Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Um sonho de liberdade: as fragilidades do sistema prisional

Exibindo página 1 de 2
Agenda 23/11/2017 às 22:48

Reflexões sobre as fragilidades do sistema prisional, baseado na obra cinematográfica “Um sonho de Liberdade”, estabelecendo um paralelo entre o atual contexto penitenciário brasileiro e o americano.

INTRODUÇÃO

Em tempos remotos, quando configurado um litígio, a solução apenas viria através da imposição da vontade de um agente a outro diretamente, ou seja, mediante força ou consentimento.

  Ao longo do tempo, com o surgimento das aglomerações e sociedades, a solução de conflitos passou a ser feita pelos senhores, administradores, gestores da comunidade que com a necessidade de assegurar a paz e harmonia de seu grupo, começou a julgar e condenar bruscamente os réus.

  A prisão servia como meio para as torturas primitivas e apenas mais tarde passou a ser a punição em si.

  Tendo a prisão a característica punitiva, houve, cada vez mais, a necessidade de criação de grandes centros de detenção, que, por sua vez, passaram a ser grandes polos de proliferação de violência, tendo grande atenção da mídia e críticas da sociedade descontente com as condições em que se remeteram os presídios.

  Aprofundaremos, portanto, na fragilidade do sistema prisional, baseado na obra cinematográfica “Um sonho de Liberdade”, estabelecendo um paralelo com o ocorrido hoje no Brasil e nos Estados Unidos da América.


BREVE RELATO SOBRE O FILME

 Um sonho de liberdade, produzido em 1994, embora não tenha ganhado nenhum efetivo prêmio, recebeu inúmeras indicações e dentre elas a do Oscarde melhor filme. 

Tais indicações são advindas de uma produção que trata minuciosamente da vida e cotidiano dos prisioneiros, bem como as condições e/ou más condições que se submetem, além da grande ascensão espiritual de seus protagonistas.

Andy Dufresne, vivido por Tim Robbins, é um bem sucedido banqueiro que, injustamente, é condenado à pena perpétua pelo assassinato de sua esposa e seu amante. Mandado para um renomado e temido presídio do Maine, Andy aos poucos conquista a amizade de Red, um veterano vivido por Morgan Freeman.

O dia a dia no presídio mostra a Andy uma nova realidade, tendo como mais impactantes fatos, a corrupção e a relação “violenta” entre detentos, fatos estes que o senhor Dufresne se via cada vez mais envolvido, como o ocorrido logo nos primeiros dias na prisão em que And é brutalmente espancado por se recusar a prestar alguns favores sexuais.

Red era o responsável pelo mercado negro do presídio e tinha o respeito de muitos dali. Com uma reabilitação social visivelmente efetivada, o veterano já se conformava com a negativa de sua condicional sempre que havia a entrevista para tal.

A conformidade com a situação de detido fazia-se comum dentre alguns que viam aquele como o seu único lar e não tinham mais a vontade criminosa em si, fato este exposto com o suicídio de um idoso detento que exercia a função bibliotecária no presídio, ao não se adaptar a vida fora da prisão.

Ao decorrer do tempo vivenciado no filme, Andy, Red e outros agregados àquele círculo de amizade, discutem e passam juntos boas e más situações inerentes à fragilidade do sistema prisional.

  Depois de algum tempo recluso, And percebeu que poderia tirar vantagens de sua profissão, então começou a prestar serviços para os guardas da penitenciaria como declaração de imposto de renda. Com o passar do tempo ganhou maior atenção do diretor do presídio, que usava a Bíblia como arma de controle e do Capitão Byron que tratava os presos como animais.

Passou, então, a ser manipulado pelo Diretor que participava de um esquema de corrupção de desvio e lavagem de dinheiro, recebendo assim algumas regalias e ganhando aos poucos o respeito de todos.

  And passa 20 anos na prisão e durante todo esse tempo nunca deixou de sonhar com a sua liberdade. De repente, ele viu que sua inocência poderia ser provada através de um jovem que havia entrado na prisão, e que sabia quem realmente tinha matado sua esposa e seu amante.

No entanto, o diretor deu um jeito de acabar com o garoto, pois não queria perder o seu prestador de serviços e colocar seu esquema corrupto em risco, acabando assim, com a última esperança de And de se inocentar.

  Contudo, o que ninguém imaginava é que todos esses anos e que por trás de um pôster de mulheres, And cavou um túnel, e como já tinha adquirido a confiança dos superiores que não lhe davam mais atenção, todos os dias quando ia ao pátio ele soltava pequenas quantidades de terra que guardava nas dobras de suas calças.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

  Ele cavou o túnel durante anos e, num dia chuvoso, conseguiu concluir sua fuga, e, devido aos favores prestados ao Diretor da penitenciária, ele conseguiu ficar com o dinheiro que havia desviado, e ainda entregou o Diretor e todos os seus comparsas.

  Red, depois de anos, conseguiu também a sua liberdade. Como fidelidade, a amizade vai ao encontro de seu amigo, como o que já tinham acordado em uma breve conversa no ultimo dia de detendo de And, e os dois seguem com um antigo sonho de uma vida tranquila.


DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

 Vivenciamos as rebeliões, o crescente aumento da criminalidade e da violência e as fugas constantes, como resultados da situação cada vez mais degradante que se encontra o sistema prisional brasileiro, que viola direitos fundamentais da pessoa humana, assegurados pela Constituição Federal de 1988.

  Vários fatores culminaram para que se chegasse a um sistema prisional tão precário. Dentre eles, o abandono, a falta de investimento e o descaso do poder público, fizeram a situação se agravar ainda mais ao longo dos anos. Sendo assim, o sistema carcerário que tinha como objetivo um instrumento substitutivo da pena de morte e das torturas, não consegue executar o seu fim previsto, passando a ser uma escola de aperfeiçoamento da criminalidade, posto isso impossível a ressocialização de qualquer ser humano. (ARRUDA, 2013. p. 1)

   A superlotação nos presídios é atributo para esse fracasso carcerário, sendo ela de pleno conhecimento do poder público. Mas, a cada dia essa população carcerária cresce e poucos (ou nenhum) presídios são construídos para atender a crescente demanda de condenações. Essa superlotação representa uma verdadeira afronta aos direitos fundamentais, assim como cita o Art. 5º da Constituição Federal prevendo que é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral, bem como a dignidade da pessoa humana, um dos princípios basilares da nossa Constituição. (ARRUDA, 2013. p. 1)

  Faz-se ainda saber que a Lei de Execução Penal (LEP), no seu artigo 88 prevê que:

Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.

Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:

a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;

b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).

Assim como o Art. 85 da mesma disposição aduz que:

Art. 85. O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade.

Parágrafo único. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária determinará o limite máximo de capacidade do estabelecimento, atendendo a sua natureza e peculiaridades.

Tendo como efeito a violação de normas e princípios constitucionais, trazendo para aquele encarcerado uma “sobrepena”, uma vez que a convivência num presídio superlotado acarretará uma sanção maior que a anteriormente imposta.

A Superlotação basicamente exclui uma possível ressocialização da população carcerária, como afirma Mirabete (2002, p. 24):

A ressocialização não pode ser conseguida numa instituição como a prisão. Os centros de execução penal, as penitenciárias, tendem a converter-se num microcosmo no qual se reproduzem e se agravam as grandes contradições que existem no sistema social exterior (...). A pena privativa de liberdade não ressocializa, ao contrário, estigmatiza o recluso, impedindo sua plena reincorporação ao meio social. A prisão não cumpre a sua função ressocializadora. Serve como instrumento para a manutenção da estrutura social de dominação.

A respeito do sistema penitenciário brasileiro, assevera Greco, em uma critica abordagem, o seguinte:

No que diz respeito ao sistema penitenciário, como se percebe, parece que o desrespeito à dignidade da pessoa pelo Estado é ainda mais intenso. Parece que, além das funções que, normalmente, são atribuídas às penas, vale dizer, reprovar aquele que praticou o delito, bem como prevenir a prática de futuras infrações penais, o Estado quer vingar-se do infrator, como ocorria em um passado não muito distante. GRECO, Rogério.Sistema Prisional. 2015. Editora Impetus. Pag 68.

  É fácil vislumbrar e concluir o perceptível déficit de vagas existentes nos sistemas prisionais. Tendo o país um déficit de mais de 200.000 vagas, onde existem hoje cerca de 563.723 presos, em um sistema que só tem capacidade para 363.520 mil detentos. (REIS T. e VELASCO C. 2015, p.1)

  Um dos grandes problemas que também afeta o preso é a falta de ocupação ou trabalho, uma vez que, ocioso, o detento tem tempo para planejar uma possível fuga, rebelião, entre outros planos. Essa inatividade faz com que os presídios sejam comandados pelos detentos, tendo eles o poder de comandar o crime dentro e fora da prisão. O Prof. Zacarias (2006, p. 61) ressalta que:

O trabalho é importante na conquista de valores morais e materiais, a instalação de cursos profissionalizantes possibilita a resolução de dois problemas, um cultural e outro profissional. Muda o cenário de que a grande maioria dos presos não possui formação e acabam por enveredar, por falta de opção, na criminalidade e facilitam a sua inserção no mercado de trabalho, uma vez cumprida a pena.

  Com essa ociosidade vemos nascer também as facções criminosas que são as raízes do crime organizado de hoje. Elas atuam com grandes investimentos ilegais, como a prostituição, o narcotráfico, contrabando de armas e jogos ilegais.

  O primeiro registro de uma facção criminosa no Brasil se deu com o Comando Vermelho, criado em 1979, no Presídio Candido Mendes, na Ilha Grande/RJ. Teve início com a convivência de presos comuns e militantes de grupos armados, que na época combatiam a Ditadura Militar. As facções criminosas ganharam ainda mais força com a criação do Primeiro Comando Vermelho (PCC) em São Paulo, na Casa de Custódia e Tratamento Dr. Arnaldo Amado Ferreira, em Taubaté, no ano de 1993. Com a frequente transferência de presos para outras prisões essas organizações tendem a crescer cada vez mais, e tudo isso é resultado de uma má administração e da precariedade de nosso sistema prisional. (BIGOLI P. e BEZERRO E.; 2014)

  A demora processual se mostra uma das mais cruéis e desumanas mazelas, vez que tortura muitos criminosos não perigosos e degenera os presos provisórios. Muito comum de se ver no Brasil é que muitos detentos passam anos na cadeia sem ao menos terem disso julgados e condenados. Nesse sentido aduz Arruda (2006, P.95):

(...) pode-se dizer, em resumo, que no papel de detentor do monopólio da Jurisdição e em atenção ao principio do Estado de Direito, compete ao Estado organizar um sistema judicial amplamente acessívelapopulação e apto a prestação da tutela efetiva. Por efetividade da tutela, compreenda-se também uma prestação jurisdicional em tempo útil, uma prestação judicial temporalmente eficaz.

  Essa morosidade ainda é pior quando se trata de erro de justiça, como é o caso narrado no filme Um Sonho de Liberdade, onde Andrew Dufresne foi preso injustamente pelo assassinato de sua mulher o amante dela, mas não precisamos ir muito longe, pois aqui mesmo no Brasil existem vários casos como este, a título de exemplo, o caso do ex-mecânico Marcos Mariano da Silva, preso em 1979, acusado por homicídio, tendo ficado preso por 19 anos sem sequer ter sido julgado. E, durante uma rebelião, no presídio Professor Anibal Bruno, policiais invadiram o presídio e detonaram bombas de efeito moral nas celas e pavilhões, onde em uma delas se encontrava Mariano que foi atingido nos olhos por estilhaços de uma granada perdendo a visão. Interessante destacar que o erro só foi detectado em 1998, durante um mutirão judicial para avaliar os processos no presídio. O erro foi ocasionado por conta de um quase homônimo do ex-mecânico Marcos Mariano da Silva, sendo o verdadeiro Marcos Mariano Silva. (ARRUDA, 2013, P.5)

  Por conta da morosidade e do erro judicial, um inocente foi condenado e depositado em um presídio superlotado e acompanhado de criminosos perigosíssimos. E podemos ter certeza que, além deste, existem vários outros casos de pessoas presas inocentemente, e até casos de pessoas presas por anos por terem furtado pão e margarina para se alimentar por que não tinham dinheiro para isso. Por este motivo e outros, é necessário desafogar a máquina processual para que pessoas como Mariano e And, não sejam punidas inocentemente por erros judiciais e até mesmo por furtos famélicos, não que estes não devam ser punidos, mas que sejam punidos da maneira correta. (ARRUDA, 2013, P.5)

  Pode-se concluir que o sistema prisional brasileiro não assegura o principal objetivo da pena privativa de liberdade, que é a ressocialização do preso, haja vista que a realidade do sistema carcerário se dá pelo despreparo e corrupção dos agentes públicos que lidam com este meio, a superlotação nos presídios, a ociosidade dos detentos, o crescimento das facções criminosas, dentre outros efeitos causados pelo cárcere e principalmente a omissão do Estado e da sociedade. 


DO SISTEMA NORTE AMERICANO

Como vislumbramos nos relatos do filme Um sonho de liberdade, o sistema carcerário dos Estados Unidos da América é relevantemente conhecido pela cultura da prisão, tendo penas duras e aplicações efetivas.

Ao decorrer do tempo, desde os primórdios, passando-se pelo tempo do filme supracitado e até os dias de hoje, as prisões são lendárias.  Temos conhecimento de algumas renomadas como a de Alcatraz que abrigou o mafioso Alcapone, que em decorrência  de seu alto custo de manutenção foi fechada. (GRECO, 2015, p. 169)

As prisões militares, com força ainda no século XXI, também eram relevantes pólos de tortura permitida pelo governo com o “intuito” de obter informações importantes no combate ao terrorismo. Estas ações se intensificaram após o atentado às torres gêmeas, em 11 de setembro de 2001. (GOMES, L. , 2013, p. 1)

A cultura de lei e ordem trouxe a imagem negativa do sistema prisional americano, pois constantemente há relatos das punições arbitrarias e o cumprimento destas prisões são verdadeiras torturas psicológicas, visto que, os detentos passam a maior parte do dia em celas individuais sem direito a laborar e sujeitos a maus tratos. Por outro lado, os encarcerados tornam - se violentos e fazem com que os agentes penitenciários vivam em constante tensão. (MELO, J, 2011. p.1)

 A privatização dos centros prisionais foi consequência do aumento do número de crimes que fez proliferar a cultura da prisão das cidades americanas, pelo fator segurança e pelo fator geração de empregos. Desta forma cresceu paralelamente as reclamações quanto ao sistema prisional. (GRECO, 2015, p. 171 apud JUS DETENTION)

Apenas ¼ dos presídios norte americanos são de segurança máxima que apresentam muitas unidades conhecidas como SuperMax, ou seja, aquelas que são de lockdown permanente. Isto quer dizer que os prisioneiros são mantidos em suas celas sem nenhuma liberdade. ( GRECO, 2015, p.170)

Há inúmeras reivindicações de detentos e órgãos que os protegem, a cerca das torturas físicas e mentais e também pelo excesso do confinamento em solitária. (MELO, J, 2011. p.1) 

Sobre as autoras
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!