4-Medidas de Proteção
À semelhança do que ocorre com a legislação de proteção à infância e juventude, também o estatuto do idoso prevê medidas de proteção.
Estas medidas são aplicáveis quando houver ameaça (tutela preventiva) ou lesão (tutela repressiva) aos direitos previstos no estatuto por: I- por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II - por falta, omissão ou abuso da família, curador ou entidade de atendimento; III - em razão de sua condição pessoal.
São elas:
"I - encaminhamento à família ou curador, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - requisição para tratamento de sua saúde, em regime ambulatorial, hospitalar ou domiciliar;
IV - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a usuários dependentes de drogas lícitas ou ilícitas, ao próprio idoso ou à pessoa de sua convivência que lhe cause perturbação;
V - abrigo em entidade;
VI - abrigo temporário"
O rol não é exaustivo e comporta outras medidas, desde que adequadas ao caso concreto, estando a aplicação de qualquer das medidas, expressas ou não, condicionada, porém, aos "os fins sociais a que se destinam e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários".
Quem poderá aplica-las? O Ministério Público ou o Poder Judiciário, sem qualquer restrição quanto à espécie de medidas.
Recomenda-se, no entanto, que a aplicação das medidas dos incisos V e VI do artigo 45 do estatuto sejam obrigatoriamente judicializadas o mais rápido possível. É que tais medidas podem ser necessárias contra a vontade do idoso e podem implicar em privação de sua liberdade, quando justificada a medida em vista de seu estado.
5-Mecanismos Processuais
Os direitos previstos na lei em análise comportam quatro mecanismos básicos de processualização das pretensões: a ação de aplicação de medida de proteção; o procedimento judicial de apuração de irregularidades, a ação ordinária e a ação civil pública.
A aplicação de medida de proteção poderá ser feita pelo Ministério Público e, pelo que se depreende da lei, não há concurso obrigatório da instância judicial, sendo este recomendável em alguns casos, como já visto. Mas poderá, também, ser objeto de ação diretamente movida pelo órgão ministerial.
A ação ordinária poderá ser movida pelo próprio idoso, ou curador, e pelo Ministério Público, pois está autorizado a atuar como substituto processual (4), em vista do quanto preconiza o artigo 74, inc. III da Lei nº 10.741/03.
Esta possibilidade põe termo à discussão acerca da possibilidade de ingresso, por parte do Ministério Público, de ação para proteção de direito individual indisponível quando o beneficiário seja idoso. É que existem posicionamentos que negavam a legitimidade para o ajuizamento de ações em beneficio de um indivíduo em questões referentes, por exemplo, à saúde. Tal orientação por certo que se escudava no fato de que a ação civil pública é típico instrumento de proteção de direitos coletivos.
Todavia, é bom que se perceba que na hipótese de legitimação prevista pela nova lei não há propositura de uma ação civil pública, mas de uma demanda ordinária.
No que se refere às entidades de atendimento, a lei criou uma série de obrigações, previstas nos incisos do artigo 48, verbis:
"I- oferecer instalações físicas em condições adequadas de habitabilidade, higiene, salubridade e segurança;
II - apresentar objetivos estatutários e plano de trabalho compatíveis com os princípios desta Lei;
III - estar regularmente constituída;
IV - demonstrar a idoneidade de seus dirigentes".
Também o artigo 50 especifica uma série de obrigações:
"Art. 50- Constituem obrigações das entidades de atendimento:
I - celebrar contrato escrito de prestação de serviço com o idoso, especificando o tipo de atendimento, as obrigações da entidade e prestações decorrentes do contrato, com os respectivos preços, se for o caso;
II - observar os direitos e as garantias de que são titulares os idosos;
III - fornecer vestuário adequado, se for pública, e alimentação suficiente;
IV - oferecer instalações físicas em condições adequadas de habitabilidade;
V - oferecer atendimento personalizado;
VI - diligenciar no sentido da preservação dos vínculos familiares;
VII - oferecer acomodações apropriadas para recebimento de visitas;
VIII - proporcionar cuidados à saúde, conforme a necessidade do idoso;
IX - promover atividades educacionais, esportivas, culturais e de lazer;
X - propiciar assistência religiosa àqueles que desejarem, de acordo com suas crenças;
XI - proceder a estudo social e pessoal de cada caso;
XII - comunicar à autoridade competente de saúde toda ocorrência de idoso portador de doenças infecto-contagiosas;
XIII - providenciar ou solicitar que o Ministério Público requisite os documentos necessários ao exercício da cidadania àqueles que não os tiverem, na forma da lei;
XIV - fornecer comprovante de depósito dos bens móveis que receberem dos idosos;
XV - manter arquivo de anotações onde constem data e circunstâncias do atendimento, nome do idoso, responsável, parentes, endereços, cidade, relação de seus pertences, bem como o valor de contribuições, e suas alterações, se houver, e demais dados que possibilitem sua identificação e a individualização do atendimento;
XVI - comunicar ao Ministério Público, para as providências cabíveis, a situação de abandono moral ou material por parte dos familiares;
XVII - manter no quadro de pessoal profissionais com formação específica."
O cumprimento destas obrigações e a observância dos princípios inscritos no artigo 49 serão levados a efeito "pelos Conselhos do Idoso, Ministério Público, Vigilância Sanitária e outros previstos em lei" (artigo 52, caput).
Mas em caso de descumprimento dos deveres acima referidos, há previsão de dois procedimentos para apuração das irregularidades, sendo um de cunho administrativo e outro de natureza judicial.
A estes procedimentos, aplicam-se subsidiariamente as Leis nº 6.437/77 (que trata das infrações à legislação sanitária federal) e 9.784/99 (que regula o processo administrativo no âmbito federal) além do CPC.
Não há especificação casuística de legitimados, podendo qualquer interessado e o Ministério Público darem início ao processo. Por aplicação subsidiária do CPC, é de se entender que a exordial deve se conformar ao figurino do artigo 282 do Estatuto de Ritos Civil.
Há previsão da possibilidade de afastamento liminar do dirigente da entidade (artigo 66) em caso de fatos graves, sempre ouvido previamente o Ministério Público, se ele próprio não for o requerente, por óbvio.
O prazo de defesa previsto é de dez dias e após haverá instrução ou julgamento da causa no Estado em que se encontra, após apresentação de alegações finais, cujo prazo é de 05 dias, o mesmo de que dispõe o magistrado para decidir.
A ação civil pública para proteção dos direitos do idoso está prevista no artigo 74, inc. I, da Lei nº 10.741/03, tendo por escopo "proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso".
A menção específica ao direito individual indisponível como objeto de ação civil pública pode afastar o reconhecimento de ilegitimidade ad causam do Ministério Público, o que vem sendo apontado por julgados esparsos (5).
Uma vez que pode dispor da ação civil pública para fazer valer a observância dos direitos previstos na lei, também poderá, como, aliás, expressamente dispõe o diploma, utilizar-se do inquérito civil.
Gera-se uma dualidade de instrumentos no que se refere à proteção dos direitos individuais indisponíveis e individuais homogêneos, pois tanto poderá órgão ministerial atuar como autor (em ação civil pública) como ajuizar demanda ordinária na condição de substituto processual. Atualmente, com a introdução da antecipação de tutela e com a previsão da tutela específica nas obrigações de fazer (artigo 83 da Lei nº 10.741) (6), uma ação ordinária dispõe de instrumentos processuais tão eficazes quanto a ação civil pública. Mas é de se apontar que a ação civil pública apresenta restrições quando às obrigações de dar coisa certa ou incerta, pois o artigo 3º da Lei nº 7.347/85 fala em obrigação de pagamento de dinheiro ou de fazer ou não fazer. Esta limitação não existe em relação às ações ordinárias.
Para as ações civis públicas estão legitimados: I - o Ministério Público; II - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; III - a Ordem dos Advogados do Brasil; IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos 1 (um) ano e que incluam entre os fins institucionais a defesa dos interesses e direitos da pessoa idosa, dispensada a autorização da assembléia, se houver prévia autorização estatutária.
Em caso de ações propostas por associações, a eventual desistência, da mesma forma que ocorre com as ações previstas no CDC, não implica, ipso facto, extinção do feito, podendo o Ministério Público assumir a demanda.
Verdadeira superfetação existe no artigo 82, parágrafo único, que prevê que "contra atos ilegais ou abusivos de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições de Poder Público, que lesem direito líquido e certo previsto nesta Lei, caberá ação mandamental, que se regerá pelas normas da lei do mandado de segurança". Ora, as espécies referidas no preceptivo correspondem exatamente aquelas legitimadoras do mandado de segurança, ou seja, o caso é precisamente de ajuizamento de mandado de segurança.
Igualmente confusa a redação do artigo 83, parágrafo primeiro, da Lei 10.741/03. Ali se diz que "sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, na forma do art. 273 do Código de Processo Civil".
Se entendemos que a referência a "na forma do artigo 273 do CPC" significa que este artigo será aplicado integralmente, inclusive no que se refere aos pressupostos, então a menção a fundamento relevante e receio de ineficácia do provimento final são absolutamente inócuas, devendo considerar-se a necessidade de prova inequívoca e verossimilhança lá previstas.
Por outro lado, se considerarmos que "na forma" significa trâmite processual, ou seja, necessidade de pedido, possibilidade de fungibilidade e conseqüências práticas, então os pressupostos referidos como fundamento relevante e possibilidade de ineficácia, em verdade restringem a antecipação de tutela específica da lei em relação àquela genérica do CPC.
Dessarte, não refere a legislação especial à possibilidade de abuso do direito de defesa, que é objeto do inciso II, do artigo 273 do CPC, reduzindo o espectro de abrangência das possibilidades de concessão da antecipação de tutela.
A menção a um fundamento relevante igualmente é problemática, visto que completamente subjetiva. O que se há de considerar "fundamento relevante"?
Assim sendo, a melhor exegese do dispositivo é aquela segundo a qual o objetivo da nova lei foi ampliar e não reduzir a possibilidade de antecipação de tutela, porquanto se fosse para manter o mesmo regime já existente, bastaria utilizar o artigo 273 do CPC.
E se o legislador entendeu por bem em produzir diploma específico para o idoso, isto significa que sua proteção sob o prisma processual é especial, vale dizer, vai além daquela prevista na legislação codificada.
Logo, devemos entender que nos caos de direitos previstos no Estatuto do Idoso, será aplicável a antecipação de tutela do CPC, mas que poderá ser invocado igualmente o pressuposto da relevância de fundamento, que poderá derrogar a necessidade de prova inequívoca prevista no artigo 273 do CPC, bastando ao magistrado concluir, em manifestação devidamente fundamentada, que os fatos narrados e as provas apresentadas, que não precisarão ser inequívocas (caso contrário não haveria necessidade de menção de outro fundamento), constituem substrato para concluir tratar-se de um fundamento relevante.
O parágrafo terceiro do mesmo artigo 83 estabelece a possibilidade de utilização das astreintes como mecanismo de coerção. O emprego das astreintes, há algum tempo admitidas expressamente em nosso direito positivo (7), significa um grande avanço na execução da obrigação de fazer e de não fazer, por implicar uma forma de contornar o dogma da incoercibilidade pessoal, de origem arraigada no liberalismo-iluminista e no positivismo jurídico do século XIX.
Mas seu emprego em vista do Estado demanda preocupação. Em outra oportunidade (8), já teci uma análise acerca da questão, ocasião em que conclui que a multa diária contra a Fazenda não é o melhor meio de coerção. Não é o caso aqui de reproduzir os argumentos lá expendidos em sua totalidade, mas se pode afirmar que em alguns casos, revertendo a multa diária a benefício da parte, poderá ocorrer que seja mais vantajoso para esta a inadimplência duradoura do que o imediato cumprimento da obrigação.
O não cumprimento imediato da obrigação de fornecimento de um medicamento de algumas dezenas de reais, estabelecido em decisão liminar, por exemplo, poderá ensejar para a parte um benefício de algumas centenas ou milhares de reais.
Ora, é inadmissível que ocorra uma tal subversão no sistema, onde a parte ingressa em juízo postulando o cumprimento de uma obrigação e, no entanto, tem uma resposta melhor às suas necessidade exatamente no atraso, na mora no cumprimento desta mesma obrigação.
A eventual canalização dos recursos provenientes de multas para fundos, como o previsto no artigo 84, caput, da Lei nº 10.741/03 na prática teria por conseqüência a ocorrência de uma das situações que é comumente invocada como fundamento para se denegar o bloqueio de valores como meio de execução de obrigações de fazer contra a Fazenda Pública, qual seja a transferência orçamentária sem previsão legal, ou a destinação específica de valores para caso individualizado, com violação do mérito administrativo e ingerência entre poderes, em afronta ao artigo 2º da CF/88.
Deve o magistrado, em vista destas ponderações, atentar para a melhor forma de coerção, sendo de lembrar que no caso acima referido, relativo a medicamentos, o bloqueio de valores teria o mérito de limitar-se ao exato valor da medicação, ao passo que a multa diária poderia ter, ao fim, valor elevado e ainda ter por corolário uma demora ainda maior na satisfação da obrigação.
Estabelece o artigo 86 que nas ações relativas ao capítulo (capítulo III), não haverá adiantamento de custas e o Ministério Público está isento de sucumbência.
Há julgados que preconizam a possibilidade de fixação de honorários em vista da sucumbência do órgão ministerial em ação civil pública, em especial se houvesse má-fé, arcando com a verba o Estado (9).
Esta distinção, no entanto, não é feita na nova lei, ao contrário do que ocorre com o artigo 18 da Lei nº 7.437/85. Daí se inferir que a impossibilidade de condenação em honorários é absoluta para o Ministério Público.
Ainda no campo processual, foi prevista a priorização do trâmite dos feitos (artigo 71) e a necessária intervenção ministerial nos feitos relativos a direitos previsto no estatuto (artigo 75).
Esta última hipótese de intervenção carece de interpretação restritiva.