RESUMO:O presente artigo tem por objetivo analisar a evolução do conceito de família no tempo, bem como analisar a evolução do papel da mulher na família.
Em seguida, o artigo trata, de forma minuciosa, o instituto da guarda compartilhada, destacando as suas vantagens e hipóteses de cabimento, analisando também como os Tribunais têm se portado em relação ao tema.
Por último, como principal tema do trabalho, é abordado o tema da Alienação Parental e a Síndrome da Alienação Parental.
São apresentadas as principais formas de apresentação e maneiras de identificar as astutas investidas do alienador e as formas de proteger a criança, principal vítima, de tão maléfico comportamento por parte daquele que deveria ser seu protetor.
PALAVRAS CHAVE: Alienação, Síndrome, Parental, Família.
ABSTRACT:The purpose of this article is to analyze the evolution of the concept of family in time, as well as to analyze the evolution of the role of women in the family.
The article then deals in detail with the institute of shared custody, highlighting its advantages and assumptions, as well as how the courts have dealt with the issue.Finally, as the main theme of the work, the theme of Parental Alienation and the Parental Alienation Syndrome is addressed.
It presents the main forms of presentation and ways of identifying the cunning attacks of the alienator and ways to protect the child, the main victim, of such evil behavior on the part of the one who should be his protector.
KEY WORD: Alienation, Syndrome, Parental, Family.
1. O CONCEITO DE FAMÍLIA NA GUARDA COMPARTILHADA
Ao longo dos anos, desde o Brasil colônia até a contemporaneidade, o conceito de família vem sofrendo inúmeras transformações, e, para um melhor entendimento do tema, se faz necessário entender as causas dessas mudanças.[2]
Edson Luiz Fachin ensina que a família constitui um dos três pilares fundamentais do direito civil, ao lado do contrato e dos modos de apropriação, como posse e propriedade, e, dessa forma, o Estado tem o dever de garantir a segurança das pessoas que constituem as famílias.[3]
Cada um analisa o conceito de família sob a ótica de seu campo de estudo, o que demonstra que a família não se limita a uma definição estática no tempo e no espaço.[4]
Nesse diapasão ensina Carolina Morici:
Com efeito, esse conceito transformou-se significativamente ao longo dos anos. No passado, os laços familiares eram valorizados por interesses financeiros ou conveniências familiares. Hoje, vivemos em uma sociedade que valoriza as uniões pelos laços afetivos, e isso faz com que as relações se instituam das mais diferentes maneiras, gerando até sentimentos de confusão e culpa nos membros familiares desses casos por fugir do modelo idealizado.[5]
O direito de família, sem sombras de dúvidas, tem sido o ramo do direito que mais tem sofrido mudanças, no intuito de acompanhar essas transformações das famílias. Essas alterações estão interligadas ao fato da independência financeira feminina, e também ao declínio da formação do patriarcalismo.[6]
Alguns autores, como McGoldrick, salientam que “a independência econômica das mulheres, que tem profundas implicações nas estruturas familiares tradicionais, parece crucial para a autoestima feminina, como proteção em face de abuso, divórcio e velhice”.[7]
Nesse mesmo sentido, afirma Pereira:
A conquista das mulheres de um lugar de “Sujeito de Desejo” levou a ruína da indissolubilidade do casamento, pois era a subordinação da mulher que sustentava esses casamentos. Uma vez que, se coloca como sujeito e não mais assujeitada, isso repercute no ordenamento jurídico e torna inviável o casamento indissolúvel.[8]
Ainda, de acordo com Caio Mario, os pais devem exercer o poder familiar sempre no interesse da prole. O antigo termo poder marital e pátrio poder, com o advento da Constituição Federal de 1988, foram extirpados de nosso ordenamento. O que vigora agora é a equiparação de direitos e deveres nas relações matrimoniais. Esse é o entendimento extraído do § 5° do artigo 226 da Constituição Federal, reforçado pelo artigo 1511 do Código Civil de 2002.[9]
2 A GUARDA COMPARTILHADA
Primeiramente, é interessante definir o que vem a ser guarda. No entendimento de Silvana Maria Carbonera, no direito de família, guarda pode ser definida como:
Um instituto jurídico através do qual se atribui a uma pessoa, o guardião, um complexo de direitos e deveres, a serem exercidos com o objetivo de proteger e prover as necessidades de desenvolvimento de outra que dele necessite, colocada sob sua responsabilidade em virtude de lei ou decisão judicial.[10]
A guarda compartilhada, como anteriormente citada, foi instituída pela Lei 11.698/2008, tendo como principal característica a divisão de direitos e deveres dos genitores que não vivam mais sob o mesmo teto.
Quando mantida a residência, de comum acordo, entre os cônjuges, não é necessário fixação prévia dos períodos de convivência, e cabe a ambos o dever de educação, religião, saúde, lazer etc, dos filhos, pois os mesmos permanecem assistidos por ambos os pais.[11]
Nessa modalidade, a guarda e o poder familiar permanecem com ambos os pais, mesmo morando em lares separados, pois devem revelar maturidade para, de maneira harmônica, compartilhar as rotinas dos filhos, respeitando os horários das atividades escolares e extracurriculares.[12]
De acordo com Maria Berenice Dias, sobre a guarda compartilhada pode-se afirmar:
O maior conhecimento do dinamismo das relações familiares fez vingar a guarda conjunta ou compartilhada, que assegura maior aproximação física e imediata dos filhos com ambos os genitores, mesmo quando cessado o vínculo da conjugalidade. É o mesmo de garantir, de forma efetiva, a co-responsabilidade parental, a permanência da vinculação mais estrita e a ampla participação destes na formação e educação do filho, a que a simples visitação não dá espaço. O compartilhar a guarda dos filhos é o complexo mais fiel do que se entende por poder familiar.[13]
Interessante ainda, observar o entendimento de Paulo Lobo acerca do tema:
A lei, com nosso aplauso, instituiu a preferência pela guarda compartilhada, que somente deve ser afastada quando o melhor interesse dos filhos recomendar a guarda unilateral. A guarda compartilhada era cercada pelo ceticismo dos profissionais do direito e pela resistência da doutrina, que apenas concebia como faculdade dos pais, em razão da dificuldade destes em superarem os conflitos e a exaltação de ânimos emergentes da separação. Havia difundido convencimento de que a guarda compartilhada dependia de amadurecimento sentimental do casal, da superação das divergências e do firme propósito de pôr os filhos em primeiro plano, o que só ocorria em situações raras. A lei ignorou esses obstáculos e determinou sua preferência obrigatória, impondo-se ao juiz sua observância. A guarda compartilhada não é mais subordinada ao acordo dos genitores quando se separam. Ao contrário, quando não houver acordo “será aplicada pelo juiz”, sempre que possível, na expressa previsão do § 2° do artigo 1.584 do Código Civil, com a redação dada pela Lei 11.698 de 2008.[14]
Dessa forma, percebe-se que agora a guarda compartilhada é incentivada, e somente deixará de ser aplicada quando o melhor interesse da criança assim o exigir. Pode-se citar, como exemplo (Agravo de Instrumento n° 70047564398 da 8ª Câmara cível de Porto Alegre), uma decisão da 8ª Câmara Cível de Porto Alegre-RS que indeferiu a guarda compartilhada, em sede de liminar, pois os genitores estavam em conflito e ainda não se sabia se essa seria a melhor alternativa para atender os interesses do menor.
No entendimento de Caio Mario da Silva Pereira a guarda compartilhada pode ser conveniente mesmo quando os pais não estão em pleno acordo, mas tem maturidade suficiente para, de maneira harmônica, compartilhar as atividades dos filhos e conciliar seus horários de atividades escolares e extracurriculares.[15]
Maria Berenice Dias discorda do entendimento de Caio Mario, ao afirmar que, mesmo os pais estando em desentendimento, caso um deles aceite o compartilhamento e o outro não, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, determinar a guarda compartilhada, se entender ser esta a que melhor atende os interesses da criança. Os §§ 2° e 3° do artigo 1.584 do Código Civil vem a corroborar o entendimento da autora.[16]
Nesse sistema de guarda, os pais “são iguais detentores da autoridade parental para tomar todas as decisões que afetem os filhos”[17], isso entendido da forma mais abrangente possível, compreendendo religiosidade, esporte, lazer, escolaridade, férias, etc. Conforme ensina Ana Teixeira, esse é um modelo que vem ao encontro de um novo conceito de paternidade. Esclarece ainda que, quando os pais discutem o assunto e buscam sua implantação, sua efetivação atinge o pleno exercício do poder familiar, exatamente como preceitua o artigo 1.632 do Código Civil.[18]
Os benefícios da guarda compartilhada são imensos, e dentre eles pode-se citar: preservação da coparentalidade; convivência com ambos os pais; igual responsabilidade dos pais em relação ao filho; possibilidade de exercício da plenitude do poder familiar; os efeitos da separação dos pais é minimizado; as tarefas dos pais em relação ao filho normalmente continuam sendo as mesmas de antes da separação; constante comunicação sem horários rígidos; melhor saúde mental das crianças; redução das possibilidades de problemas emocionais ou de baixa autoestima.[19]
3. A NATUREZA JURÍDICA DA GUARDA COMPARTILHADA
A natureza jurídica da guarda compartilhada encontra respaldo no artigo 6° do Estatuto da Criança e do Adolescente, que, ao tratar do tema, estabelece como princípio geral, a proteção dos direitos da criança e do adolescente. Não se pode ainda ignorar o disposto no inciso III do artigo 1° da Constituição Federal, o qual estabelece como um dos principais fundamentos do Estado Democrático de Direito, o respeito à dignidade da pessoa humana.
Os tribunais, há tempos, mesmo antes da criação da Lei 11.698/2008 que passou a prever explicitamente o instituto da guarda compartilhada, já a vinham aplicando com sucesso. O que o legislador fez foi somente disciplinar o tema em nosso ordenamento jurídico. A intenção dos ministros e juízes, ao aplicar o instituto, sempre foi o de respeitar os melhores interesses e a dignidade humana da criança e do adolescente, prevalecendo os princípios da afetividade e do melhor interesse do menor.
Para que exista uma entidade familiar é imprescindível que haja afeto. É necessário a presença de algo que enlaça e una seus membros, mesmo não estando próximos uns dos outros. É necessário uma solidariedade íntima de sobrevivência e subsistência que a todos envolva.[20]
De acordo com Rodrigo da Cunha Pereira, para que um filho realmente seja filho, deverá ser adotado pelos pais, com ou sem vínculo sanguíneo. Para o autor, a verdade biológica com semelhança de DNA é insuficiente para garantia de experiência de paternidade ou maternidade. Para se garantir uma estrutura biopsíquica saudável à criança é necessário o cumprimento das funções paternas e maternas de seu responsável.[21] Por isso, quando um suposto pai, ao desconfiar não ser o pai biológico do filho de sua mulher, questionando a paternidade, a justiça não contesta o seu direito de discutir a paternidade, pois, se obrigado for a criar um filho sobre o qual lhe restam dúvidas se contém ou não sua genética, talvez não destine a esse filho o afeto que toda criança merece.
Pensando nisso, o legislador, ao incluir os incisos I a III ao § 3° do artigo 1.583 do Código Civil estabeleceu que, ao se determinar a guarda do filho, primeiramente o juiz deverá se certificar que realmente existe afeto entre o guardião e a criança.
4 A SÍNDROME E A ALIENAÇÃO PARENTAL NA GUARDA COMPARTILHADA
De acordo com o dicionário Aurélio alienação significa perturbação mental, alucinar, enlouquecer-se. Síndrome, de acordo com o mesmo dicionário significa “um conjunto de sintomas que caracterizam uma doença de perturbação mental”.[22]
Desse modo, vê-se que alienação parental não é o mesmo que síndrome da alienação parental. Para melhor entender a diferença entre os termos, é interessante verificar o que ensina Priscila M. P. Correa Fonseca:
A síndrome da alienação parental não se confunde, portanto, com a mera alienação parental. Aquela geralmente é decorrente desta, ou seja, a alienação parental é o afastamento do filho de um dos genitores, provocado pelo outro, via de regra, o titular da custódia. A síndrome, por seu turno, diz respeito às seqüelas emocionais e comportamentais de que vem a padecer a criança vítima daquele alijamento. Assim, enquanto a síndrome refere-se à conduta do filho que se recusa terminante e obstinadamente a ter contato com um dos progenitores e que já sofre as mazelas oriundas daquele rompimento, a alienação parental relaciona-se com o processo desencadeado pelo progenitor que intenta arredar o outro genitor da vida do filho.[23]
Percebe-se que as conseqüências advindas da separação ou divórcio são diferentes para homens e mulheres, e que mais drasticamente a mulher é atingida. Nota-se que, em 92% dos casos os filhos ficam sob a guarda da mãe, e que 75% das pensões alimentícias não são pagas integralmente e que 50% dessas pensões sequer são pagas. Desse modo, a mulher que antes não trabalhava fora, será obrigada readequar sua vida com cerca de 30% dos rendimentos do ex-marido, enquanto para ele, sozinho, restará 70%. Diante disso, como seria de se imaginar, de acordo com uma pesquisa realizada pelo IBGE em 2002, 91% dos casos de alienação parental são praticados por mulheres.[24]
Desse modo, o inconformismo de um cônjuge com a separação, depressão, restrições financeiras, solidão, vontade de ter a posse exclusiva dos filhos, e por vezes a agravante de ter o ex-cônjuge mantido relações sexuais extraconjugais, são causas determinantes para que o detentor da guarda se utilize da única “arma” que ainda lhe resta para vingar-se do outro: os filhos.[25]
Em muitos estudos sobre a separação conjugal constata-se que os pais se utilizam dos filhos para mandar recados, pedir dinheiro e até mesmo ameaçar o ex-cônjuge.[26]
A partir do momento em que um dos pais se utiliza do filho para causar dissabores ao seu ex, tentando com isso afastá-lo da criança, está causando um gravíssimo mal ao desenvolvimento da criança. Os artigos 3°, 4° e 130 do Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelecem que a criança não pode ser submetida a “qualquer tipo de tortura, seja física ou psicológica, por quem quer que seja, mormente por aqueles que tem o dever de protegê-la”.[27]
A Síndrome da Alienação Parental tem início quando a mãe, o caso mais comum, percebe que o pai tem interesse em preservar a convivência afetiva com a criança, e, movida por ressentimentos originados no casamento, inicia uma série de atos a fim de programar a criança para odiar e rejeitar o pai, não tendo nenhuma justificativa plausível.[28]