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As terminologias do narcotráfico

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Agenda 04/12/2017 às 13:00

AS DIVERSAS TERMINOLOGIAS JURÍDICAS DO NARCOTRÁFICO

No capítulo anterior, quando vimos algumas terminologias utilizadas no estudo da temática do tráfico ilícito de drogas, verificamos que os regimentos, ou seja, as leis que criminalizam a conduta do comércio de drogas também denominaram as substâncias proscritas de substantivos diferentes ao longo da história.

Como já dito, a primeira proibição brasileira para o uso da maconha foi em um código de posturas que previa na redação da referida lei a descrição “pito de pango”, ou seja, proíbe-se o pito (fumo) que se usa no “pango” (cachimbos de barro), que era, a saber, a maconha. Aqui há um dado importante, vez que, nem no momento histórico em que o legislador detinha tamanha facilidade para legislar (escrever leis), vez que ele só tinha uma substância para proibir o uso, e nem nessa vez, conseguiu ser objetivo e escrever diretamente a substância “maconha”.

Certa feita, uma equipe de investigadores da Polícia Civil recebeu Ordem de Serviço para investigar e apurar determinado fato criminoso, tal seja: policiais militares realizavam patrulhamento em uma via pública quando avistaram um indivíduo segurando uma sacola, este mudou seu comportamento ao avistar a viatura policial, demonstrando nervosismo.

Os milicianos continuaram o patrulhamento rumando ao referido indivíduo, o qual, em um ato de valentia criminosa, evadiu-se por dentro de um beco até não ser mais visto pelos policiais, deixando para trás a sacola plástica contendo diversos papelotes com substâncias brancas de características e texturas semelhantes à cocaína, e cerca de R$130,00 (cento e trinta reais). Também deixou para trás, sua carteira de identidade, sendo identificado pelos policiais através da fotografia no referido documento.

Diante das diversas terminologias que verificamos no capítulo anterior, realmente se nota uma dificuldade em manter um discurso objetivo quanto à representação gráfica das substâncias que o Estado queria proibir ou controlar a venda e o uso.

  No caso do indivíduo que evadiu da abordagem policial, a equipe realizou primeiramente uma análise do panorama, ou seja, verificaram se o local onde o indivíduo seria abordado, era ou não um ponto de venda de drogas conhecido socialmente.

Assim, os investigadores conseguiram aquilatar informações relevantes para indicar o local como ponto de venda amplamente conhecido, isto porque, entrevistaram moradores do logradouro que foram categóricos em afirmar que já não aguentavam mais a tamanha insegurança que sentiam ao ter tão próximo um ponto de venda de drogas frequentado por “pessoas estranhas”.

Também adicionaram à investigação algumas ocorrências policiais que indicavam prisões de traficantes de drogas no mesmo local de onde o nacional evadiu, e cumpriram uma importante etapa da investigação do tráfico varejista.

Quando o Brasil ainda era império, vigeu o Código Penal do Império, o qual previa em sua norma do artigo 200 o tipo penal de fornecer “drogas” para o aborto. Em um regulamento da Junta de Higiene Pública datado de 1851, encontramos a menção às “substâncias venenosas”. Em 1919, encontramos a menção “ópio e outras substâncias perigosas” quando da criação na Liga das Nações do Comitê Consultivo sobre o Tráfico de Ópio e Outras Substâncias Perigosas. Em 1925 encontramos a menção “drogas nocivas”, quando da Convenção Internacional de 1925 sobre Drogas Nocivas. Em 1932, na Consolidação das Leis Penais, o termo usado foi “substâncias entorpecentes”, expressão também usada em 1940 quando da edição do Código Penal Brasileiro.

Em 1971, a Lei n.º 5.726 de 29 de outubro, teve como ementa o seguinte texto: “Dispõe sobre medidas preventivas e repressivas ao tráfico e uso de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica e dá outras providências”. (grifo nosso) (BRASIL, 2017)

Em 1976, a Lei 6.368 de 21 de outubro, teve como ementa o seguinte texto: “Dispõe sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica, e dá outras providências”. (grifo nosso) (BRASIL, 2017)

Por fim, em 2006, a Lei 11.343 de 23 de agosto, teve a seguinte ementa:

Institui o Sistema Nacional de Polícias sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. (BRASIL, 2017)

Conforme exposição acima, vemos que vez a lei chamou de substâncias venenosas, outrora a lei chamou de substâncias entorpecentes, e em 2006 a lei chamou de drogas.

De volta ao caso da investigação citado alhures, os investigadores realizaram novos levantamentos sobre a pessoa que evadiu da abordagem policial, mas identificado por conta de sua carteira de identidade. O indivíduo já havia sido preso por tráfico ilícito de drogas em duas oportunidades, sendo que em ambas estava realizando o tráfico varejista, ou seja, em pontos de venda de drogas. Neste pé, além das informações que os policiais militares já haviam registrado, os investigadores de polícia arregimentaram informações referentes ao passado policial do investigado, bem como sobre o ponto (localização geográfica) onde ocorreu o crime investigado.

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Entretanto, um ponto chamou a atenção da equipe de investigação, o endereço do indivíduo investigado era em um bairro da regional Pampulha, situada na capital Belo Horizonte, mas o local onde ocorreu a tentativa de abordagem era em uma via pública na Pedreira Padre Lopes, outro bairro muito conhecido por policiais de Belo Horizonte como possuidor de diversos pontos de venda de drogas. Analisando as prisões anteriores do investigado, notaram que estas ocorreram no bairro onde ele residia, faltando, então, aos investigadores, o entendimento desta circunstância, ou seja, porque o “traficante” teria saído de seu local (onde costumeiramente vendia drogas) e teria ido para bairro um pouco distante?

A equipe fez enésimas ilações lógicas. Teria o investigado feito amizades com integrantes de outro magote do tráfico e teria migrado para outra região? Teria o investigado mudado de bairro com sua família: Teria ele parentes nesta outra região? Mil diligências necessárias para “arredondar”, tornar cristalina, a investigação.

Em que pese o hercúleo trabalho da equipe, a resposta às inquietudes dos bons investigadores, é suprimida com o conhecimento que este artigo propõe, a criação de um raciocínio lógico. Veremos.

Como vimos, as concepções semânticas que as instituições policiais, os órgãos do Estado, a ciência, as leis, deram para as substâncias que são controladas (ou proscritas), variam de forma a levar aos sujeitos aplicadores da lei, defensores dela, no caso de policiais, a um confuso caminho.

Mas a Lei 11343, já referenciada, grafou em seu artigo 66, um norte geográfico sem desvio de bússola, porque, segundo esta norma, não importa qual o nome genérico irá se atrelar ao conjunto das substâncias, vez que se delimitou como drogas as substâncias controladas pela referida lei, ou seja, o conjunto das substancias proibidas/controladas é denominado drogas, e as espécies deste conjunto são descritas por uma Portaria (espécie de lei em sentido amplo) do Ministério da Saúde.

Art. 66.  Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1o desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS no 344, de 12 de maio de 1998. (BRASIL, 2017)

Quando a equipe colecionava as informações da investigação que haviam progredido, tiveram acesso ao laudo pericial advindo da seção de perícias criminais, sendo que o respectivo laudo descrevia que as substâncias apreendidas pelos militares, não se tratavam de cocaína, mas, sim, de talco. Ora, os investigadores detinham, neste momento, o seguinte panorama: um indivíduo estava em um ponto de venda de drogas, assustou ao ver a equipe policial, evadiu e deixou para trás sua identificação, papelotes endolados e prontos para a venda, e dinheiro.

Este indivíduo não residia no bairro e já detinha outras passagens policiais por tráfico. O único fato que não se encaixava era o porquê ele estava vendendo suas substâncias tão longe de casa, mas acabou sendo explicado pelo resultado do laudo, vez que talco não é droga. E porque não é droga? Porque não está na lista das substâncias que tem a Portaria 344, e somente as substâncias que estão nesta lista são consideradas drogas, conforme o artigo 66 da Lei 11343/06.

Concluíram a investigação com os elementos acima, os quais indicam que o vendedor fujão, estava, em termos esdrúxulos, vendendo gato por lebre, ou seja, talco por cocaína, induzindo os usuários a erro. Estava longe de casa, pois sua farsa não poderia durar muito, e ele devia estar longe de lá antes que um dos compradores voltasse para reivindicar os seus direitos de consumidor.

Assim, temos que a lei proíbe determinadas condutas como portar, trazer consigo, expor à venda, vender, ceder, drogas em desacordo com autorização legal. Para entender a proibição acima, é necessário se valer de uma lista que vai nos dar a relação de quais substâncias serão consideradas drogas. Essa relação de substâncias vem em listas da Portaria n.º 344, de 12 de maio de 1988, a qual regulamenta as substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial.

Após avançarmos na nossa investigação literária, vamos analisar alguns casos policiais reais. Uma equipe de investigadores recebeu em uma Delegacia de Polícia um homem que lá aportou para denunciar seu vizinho, o qual foi visto entrando no interior de sua casa com duas sacolas contendo substâncias brancas, acreditando, o denunciante, que se tratavam de sacolas de cocaína.

A equipe realizou levantamentos que acabaram por revelar que o indivíduo que entrou com as sacolas em seu lar se tratava de um traficante conhecido pela polícia, visto já ter sido preso outras vezes por tráfico de cocaína. Os levantamentos também apontaram que este indivíduo não estava trabalhando, e que utilizava um veículo do ano para se locomover, chamando a atenção dos vizinhos. Após a representação por mandado de busca e apreensão domiciliar, foi localizado, arrecadado e apreendido na residência deste indivíduo 5 quilos de ácido bórico.

No exemplo acima, não se trata de localização e apreensão de drogas, vez que, ácido bórico (ácido ortobórico) não consta nas listas da Portaria n.º 344 de 1998 do Ministério da Saúde. Entretanto, a conduta pode se enquadrar no Art. 33, §1 da Lei 11343/06, vez que este tipo penal tipifica a conduta de posse, guarda, venda, entre outros verbos, de substância que seja matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas. Mas o que temos de entendimento necessário neste caso é o de que não se trata de drogas, ou seja, ácido bórico não é droga para a lei.

Outro caso ocorrido junto ao DENARC/MG versou sobre grande operação policial, na qual os policiais civis cumpriram simultaneamente cerca de 40 mandados de busca e apreensão domiciliar, no intuito de desarticular uma organização criminosa que realizava a venda de anabolizantes através de aplicativos de celulares, pela rede mundial de computadores e com entrega pelos Correios. Em uma das residências em que foi cumprida as buscas foram encontrados 100 frascos de acetato de trembolona produzidos no Paraguai.

Novamente, temos que fazer a pesquisa junto à Portaria 344 de 1998 do Ministério da Saúde, e ao fazermos, verificamos que acetato de trembolona não consta na lista C5, a qual enumera substâncias anabolizantes consideradas como droga para efeitos da Lei 11343/06.

Entretanto, vislumbra-se que o comércio desta substância de maneira clandestina ainda é crime, não de tráfico ilícito de drogas, mas, sim, de Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, previsto no Art. 273 do Código Penal Brasileiro, pois esse medicamento é produzido não é produzido dentro das normativas reguladas pelo Ministério da Saúde e pela ANVISA.

Por fim, apontamos o fato de um indivíduo que foi flagrado pela força policial em posse de 7 litros de acetona, sendo preso pela conduta de tráfico ilícito de drogas, isto porque, a Portaria 344 de 1988 do Ministério da Saúde elenca em suas listas a substância ACETONA, e portar a substância sem a correta autorização legal, tendo como destino a preparação de drogas, configura crime, vejamos:

TJ-SP - Apelação APL 597053520098260576 SP 0059705-35.2009.8.26.0576 (TJ-SP)

Data de publicação: 11/04/2011

Ementa: Lei de Tóxicos . Artigo 33, § 1º(I). Agente que guardava em sua residência frascos de acetona e éter e que, confessadamente, utilizava tais matérias-primas no refino da cocaína. Condenação criminal decretada.

STJ - HABEAS CORPUS HC 219311 SP 2011/0226165-9 (STJ)

Data de publicação: 19/12/2011

Ementa: HABEAS CORPUS. PRISÃO EM FLAGRANTE. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS.INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. VALIDADE DA VEDAÇÃOCONTIDA NO ART. 44 DA LEI N.º 11.343 /06. CONDIÇÕES PESSOAISFAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. Paciente preso em flagrante como incurso no art. 33 da Lei de Tóxicos, uma vez que foi surpreendido em 21/12/2010 na posse de 7litros de acetona, utensílios com resquícios de cocaína e R$ 900,00divididos em maços de R$ 100,00.2. Quanto à alegação de inocência, além de demandar incursão na seara probatória, tarefa insuscetível de ser realizada na presente via, o tema não foi analisado pela Corte de origem, o que inviabiliza o conhecimento da matéria nesta instância superior, sob pena de vedada supressão de instância.3. É firme a orientação da Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a vedação expressa da liberdade provisória nos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes é, por si só, motivo suficiente para impedir a concessão da benesse ao réu preso em flagrante por crime hediondo ou equiparado, nos termos do disposto no art. 5.º , inciso XLIII , da Constituição da República, que impõe a inafiançabilidade das referidas infrações penais. Precedentes desta Turma e do Supremo Tribunal Federal.4. Habeas corpus parcialmente conhecido e, no mais, denegado.

A ACETONA, por exemplo, é usada por manicures, bem como vendida em pequenos comércios, como a posse dela pode ensejar crime? Pois bem, a Portaria 344 ao colocar a acetona em uma de suas listas, também coloca um adendo, referenciando que estas substâncias estarão sujeitas à controle da Polícia Federal. Neste sentido, existe uma regulamentação feita pela Polícia Federal, Portaria 1.274 de 2003, a qual descreve regras para manejo, venda e estoque de substâncias como a ACETONA, o THINER, etc.

Necessário, pois, que o policial esteja atento às diretrizes acima explanadas, pois, sabedor de elementos como os acima descritos, terá sequências lógicas, “sacadas”, “tirocínio policial”, para realizar seu trabalho investigativo com maior robustez. Uma vez ocorreu uma operação policial para o cumprimento de mandados de busca e apreensão em diversas residências, tendo em uma destas sido localizado pelos investigadores algumas dezenas de frascos de acetona, cerca de 10 litros, o tirocínio policial não rendeu frutos naquela ação, visto que não conseguiram à época ligar o fato da acetona ser usada pelos traficantes para refinar a cocaína.

A Lei 11343/06 também criminaliza a posse de substâncias percussoras, e acetona é uma substância precursora. Observa-se que a posse, guarda, destas substâncias para serem consideradas crime deve ter como destino a preparação de drogas.

A matéria-prima, o insumo ou o produto químico não precisam ser tóxicos em si, bastando que sejam idôneos à produção de entorpecentes. Assim é que a posse de éter ou acetona pode configurar o delito, desde que exista prova de que destinavam à preparação de cocaína. (GONÇALVES; JUNIOR; 2016, p. 103)

Analisamos as diversas terminologias institucionais do narcotráfico, lembrando que optamos pela terminologia “narcotráfico” para designar o tráfico ilícito de drogas, após, analisamos as diversas terminologias jurídicas do narcotráfico.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Breno Eduardo Campos. As terminologias do narcotráfico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5269, 4 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61897. Acesso em: 5 nov. 2024.

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