 19).

Consagra a nossa Constituição [14], a exemplo das anteriores, e dentro da tradição brasileira, o princípio da reserva legal, ou ainda, da legalidade que, a nosso ver, nada mais é do que o princípio da anterioridade penal.

Dentro desse princípio surge clara, desde logo, uma conclusão: a lei é a única fonte de direito penal. Tem ela precedência sobre as demais, como o costume, a analogia, os princípios gerais do direito, que são inadmissíveis, a não ser favoráveis ao réu.

Advoga Sznick

Do princípio genérico – da legalidade -, defluem o sine praevia lege, da anterioridade; sine lege scripta, ou seja, o primado da lei, o da reserva legal; sine lege stricta, o primeiro consectário é o princípio da taxatividade ou da tipicidade e o outro mais recente, é o princípio da certeza e claridade jurídica, um derivado do princípio da taxatividade.. (1993, p. 24 e 25).

Faz-se mister observar que, como ensina Sznick (1993) a reserva legal não se trata só da lei, mas para maior garantia da lei escrita. É o primado da lei. Tendo a lei um primado em relação às demais fontes, decorre, portanto, como um consectário lógico, a vedação, de um lado, ao costume (mesmo como fonte histórica) e, de outro, à analogia (permitida em bonan part).

A reserva de lei atribui a função de editar lei só ao Legislativo. Exclui, pois, qualquer outra fonte que não a lei.

O Inquérito Policial baseia-se, sem sombra de dúvidas, nos princípios acima expostos, ou seja, na legalidade e na reserva legal, que englobam os demais. Não é cabível e até diria, inimaginável, a Polícia confeccionar um procedimento sem que tenha ocorrido um fato que atinja um imperativo legal, os quais, necessariamente, devem estar tipificados no Código Penal ou nas leis esparsas.

Entendemos que o sistema investigativo vigente, não atentando contra os consagrados princípios constitucionais, ao contrário do que afirmam os críticos, é um bom mecanismo colocado a serviço da perseguição penal, obviamente, necessita ajustes, como adiante comentaremos.

Neste sentido, destaca Moraes:

Na sistemática do Direito Brasileiro, sem a Polícia Judiciária realizando os inquéritos, raríssimas seriam as ocasiões em que os infratores penais prestariam contas à justiça criminal. (está referindo-se as ponderações descritas na exposição de motivos do CPP, com a extensão do território, dificuldades de acesso, etc.) (apud, Mehmeri, 1992, p. 20).

1.2.7.O habeas corpus

Introduzido no Brasil por Dom João VI, em 1821, portanto, aproximadamente cinqüenta anos antes do inquérito, erigindo-se a garantia constitucional em 1891.

Atualmente, constitucionalizado no inciso LXVIII [15], do artigo 5º, de nossa Carta Política, utilizado sempre que houver e se estiver na eminência de algum tipo de cerceamento ilegal da liberdade.

O texto Constitucional não especifica quem pode requerer o habeas corpus. Assim sendo, andou bem a legislação infraconstitucional ao dar uma amplitude quase absoluta ao tema, na dicção do artigo 654 [16] do Código de Processo Penal.

Em conseqüência, pode requerer a medida o próprio paciente ou qualquer pessoa mesmo destituída de capacidade postulatória. Destarte, não importa se nacional ou estrangeira, física ou jurídica, em seu próprio nome ou no de outrem, qualquer um pode impetrar medida de habeas corpus.

A jurisprudência confirma a aplicabilidade do writ, no inquérito, senão vejamos:

Constrangimento ilegal – inocorrência – paciente intimado a depor em inquérito policial – pretendia ausência de justa causa para a instauração do mesmo – inadmissibilidade – Decisão que denega habeas corpus mantida – Inteligência do art. 648, n. I, do Código de Processo penal. A intimação para o inquérito policial não constitui constrangimento ilegal (RT, 424:364).

Constrangimento ilegal – Inexistência – Acusado que se recusa a comparecer à Polícia e prestar declarações em inquérito contra si instaurado – Ameaça de condução coercitiva – Admissibilidade – habeas corpus cassado. No poder legal dos delegados de polícia, iniludivelmente se encontra o de interrogar pessoa indiciada em inquérito, para tanto podendo mandá-lo conduzir à sua presença, caso considere indispensável o ato e o interessado se recuse a comparecer (RT, 482:357).

Vislumbra-se, portanto, que o Habeas Corpus é pacificamente aplicado ao Inquérito, obviamente, por concessão do Juiz, sempre que estiver na eminência ou ocorrer cerceamento, à liberdade, injustamente, de qualquer cidadão, ou seja "defende-a na sua liberdade de locomover-se em razão de violência ou coação ilegal" (Bastos, 1989, p. 312). O remédio é perfeitamente aplicável para trancar inquéritos sem justa causa, consoante, doutrina e jurisprudência acima exposta.

Sobre o autor
João Alexandre Netto Bittencourt

Funcionário Público Estadual, bel. em direito, pesquisador e elaborando projeto para mestrado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BITTENCOURT, João Alexandre Netto. Investigação preliminar:: Polícia Judiciária ou Ministério Público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 557, 15 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6188. Acesso em: 27 dez. 2024.

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