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Teoria do risco aplicada à responsabilidade civil do Estado: risco administrativo ou integral

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O presente artigo tem por objetivo explorar as modalidades de responsabilidade civil do Estado, abordando as teorias adotadas pelo ordenamento jurídico pátrio.

RESUMO: O presente estudo tem por objetivo explorar as modalidades de responsabilidade civil do Estado, abordando as teorias adotadas pelo ordenamento jurídico pátrio, e qual delas é aplicada ao Poder público, sendo que para cada ato praticado uma teoria será aplicada.

A responsabilidade civil do Estado, também conhecida com responsabilidade aquiliana, ocorrerá sempre que este causar algum dano a um particular seja por sua ação, omissão, comportamentos lícitos ou ilícitos, se responsabilizando ainda pelos atos praticados por seus agentes públicos e prestadores de serviços em exercício de função pública.

Será abordado ainda as excludentes e atenuantes do dever de indenizar do Estado, pois elas podem gerar hipóteses de afastamento ou até possível mitigação da responsabilidade civil do Estado.

PALAVRAS-CHAVE: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO, TEORIA DO RISCO, DANO, RESPONSABILIDADE OBJETIVA.

ABSTRACT:The present study aims to explore the modalities of civil liability of the State, addressing theories adopted by the legal order of the country, and which one is applied to the public power, and for each act performed a theory will be applied.

The civil responsibility of the State, also known with an aquilian responsibility, will occur whenever this cause some damage to a private individual either by its action, omission, licit or illegal behaviors, being also responsible for the acts practiced by its public agents and service providers in exercise of public function.

The exclusionary and attenuating of the obligation to indemnify the State will also be addressed, since they may generate hypotheses of remission or even possible mitigation of the civil responsibility of the State.

KEY WORDS: CIVIL LIABILITY OF THE STATE, THEORY OF RISK, DAMAGE, OBJECTIVE RESPONSIBILITY.


INTRODUÇÃO

O Estado pode ser definido como a pessoa jurídica de direito público mais importante do ordenamento jurídico, e tem como objetivo principal atingir o bem comum, onde os interesses coletivos sobressaem aos individuais, para alcançar sua finalidade são atribuídos a ele diversos poderes, deveres e responsabilidades, no intuito de materializar os direitos positivados na Constituição garantindo assim os direitos e garantias dos cidadãos.

Neste contexto, é de suma importância o estudo da responsabilidade civil do estado e sua extensão, pois está intimamente conjugado aos serviços atribuídos a ele, e normalmente é neste dever de prestação de serviços que acaba por expor os indivíduos ao risco, seja através da ação ou omissão de seus agentes e prestadores de serviços públicos.

Dito isto, sempre que houver atos lícitos ou ilícitos que gerem danos a um particular, haverá o dever de reparar o dano, esta forma de garantia é denominada de Responsabilidade Civil Extracontratual, e vem para limitar as condutas lesivas, garantindo assim os direitos patrimoniais e extrapatrimoniais dos indivíduos.

Apesar de suas peculiaridades, com o Estado não acontece diferente, e este responde de forma objetiva, pois a própria lei dispensa a discussão do elemento culpa com base na teoria do risco, onde caracteriza que a própria atividade desempenhada pelo Estado implica na exposição de bens ao risco, e por este motivo a condenação do Estado independe de culpa, ou seja, serão observados apenas os outros elementos fundamentais para caracterizar a responsabilidade civil, quais seja conduta, nexo de causalidade e dano/prejuízo.

A adoção da Teoria do risco administrativo de certa forma é uma proteção ao cidadão perante o Estado, que por sua supremacia já se presume que em vários aspectos é privilegiado, e quando aplicada a responsabilidade objetiva para o Estado, se iguala os polos, garantindo uma distribuição igualitária dos ônus e encargos, tirando assim o poder público da zona de conforto e garantindo uma prestação de serviço público eficaz para os cidadãos.  Apesar disto ainda é possível encontrar situações onde o Estado viola direitos de outrem por sua ação ou omissão, direta ou indireta sem que haja a reparação.

Além disto, quando não for possível demonstrar o nexo causal entre a conduta do Estado e o dano causado, recairão as hipóteses de excludentes da responsabilidade civil estatal quando houver culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior, ou atos de terceiros.

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Serão ainda discutidas, breves considerações sobre a Teoria do risco integral.


I– NOÇÕES GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL OU AQUILIANA

Sob um ponto de vista de um Direito Civil Constitucional, as leis foram criadas para impor a coletividade certos deveres jurídicos, limitando assim as condutas lesivas, no intuito de garantir os direitos patrimoniais e extrapatrimoniais dos indivíduos.

A principal função da responsabilidade civil é garantir o retorno da situação anterior à lesão, o que é facilmente alcançado quando se tratam de direitos patrimoniais, já que estes são disponíveis por natureza, negociáveis e alienáveis. Quando se tratam de direitos extrapatrimoniais a situação tende a ser diferente, e com maior dificuldade para recomposição por se tratarem de direitos que atingem a esfera subjetiva do indivíduo e são insuscetíveis de valoração pecuniária, afetam os direitos indisponíveis e fundamentais, a exemplo os direitos à personalidade, à honra, à dignidade, à imagem, à liberdade de alguém.

Nesta senda, assevera-se que a vítima é o personagem principal da responsabilidade civil, e tem seus interesses preservados, daí o porquê da necessidade de indenizar todos os danos suportados por esta, seja ele material, moral, estético e outros.

Assim, sempre que houver transgressão as normas através de atos ilícitos, haverá a recomposição dos direitos lesados, que se dará através da reparação dos danos, reparação esta que recairá sobre o patrimônio do agressor, esta forma de garantia é denominada de Responsabilidade Civil Extracontratual, que será a estrutura a ser estudada na presente pesquisa.

A responsabilidade civil extracontratual poderá ser dividida em subjetiva e objetiva, tradicionalmente no Direito Civil a responsabilidade era caracterizada como sendo subjetiva, pois nesta deveria se provar que a ocorrência da conduta comissiva/omissiva causadora do dano decorreu de culpa do agressor, o que era conhecido como Responsabilidade subjetiva por culpa provada.

A responsabilidade civil extracontratual subjetiva depende dos seguintes elementos:

DOLO: Violação intencional de algum dever jurídico.

CULPA: Art. 18, inciso II do CP – “Quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”.

IMPRUDÊNCIA: O sujeito adota um comportamento positivo, sem observar os cuidados necessários.

IMPERÍCIA: Falta de conhecimento técnico para exercício de determinada atividade profissional.

IMPRUDÊNCIA: comportamento omissivo, sem a observância do dever de cuidado.

Diante da dificuldade da vitima na produção da prova da culpa do agressor, a legislação começou a ser alterada, pois era notório que algumas situações eram potencialmente causadoras de dano. A partir de então, começou a ser aplicada a inversão do ônus da prova na responsabilidade subjetiva, contudo a culpa passou a ser presumida até que se prove o contrário.

Ao passo que foram surgindo hipóteses de responsabilidade objetiva, que é aquela que independe de culpa, ou seja, a produção de prova de culpa é dispensada, o que acaba por beneficiar a vítima que só precisará comprovar que a conduta do agressor gerou dano/prejuízo a ela.


II – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

A responsabilidade civil do Estado ocorrerá sempre que a conduta deste for capaz de gerar algum dano a outrem, momento em que haverá caracterizada a responsabilidade civil extracontratual, que neste caso será objetiva, na modalidade risco administrativo.

Apesar disto vale destacar o entendimento de Meirelles que prefere usar a expressão Responsabilidade Civil da Administração Pública:

Preferimos a designação responsabilidade civil da Administração Pública ao invés da tradicional responsabilidade civil do Estado, porque, em regra, essa responsabilidade surge de atos da Administração, e não de atos do Estado como entidade Pública. Os atos políticos, em principio não geram responsabilidade civil, como veremos adiante. Mais próprio, portanto, é falar-se em responsabilidade civil da Administração Publica do que em responsabilidade do estado, uma vez que é da atividade dos órgãos públicos, e não dos atos de governo, que emerge a obrigação de indenizar.

Dito isto, a responsabilidade civil do Estado ou da Administração pública será objetiva, pois a própria lei dispensa a discussão do elemento culpa com base na teoria do risco, onde caracteriza que a própria atividade desempenhada pelo Estado implica na exposição de bens ao risco, e por este motivo a condenação do Estado independe de culpa, ou seja, serão observados apenas os outros elementos fundamentais para caracterizar a responsabilidade civil, quais sejam, conduta, nexo de causalidade e dano/prejuízo.

Portanto, o Estado será responsabilizado a indenizar sempre que praticar atos ilícitos, ao desobedecer ao Princípio da legalidade, e também na prática de atos considerados lícitos, desde que estes causem danos a um particular.

Conforme art. 37, § 6º da CRRB os sujeitos da responsabilidade civil do Estado, serão todos aqueles considerados como pessoas jurídicas de direito público – União, estados, Distrito Federal, Municípios, Autarquias, Fundações Públicas de Direito público; e as de Pessoas jurídicas de direitos privados que prestem serviços públicos – Concessionárias de serviços públicos, empresas públicas, e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos.

Art. 37, § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.


III - TEORIAS SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

III. 1 – Teoria do risco

Entende-se por risco a probabilidade de ocorrência de um dano, através de um acontecimento incerto, entretanto nem todos os atos deveriam ser entendidos como risco, de modo a não banalizar esta teoria.

A teoria do risco foi adotada na legislação pátria, pela Constituição Federal, em seu art. 37, § 6º, pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Código Civil em seu artigo 927:

Art. 927 do CC. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187) causar dano a outrem fica obrigado a repara-lo.

Paragrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza risco para os direitos de outrem.

Art. 14 do CDC. O fornecedor de serviços responde independentemente da culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre fruição e risco.

III. 2 – Teoria do risco administrativo

A Teoria do risco administrativo é adotada para fundamentar a responsabilidade civil do Estado. Nela o risco administrativo se caracteriza pela necessidade de proteção ao particular, para que este não suporte o dano advindo de atividades destinadas ao interesse da coletividade, como por exemplos as atividades inerentes ao Estado e seu agentes.

Compartilha deste entendimento e tece comentários a respeito Yussef Cahali:

Em outros termos, a responsabilidade implica a assunção de responsabilidades pelo risco criado pelas atividades impostas ao órgão público; ao nível da responsabilidade objetiva – e, consequentemente, da teoria do risco criado pela atividade administrativa, descarta-se qualquer indagação em torno da falha do serviço ou culpa anônima da Administração. (2012, p. 33)

De acordo com esta teoria não há a necessidade de provar a responsabilidade do Estado, ou do agente estatal, apenas demonstrar o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano/ experimentado.

O que é explicado com clareza por Yussef Cahali:

A responsabilidade objetiva tende a se bastar com o simples nexo de causalidade material, eliminada a perquirição de qualquer elemento psíquico ou volitivo; a aceitação incondicionada da teoria da responsabilidade objetiva, bastando-se com a identificação do vínculo etiológico – atividade do Estado, como causa e dano sofrido pelo particular, como consequência. (2012, p. 30).

Corroborando com isto, pode se dizer que a própria legislação consumerista em seu artigo 20 traz o entendimento de que grande parte dos serviços prestados pela Administração Pública podem ser entendidos como relação de consumo.

Art. 20 Os órgão públicos, por si só ou por suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Portanto, fica claro que o CDC de forma expressa detalha a responsabilidade da Administração Pública, assim como de todos os órgãos a ela relacionados. Findando assim com o estigma da responsabilidade mitigada, submetendo o “ESTADO” a responsabilização civil por seus atos que de alguma forma venha a lesar direito de outrem.

Conforme entendimento de BANDEIRA DE MELLO a aplicação da responsabilização do Estado é uma forma clara de demonstrar igualdade entre as pessoas, sejam elas de direito público ou privada, todas se submetem a mesma legislação.

a ideia de responsabilidade do Estado é uma consequência lógica e inevitável da noção de Estado de Direito. A trabalhar-se com categorias puramente racionais, dedutivas, a responsabilidade estatal é simples corolário da submissão do Poder Público ao Direito. (2014, p. 1017).

Diante disto,  diversas condutas poderiam ensejar reparação objetiva do Estado e para melhor ilustrar algumas delas citem-se a respeito algumas decisões proferidas nos tribunais pátrios:

APELAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. MORTE DE DETENTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. Conduta, dano e nexo causal presentes. Ação indenizatória movida pelos filhos do detento. Jurisprudência consolidada no STF e STJ. Óbito ocorrido em razão de ter o pai dos autores tomado choque elétrico dentro de sua cela no Centro de Detenção Provisória, enquanto retirava os lençóis da cama para lavar. Falecido que sequer deveria estar detido à época dos fatos, posto que deveria estar em cumprimento de regime aberto há cerca de um ano. Estado que tem o dever de proteger as pessoas sob sua custódia. Falha grave no serviço público, a ensejar a responsabilidade do Estado. Ademais, inteligência do art. 5º, LXXV, da CF. Indenização pelos danos morais devida em razão da morte do pai. Valor fixado em R$ 46.500,00 para a unidade familiar. Pensão mensal devida. Filhos menores. Presunção de dependência econômica. Juros de mora calculados conforme a Lei 11.960/09. Correção monetária pela Tabela Prática do TJSP. Juros de mora sobre a verba honorária fixada em quantia certa (R$ 2.500,00) incidentes a partir do trânsito em julgado da decisão que a arbitrou. Parcial procedência. Recurso e reexame necessário providos em parte. (TJ-SP 00008054820118260363 SP 0000805-48.2011.8.26.0363, Relator: Marcelo Semer, Data de Julgamento: 21/08/2017, 10ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 22/08/2017)

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANO MORAL - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO-ABORDAGEM POLICIAL DESARRAZOADA E VIOLENTA - ABUSO DE PODER - CONFIGURADO - DEVER DE INDENIZAR 1. Para se configurar a culpa objetiva do Estado, nos termos da art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988, há que se demonstrar o nexo de causalidade entre o evento danoso e conduta abusiva do agente público. 2. Demonstrada a ocorrência de abordagem policial desarrazoada e violenta, que constitui ato ilícito, torna-se cogente a obrigação de indenizar por dano moral, cujo valor deve ser arbitrado com proporcionalidade e razoabilidade 3. Recurso parcialmente provido. (TJ-MG - AC: 10453110001188001 MG, Relator: Magid Nauef Láuar (JD Convocado), Data de Julgamento: 07/12/2016, Câmaras Cíveis / 8ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 24/01/2017)

Entretanto, existem limites para a responsabilidade do Estado, limites estes que são inseridos taxativamente em hipóteses em que o dano for decorrente de caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima ou atos de terceiros.

  1. Caso fortuito/ força maior: Alguns autores entendem que a força maior decorre de fenômenos naturais, enquanto o caso fortuito seria decorrente de ação humana.
  2. Culpa exclusiva da vítima: Ocorre quando a vítima der causa ao dano, desta forma afastando a responsabilidade do Estado. Contudo quando a culpa for concorrente não haverá exclusão da responsabilidade do Estado, e sim a atenuação.
  3. Ato de terceiros: Quando o prejuízo for atribuído à pessoa estranha a Administração Pública.

Dito isto, sempre que ocorrer alguma dessas hipóteses haverá a exclusão da responsabilidade do Estado. No caso de atos de terceiros, o Estado só se responsabilizará se ficar comprovada sua culpa.

Sobre as autoras
Giselle Siqueira

Estudante de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo apresentado ao Curso de Direito da Faculdade Pitágoras .Orientador: Felipe Bartolomeo

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