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Herança recebida dos avós pode ser atingida por dívida do pai pré-morto?

Agenda 21/09/2020 às 17:50

Analisa-se o entendimento fixado pelo STJ acerca da herança recebida diretamente dos avós.

1.     Introdução

O presente artigo tem como objetivo analisar o entendimento fixado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) acerca da herança recebida diretamente dos avós. Cumpre destacar que, no decorrer dessa explanação, para que haja uma compreensão mais clara, alguns pontos importantes sobre o direito sucessório serão comentados.


2.     Noções Gerais de Sucessão

2.1.         Conceito de Sucessão

Primeiramente, vale destacar que sucessão é o conjunto de regras que regulamenta a transmissão de direitos após a morte, bem como o cumprimento da vontade do morto.

Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves “a herança é, na verdade, um somatório, em que se incluem os bens e as dívidas, os créditos e os débitos, os direitos e as obrigações, as pretensões e ações de que era titular o falecido, e as que contra ele foram propostas, desde que transmissíveis”.

Aqui, não há o vínculo de pessoa viva transmitindo algo para alguém, mas sim uma pessoa morta, cuja morte transmite direito e obrigações a alguém.

Nesse sentindo, importante ressaltar um dos principais princípios que regem o direito sucessório é o chamado “Princípio da Saisine”, o qual transmite a herança de forma automática no exato momento da morte, conferindo ao herdeiro o direito de posse e propriedade.

Dessa forma, pode-se afirmar que, muito embora a morte seja de interesse do direito, não se pode afirmar que toda morte interessa ao direito sucessório, isso porque só será de competência dessa matéria a morte de alguém que tenha algo para transmitir.

2.2.         Espécies de Sucessão

De acordo com o Art. 1784 do Código Civil:

“Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos ou testamentários.” 

Diante disso, podemos concluir desde logo que as espécies de sucessão existente nessa matéria são: sucessão legítima e sucessão testamentária.

Dizer que a sucessão é legítima significa que o direito sucessório nasce para o sucessor em virtude de dispositivo legal, ou seja, a vontade do autor da herança não interfere na criação do direito, isso porque todas as regras sucessórias estão estabelecidas em lei.

Essa sucessão encontra-se regulamentada no art. 1788 do Código Civil, vejamos:

“Art. 1.788. Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo.”.

A legislação também define a ordem dessa sucessão: 

“Art. 1829-A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.”

De acordo com Pablo Stolze Gagliaso e Rodolfo Pamplona Filho “se as regras da sucessão legítima existem para a preservação da parte indisponível da herança – prestigiando-se alguns herdeiros -, não se pode negar que o estabelecimento de uma ordem de vocação hereditária tem por finalidade, também, permitir a transmissibilidade do patrimônio do falecido, especialmente para os casos em que ele não manifestou, de forma prévia, a sua vontade sobre o sentido do direcionamento daqueles bens.”.

Frisa-se, por oportuno, que, em se tratando de sucessão legítima, os herdeiros herdarão obrigatoriamente por meio de duas espécies de direito:

-> Direito Próprio: aqui o sucessor é procurado pela lei e por ela é encontrado, é o herdeiro da classe chamada (Exemplo: filho que herda do pai).

-> Direito de Representação: o Código Civil, no artigo 1.851, é claro ao afirmar que há direito de representação, quando a lei chama certos parentes do falecido a suceder em todos os direitos, em que ele sucederia se vivo fosse, ou seja, é o direito conferido para quem recebe o direito sucessório por representar quem deveria receber.

Nesse ponto da matéria, para que haja uma melhor compreensão do tema a ser analisado posteriormente, é válido relembrar duas importantes formas de partilha, quais sejam: por cabeça (direito próprio), que ocorre quando é atribuído a cada herdeiro o mesmo quinhão hereditário, ou seja, cotas iguais; e por estirpe; quando sucedem em graus diversos por direito de representação. 

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 Enquanto a sucessão legítima encontra-se prevista na lei, a sucessão testamentária é originária de uma manifestação da vontade do autor da herança que criou o direito sucessório. Nesta disposição as regras sucessórias não estão estabelecidas em lei, todavia, é ela que cria regras para essa disposição.

2.3.         Vocação Hereditária

O Código Civil em seu art. 1.798 assim dispõe:

“Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.”.

Da leitura do dispositivo legal acima mencionado, pode-se concluir que os sucessores legítimos e os testamentários precisam possuir uma vocação para receber o benefício sucessório. A regra geral aplicada para essas sucessões exige que o sucessor esteja vivo e concebido.

A vocação hereditária, portanto, como regra geral exige que o legitimado deva estar vivo na hora da abertura da sucessão, ou concebido.


3.     Análise do tema

Superadas as considerações gerais, passemos a analisar o foco do presente artigo, qual seja, herança recebida diretamente dos avós pode ser atingida por dívidas do pai pré-morto?

3.1.         Responsabilidade dos herdeiros: As dívidas são herdadas? 

O Código Civil em seu art. 1.792 impõe que “o herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demonstrando o valor dos bens herdados.”.

Nas palavras da gerente jurídica do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Maria Elisa Novais , “a dívida não passa para os herdeiros. O que paga as dívidas do falecido é a herança deixada por ele”.

Diante disso, pode-se afirmar que os herdeiros responderão pelas dívidas no limite da herança, ou seja, referidas pendências não poderão atingir o patrimônio pessoal dos beneficiados.

Nesse sentido, assim determina o art. 1.997 do Código Civil:

“Art. 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube.”.

Todavia, até o presente momento, a análise está considerando que as dívidas são do próprio falecido e possuidor da herança, por exemplo, pai morre e deixa dívida para os filhos.

Ocorre que a discussão aqui trazida vai um pouco além. O ponto a ser debatido é em relação a herança deixada pelos avós aos netos com pai pré-morto. Seria possível a dívida desse pai atingir a herança recebida pelos filhos? É possível que a dívida ultrapasse a pessoa do pai e atinja uma herança que não foi deixada por ele?

Todas essas questões foram respondidas recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça de Goiás por intermédio do acórdão proferido pelo Ministro Relator Marco Aurélio Bellizze no dia 15/09/2017 nos autos da Ação Monitória, sob o processo n° 2016/0247360-4.

Em resumo, trata-se de uma ação monitória proposta em face dos filhos com o objetivo de receber o pagamento referente a uma nota promissória que fora emitida pelo falecido pai. O autor da ação alega que não foi possível efetuar a cobrança enquanto o pai era vivo e que a herança que os filhos receberam da avó paterna (por representação de seu pai) deve pagar a dívida.

Referida ação foi julgada procedente em 1ª instância. Muito embora os filhos tenham recorrido, a conclusão acabou sendo mantida no julgamento de recurso de apelação, pelo Tribunal de Justiça de Goiás.

Inconformados com a decisão, os filhos interpuseram recurso especial, afirmando a existência de violação dos arts. 6º, 1.792, 1.851 e 1.997 do CC/2002 e 597 do CPC/1973, bem como dissídio jurisprudencial. Isso porque o pai pré-morto nunca recebeu o quinhão hereditário de sua mãe e faleceu sem deixar bens.

Portanto, a herança nunca integrou o patrimônio do pai, sendo impossível responsabilizar esse patrimônio pelas suas dívidas.

Nas palavras do Ministro Relator Marco Aurélio Bellizze “a herança por representação tem clara finalidade de reparar o mal sofrido pelos filhos em razão da morte prematura de seus pais, viabilizando, por convocação exclusivamente legal, que os netos, em linha reta descendente, ou os sobrinhos, em linha colateral descendente – também denominada linha transversal – possam vir a participar da herança dos avós ou tios, conforme o caso.”. 

Dessa forma, a procedência da referida ação acabaria fazendo com que o patrimônio dos filhos respondesse por uma dívida de outra pessoa, motivo pelo qual o recurso especial foi conhecido, provido e a ação monitória extinta.


4.     Conclusão

Ante toda a análise feita, inegável a importância do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça acerca dessa temática. Esclarecer e pontuar esse assunto no direito sucessório garante à matéria uma coerência imprescindível.

O não reconhecimento e provimento do referido recurso especial acabaria por manter a procedência da ação e, consequentemente, abriria precedente para que outras pessoas pudessem satisfazer seu crédito dessa mesma forma.

Se por um lado leva-se em conta o direito daquele que não terá a dívida paga, por outro, deve-se analisar o direito daquele que não tem conhecimento da dívida e poderia ser condenado a arcar com um custo que não lhe pertence.


5.   Referências Bibliográficas

GAGLIANO, Pablo Stolke; FILHO, Rodolfo Pamplona. Manual de Direito Civil. Volume Único. Editora Saraiva, 09/01/2017.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito das Sucessões. 7ª Edição. Editora Saraiva, 2013.

http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunicação/noticias/Noticias/Heranca-recebida-diretamente-dos-avos-não-é-atingida-por-dividas-do-pai-pré-morto - Acesso em: 23/11/2017

http://rafaeldemenezes.adv.br/assunto/Direito-das-Sucessões - Acesso em: 23/11/2107

Código Civil: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm - Acesso em 23/11/2017

Sobre a autora
Lívia Gouvêa

Acadêmica de Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVÊA, Lívia. Herança recebida dos avós pode ser atingida por dívida do pai pré-morto?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6291, 21 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62381. Acesso em: 24 nov. 2024.

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