2 - DO DANO EXISTENCIAL NAS RELAÇÕES DE EMPREGO
2.1 Conceito de Dano e a Concepção do Dano Existencial
O termo “dano” vem do latim dagnum, que é utilizada para se referir a um mal ou prejuízo causado a algo ou alguém, levando a uma diminuição ou depreciação e afetando seu estado. Por muito tempo, o termo foi visto de maneira limitada às perdas patrimoniais sofridas em decorrência de um ato antijurídico cometido por outrem.
Essa perspectiva patrimonialista não corresponde integralmente ao entendimento defendido pela expressão acima exposta, como se conhece atualmente, pois sintetizava os danos a prejuízos econômicos e, com isso, não englobava os prejuízos que não fossem materialmente calculáveis.
Considerando-o em sua visão mais ampla, Sérgio Cavalieri Filho conceitua o dano como:
A subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem a liberdade etc. (CAVALIERI FILHO, 2004, p. 89)
Em mesmo sentido segue Pablo Stolze Gagliano (2010), o qual define dano como lesão a um interesse juridicamente tutelado, seja ele patrimonial ou não, causado por ação ou omissão do sujeito ofensor, incidindo não somente sobre o patrimônio palpável, mas também nos direitos da personalidade.
Tendo em conta o previsto na Constituição Federal de 1988, não seria possível tratar de dano apenas no que se refere ao patrimônio da vítima, haja vista o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, a qual é vinculada de forma indissociável dos direitos da personalidade, pelo que se infere que um mal causado diretamente à pessoa deve ser tutelado, tal como o é um prejuízo econômico.
Destarte, os prejuízos não se dão apenas no âmbito patrimonial dos indivíduos, mas também em direitos que não estimam valores econômicos, tais como no dano moral, no dano à imagem, no dano à saúde e no dano existencial, todos exemplos de lesões à esfera extrapatrimonial.
Dentre os exemplos de lesão extrapatrimonial inclui-se o dano existencial. Sua concepção teve início no Direito Italiano e passou a ganhar importância após várias decisões judiciais naquele país que reconheceram a sua existência, sendo reconhecido posteriormente também pela doutrina.
O debate sobre o tema pelos italianos demonstrou ser de inegável importância para o direito, pois se admitiu a existência de um novo tipo de dano, diferenciando-o dos demais, que antes eram agrupados apenas sob a égide de “dano moral”, fazendo com que outros países adotassem o mesmo posicionamento jurídico.
A expressão “dano existencial” foi concebida pelos professores italianos Patrizia Ziviz e Paolo Cendon, que, após estudos sobre os danos biológicos (ou danos à saúde), concluíram que nem todos os prejuízos sofridos deveriam ser reunidos sob a mesma denominação, diferenciando, desta forma, os danos existenciais dos danos biológicos.
Na década de 1970, a jurisprudência Italiana passou a entender de que o direito à saúde é um direito fundamental, sendo passível de indenização qualquer dano à saúde do indivíduo. Segundo esse novo entendimento, haveria a possibilidade de se indenizar danos decorrentes de ilícitos civis, indenização esta, possível à época, apenas em razão de ilícitos penais.
Consequentemente, foi reconhecido pelos tribunais os chamados danos biológicos, que passou, aos poucos, a abarcar não só a ofensa à integridade física, mas também psicológica, à vida de relação bem como a todo tipo dano que pudesse ser contextualizado como tal.
Sobre esse entendimento da jurisprudência italiana, a Juíza do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, Marcia Novaes Guedes (2008, p. 129) concorda com a nova interpretação constitucional e o reconhecimento do dano existencial:
Partindo de uma interpretação dada pela Corte Constitucional italiana, podemos afirmar o seguinte: se entendemos que a Constituição é garantia dos valores fundamentais da pessoa humana, as demais normas de tutela dos ainda chamados direitos da personalidade devem estar em perfeita harmonia com os artigos da Carta fundamental (que tutela referidos direitos), portanto devem ser lidos de modo idealmente idôneo a compensar o sacrifício que os mesmos sofrem por causa de ato ilícito. Dessa forma, as normas de tutela de responsabilidade civil devem ser interpretadas de modo a abarcar não apenas o dano patrimonial e moral, mas também todos os danos potencialmente capazes de obstaculizar a atividade realizadora da pessoa humana enquanto pessoa mesma. Em consequência dessa interpretação surge o dano existencial, como categoria geral do dano não patrimonial.
Sobre o reconhecimento do dano biológico e a necessidade de se reconhecer um novo dano, Flaviana Rampazzo Soares (2009, p. 42) faz a seguinte observação:
Da análise da doutrina e da jurisprudência italianas, é possível perceber certa vacilação quanto à nomenclatura, principalmente quanto ao que exatamente estaria abrangido no conceito de dano biológico. Conforme dito, inicialmente, a jurisprudência lançou, como integrantes do dano biológico, todos os danos que não eram enquadrados na regra do art. 2.043 do Código Civil italiano, o que gerou uma abrangência enorme ao referido tipo de dano, o qual englobava as alterações do aspecto exterior e morfológico da pessoa; as reduções de eficiência psicofísica da pessoa, a alteração na capacidade social da pessoa (vida de relação); a redução da capacidade de trabalho em geral e da perda de oportunidade de trabalho em razão do dano. Aos poucos, percebeu-se que nem todos os interesses imateriais da pessoa que fossem atingidos negativamente eram danos morais e não poderiam, igualmente, ser considerados como danos biológicos.
No ano de 1999, o Tribunal de Milão decidiu que os prejuízos à vida de relação não são classificados como dano biológico, caso não resulte agravo na saúde do indivíduo, mas apenas cause prejuízos às atividades normais da pessoa.
Finalmente, entenderam os italianos, que “o rol de atividades da vida de relação que podem ser afetadas, negativamente, é amplo, e concluíram que tais danos são os que atingem a existência humana” (SOARES, 2009, p. 44).
A partir dessas conclusões, esse novo dano passou a ser denominado “dano existencial”. A doutrinadora Flaviane Rampazzo Soares foi pioneira em trazer seu conceito do Direito Italiano para o Direito Brasileiro e, devido a inquestionável relevância do tema, vários doutrinadores brasileiros passaram a abordar o tema. Conforme ensina Marcia Novaes Guedes (2008, p. 128):
Entende-se por dano existencial o conjunto de repercussões de tipo relacional marcando negativamente a existência do sujeito que é obrigado a renunciar às específicas relações do próprio ser e da própria personalidade.
Explica a doutrinadora Flaviana Rampazzo Soares:
O dano existencial é a lesão ao complexo de relações que auxiliam no desenvolvimento normal da personalidade do sujeito, abrangendo a ordem pessoal ou a ordem social. É uma afetação negativa, total ou parcial, permanente ou temporária, seja a uma atividade, seja a um conjunto de atividades que a vítima do dano, normalmente, tinha como incorporado ao seu cotidiano e que, em razão do efeito lesivo, precisou modificar em sua forma de realização, ou mesmo suprimir de sua rotina. O dano existencial se consubstancia como visto, na alteração relevante da qualidade de vida, vale dizer, em um ―ter que agir de outra forma‖ ou em um ―não poder mais fazer como antes‖, suscetível de repercutir, de maneira consistente, e, quiçá, permanente sobre a existência da pessoa. Significa, ainda, uma limitação prejudicial, qualitativa e quantitativa, que a pessoa sofre em suas atividades cotidianas. Isso vale tanto para pessoas físicas como para jurídicas. […] O dano existencial acarreta um sacrifício nas atividades realizadoras da pessoa, ocasionando uma mudança na relação da pessoa com o que a circunda (SOARES, 2009, p. 44-45).
O dano existencial é considerado uma espécie de dano extrapatrimonial ou imaterial e basicamente se divide em danos ao projeto de vida e danos a vida de relação. O projeto de vida é o plano que se traça calcado na razoabilidade para se atingir os objetivos a que se propõe o indivíduo, cujas principais áreas abrangidas são divididas com vistas à saúde física, espiritual, intelectual, familiar, social, financeira e profissional. Já a vida de relação ou o convívio social e familiar é a interatividade da pessoa com a coletividade, estabelecendo relacionamentos sociais com outras pessoas e integra a esfera existencial humana, muito ligada à independência do ser.
Nota-se que o dano existencial se evidencia pela privação injusta do indivíduo de realizar projetos que normalmente faria, como: praticar esportes; dedicar-se aos estudos; manter uma vida em família, etc. Não é todo dano à existência da pessoa que pode ser considerado dano existencial. Para tanto, o dano deve ser injusto, e que frustre um projeto de vida e a vida de relação da pessoa de uma forma significante.
Por fim, o conceito do dano existencial possui pouca repercussão no direito brasileiro, mas tem sido objeto de estudo por alguns doutrinadores que defendem a possibilidade de indenização diante da inobservância dos direitos e garantias constitucionais e de todas as situações prejudiciais à própria existência do trabalhador.
2.2 O Dano Existencial e Outras Modalidades de Dano
Durante muito tempo na história da responsabilidade civil o dano imaterial ou extrapatrimonial foi reduzido ao termo dano moral, abarcando assim, sob a mesma nomenclatura, uma infinidade de danos e prejuízos.
Por isso, antes de dar inicio à distinção entre os institutos que nomeiam este tópico, é necessário informar que o dano moral aqui tratado se refere à espécie do gênero dos danos extrapatrimoniais, e não ao seu lato sensu, relativo aos danos que não afetam o patrimônio, tal qual trivialmente se observa na doutrina.
Esclarecido este ponto, abordar-se-á em seguida as diferenciações entre dano existencial e outras modalidades de dano.
Dano existencial e Dano moral
Ao contrário do dano existencial, o conceito de dano moral encontra-se consolidado na doutrina e legislação pátria, inclusive com previsão de indenização na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º:
Artigo 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
[...]
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. (BRASIL, 1988)
A reparação do dano moral também está prevista no Código Civil de 2002:
Artigo 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
[...]
Artigo 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. (BRASIL, 2002).
Segundo os ensinamentos de Pablo Stolze Gagliano, o dano moral:
[...] consiste na lesão de direito cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras, podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos de personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente. (GAGLIANO, P. 55)
O dano moral e o dano existencial são danos imateriais, porém são diferentes entre si, porque o primeiro diz respeito ao íntimo da pessoa, afetando seu ânimo psíquico, moral e intelectual, seja por ofensa à sua honra, na sua privacidade, intimidade. Já o segundo afeta a vida cotidiana da vítima, seja em seu espaço individual ou no relacionamento com outras pessoas, impossibilitando-a de realizar atividades que outrora realizava, como lazer, prática de esportes, tarefas domésticas, etc.
A jurisprudência, acompanhando o entendimento doutrinário, tem feito essa diferenciação entre dano moral e existencial em seus julgados:
RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. DANO EXISTENCIAL. SUBMISSÃO A JORNADA EXTENUANTE. PREJUÍZO NÃO COMPROVADO. O dano existencial é espécie de dano imaterial. No caso das relações de trabalho, o dano existencial ocorre quando o trabalhador sofre dano/limitações em relação à sua vida fora do ambiente de trabalho em razão de condutas ilícitas praticadas pelo empregador, impossibilitando-o de estabelecer a prática de um conjunto de atividades culturais, sociais, recreativas, esportivas, afetivas, familiares, etc., ou de desenvolver seus projetos de vida nos âmbitos profissional, social e pessoal. Não é qualquer conduta isolada e de curta duração, por parte do empregador, que pode ser considerada como dano existencial. Para isso, a conduta deve perdurar no tempo, sendo capaz de alterar o objetivo de vida do trabalhador, trazendo-lhe um prejuízo no âmbito de suas relações sociais. Na hipótese dos autos, embora conste que o Autor se submetia frequentemente a uma jornada de mais de 15 horas diárias, não ficou demonstrado que o Autor tenha deixado de realizar atividades em seu meio social ou tenha sido afastado do seu convívio familiar para estar à disposição do Empregador, de modo a caracterizar a ofensa aos seus direitos fundamentais. Diferentemente do entendimento do Regional, a ofensa não pode ser presumida, pois o dano existencial, ao contrário do dano moral, não é "in re ipsa", de forma a se dispensar o Autor do ônus probatório da ofensa sofrida. Não houve demonstração cabal do prejuízo, logo o Regional não observou o disposto no art. 818 da CLT, na medida em que o Reclamante não comprovou o fato constitutivo do seu direito. Recurso de Revista conhecido e provido. (TST-RR 14439420125150010, Relatora Maria de Assis Calsing, Data de julgamento 15/04/2015, Quarta Turma, Data de publicação DEJT 17/04/2015).
RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE. JORNADA DE TRABALHO EXAUSTIVA. DANO MORAL. DANO EXISTENCIAL. REPARAÇÃO
DEVIDA. A limitação da duração do trabalho constitui-se exigência que surge como medida de higidez e segurança, com vistas a preservar a saúde física e psíquica do trabalhador. O dano extrapatrimonial, sob a modalidade dano existencial, deve ficar restrito a situações extremamente graves, nas quais demonstrado que o trabalhador sofreu severa privação em virtude da imposição de um estilo de vida que represente impossibilidade de fruição de direitos de personalidade, como o direito ao lazer, à instrução, à convivência familiar, o que restou caracterizado no caso concreto, em face da jornada de trabalho extenuante a que a autora estava submetida, inclusive em três domingos por mês, sem a fruição de intervalo intrajornada. Apelo da reclamante provido, para condenar a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais, fixada em R$10.000,00 (dez mil reais), ante a necessidade de que a reparação possua, também, caráter pedagógico, tendente a evitar práticas de mesma natureza por parte da empregadora. RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. INTERVALO INTRAJORNADA. CONCESSÃO PARCIAL. A supressão parcial do intervalo intrajornada confere à empregada o direito ao pagamento do tempo integral da pausa prevista no art. 71 da CLT. O intervalo mínimo legal constitui-se medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública, de maneira que a empregadora somente se desincumbe da obrigação legal quando assegura à trabalhadora o período mínimo previsto em lei, o que, no caso, não ocorreu, conforme arbitramento realizado na sentença. Apelo negado. TRT-4 - RO: 00002531120135040029 RS 0000253-11.2013.5.04.0029, Relator: ALEXANDRE CORRÊA DA CRUZ. Data de Julgamento: 15/05/2014, 29ª Vara do Trabalho de Porto Alegre.
Realizada a diferenciação entre os institutos, é importante ressaltar a possibilidade de ocorrência de ambos os danos de forma concomitante. Embora distintos, existem situações em que uma só conduta lesiva pode causar mais de uma espécie de dano ao ofendido. A título de exemplo, pode ser citado o caso em que, na duração da relação de emprego, o patrão dispense tratamento desrespeitoso com uma empregada, causando-lhe abalos psicológicos instantâneos (dano moral) que a atinjam de forma permanente, influenciando negativamente nas suas relações sociais com o círculo de pessoas que a circunda (dano existencial).
Em situações que se constatar a ocorrência, derivadas da mesma conduta, de ambas as espécies de dano ora tratadas, é perfeitamente possível que haja a cumulação. É o que se interpreta de maneira analógica da Súmula número 37 do Superior Tribunal de Justiça que prevê: são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.
Dano existencial e a perda de uma chance
A teoria da perda de uma chance (perte d’une chance), de natureza patrimonial, teve origem na doutrina francesa, na década de 60, e ocorre quando o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de se obter uma situação futura melhor. É caracterizada quando, em virtude da conduta de outra pessoa, não há mais a probabilidade da ocorrência de um evento que possibilitaria que a vítima tivesse um futuro melhor, como ascensão da carreira, conseguir um emprego mais atrativo, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável por causa do advogado, etc. (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 81).
Conforme entende a doutrina, a perda de uma chance faz com que a pessoa sinta-se frustrada pela privação da oportunidade futura, que poderia ocorrer não fosse a situação danosa. Deve-se levar em conta que essa chance futura não pode ser fantasiosa ou desprovida de realidade, deve ser dentro da normalidade dos padrões da vítima.
Não se deve confundir o dano existencial com a perda de uma chance, conforme ensina Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho e Rúbia Zanotelli de Alvarenga:
A distinção a ser feita entre o dano existencial e a perda de uma chance parte da premissa de que, nesta se perdeu uma oportunidade concreta e se sofreu um prejuízo quantificável, a partir da probabilidade de êxito no desiderato frustrado, e naquele o que deixou de existir em decorrência foi direito a exercer uma determinada atividade e participar de uma forma de convívio inerente à sua existência, que não pode ser quantificado, nem por aproximação, mas apenas arbitrado. As duas figuras podem, eventualmente, ser cumuladas. Imaginemos o exemplo de um maratonista de alto nível que sofre um acidente de trabalho que o impossibilita de correr para o resto de sua vida às vésperas de uma corrida cuja premiação era de R$50.000,00 (cinquenta mil reais). Nesse caso se está diante de hipóteses de dano moral, existencial e perda de uma chance. O dano moral pela frustração, pelo dissabor e pela dor provocada pelo ocorrido, a perda da chance de aumentar o patrimônio em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), decorrente da não participação da corrida, o dano existencial por não mais poder se dedicar a essa atividade esportiva. (2013, online)
Constata-se, então, que o dano existencial se distingue da perda de uma chance, pelo fato desta se basear em um nexo de certeza e probabilidade de um ganho futuro e quantificável; já aquele, como já dito, se refere aos projetos da vítima que iriam ocorrer ou estariam ocorrendo, não fosse o evento danoso, cuja aferição econômica não pode ser calculada.
Dano existencial e o Dano à saúde
O conceito do dano à saúde ou dano biológico surgiu na Itália na década de setenta, com diversos pronunciamentos judiciais que passaram a tutelar a saúde da pessoa, admitindo ainda a possibilidade de sua reparação. Essas decisões tinham como base o art. 32 da Constituição Italiana5, que foi interpretado da seguinte forma: como o referido artigo garantia o direito à saúde como direito fundamental do cidadão, se a sua integridade física fosse lesada, o entendimento era de que estaria sendo ferido o próprio direito subjetivo constitucional à saúde (SOARES, 2009, p.108).
O dano à saúde de que tratava os tribunais italianos passou a abranger não só o dano físico, mas também a integridade psicológica. Ensina Flaviana Rampazzo Soares (2009, p. 109) que o dano biológico “supõe um prejuízo que pode atingir a pessoa em sua esfera física ou psíquica” e ainda “decorre da ofensa à integridade da pessoa, transitória ou permanente, total ou parcial” com consequências materiais ou imateriais.
A legislação brasileira traz no Código Civil de 2002, em seu artigo 949, o direito à indenização pelo dano à saúde:
Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido. (BRASIL, 2002)
Não se pode confundir o dano biológico e o dano existencial, embora ambos serem exemplos de danos à pessoa, porque o primeiro diz respeito às lesões físicas e psíquicas da pessoa, em um aspecto médico-legal, enquanto o segundo versa sobre o que a pessoa faz em seu cotidiano, as tarefas que faz ou deixa de fazer, ou mesmo as que tinha planejado fazer antes da lesão. (SOARES, 2009, p. 111)
Porém, o dano biológico pode causar um dano existencial ou vice-versa, configurando dessa forma um dano anexo.
Flaviana Rampazzo Soares (2009, p. 110) cita o exemplo do dano físico, que pode prejudicar a prática de tarefas rotineiras, causando assim um dano existencial, ao passo que “a afetação negativa das relações interpessoais, de onde emergem os parâmetros fundamentais do desenvolvimento mental e patológico da personalidade, pode gerar um dano psíquico ou psicológico”.
2.3 O Reconhecimento do Dano Existencial no Direito do Trabalho
A concepção do dano existencial foi trazida do Direito Italiano para o Direito Brasileiro, tendo sido aceita pela jurisprudência e doutrina, as quais encontraram fundamentos para a caracterização da ocorrência do dano na própria Constituição Federal de 1988, a qual prevê: princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III); direito à liberdade (art. 5º, caput); direito da proteção à família (artigos 226 e 227) e também no princípio da indenização por danos causados (artigo 5º, incisos V e X).
Os direitos trabalhistas foram tratados como fundamentais pela Constituição Federal de 1988, bem como os direitos sociais, os quais visam garantir ao trabalhador uma existência digna. Em relação aos direitos sociais, assim prevê o art. 6º da Constituição Federal de 1988:
São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988).
A ocorrência do dano existencial no âmbito trabalhista pode se dar de diversas formas, como longas e extenuantes jornadas de trabalho (ainda que pagas as horas extraordinárias); não concessão de férias; acidentes de trabalho; ocorrência de doenças laborais; trabalho análogo ao de escravo; etc. Essas são situações que afetam o projeto de vida e a vida de relação do trabalhador.
Sobre a ocorrência do dano existencial na relação de trabalho, ensina Sônia Mascaro Nascimento que esta pode se dar:
[...] pela não concessão de férias por um longo período, pela sobrecarga de horas extras além do limite legal de forma habitual, tudo de modo a causar um prejuízo concreto no modo de vida da pessoa (prejuízo à saúde psíquica) e/ou a um projeto de vida (exemplifique-se com o trancamento da faculdade por não conseguir comparecer as aulas) e/ou prejuízo concreto no convívio familiar (exemplifique-se com um divórcio por estar sempre ausente do meio familiar) (NASCIMENTO, 2014)
Como será visto adiante, a doutrina veio enumerando as diversas formas que o dano existencial pode ocorrer no Direito do Trabalho, e também a possível responsabilidade do empregador, que deve ser comprovada para a caracterização da ocorrência do dano existencial. As potenciais situações geradoras de dano existencial serão vistas em tópico específico, porém citando à título de exemplo, o doutrinador Kleber Henrique S. Afonso (2014, p. 280) relaciona algumas possibilidades de ocorrência do dano decorrente da relação de trabalho:
I. Acidente de trabalho com vítima de lesão física e morte;
II. Não recolhimento do INSS que frustra a aposentadoria do trabalhador;
III. Meio ambiente de trabalho insalubre que acarrete lesão;
IV. Meio ambiente de trabalho degradante e sem condições mínimas;
V. Trabalho análogo ao de escravo;
VI. Jornada excessiva habitual e sem permissão de intervalos semanal, entre jornadas e anual e que priva a vida de relação, os direitos sociais;
VII. Assédio moral com traumas psicológicos;
VIII. Assédio sexual com traumas psicológicos;
IX. Entre outras que podem surgir durante o contrato de trabalho, desde que frustre o projeto de vida e a relação do trabalhador, sob pena de ocorrer o dano moral simples que visa reparar a dor e ofensa ao espírito da pessoa.
Diante da inobservância dos direitos e garantias constitucionais e de todas as situações prejudiciais à própria existência do trabalhador é que surge a possibilidade de indenização por dano existencial.
2.4 Situações Potencialmente Geradoras de Dano Existencial
O dano existencial não ocorre unicamente nos vínculos trabalhistas, porém neste liame existe um componente com alto potencial lesivo, o poder empregatício, que, em conjunto com a subordinação do empregado, caracteriza uma relação jurídica desproporcional, impondo ao elo mais fraco uma exposição maior a eventos danosos.
Serão analisadas algumas situações ligadas ao vínculo empregatício que possuem um alto potencial causador de dano existencial, seja no tocante ao projeto de vida ou à vida de relação.
Jornada de trabalho excessiva
As longas jornadas de trabalho é uma das situações mais causadoras de dano existencial. É um tema muito discutido no âmbito trabalhista, devido ao grande número de violações aos direitos de intervalos, férias, descanso semanal remunerado e às diversas maneiras de interrupção e suspensão do contrato de trabalho. O doutrinador Mauricio Godinho Delgado assim conceitua a jornada de trabalho:
Jornada de trabalho é o lapso temporal diário em que o empregado se coloca a disposição do empregador em virtude do respectivo contrato. E, desse modo, a medida principal do tempo diário de disponibilidade do obreiro em face de seu empregador como resultado do cumprimento do contrato de trabalho que os vincula. A jornada mede a principal obrigação do empregado no contrato — o tempo de prestação de trabalho ou, pelo menos, de disponibilidade perante o empregador. (DELGADO, 2012, p.862)
A Constituição Federal de 1988 traz como regra em seu artigo 7º, inciso XIII, disposição que consagra a jornada de trabalho não excedente a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais.
O artigo 59 da CLT prevê que a jornada poderá ser acrescida, desde que não ultrapasse o limite de duas horas extraordinárias por dia, completando, assim, um patamar máximo de dez horas diárias, sendo que essas horas excedentes à jornada normal serão remuneradas em valor maior.
Antes de adentrar ao tema do tópico presente, vale informar que a reforma trabalhista, aprovada no dia 11 de julho pelo Senado Federal, muda a regra anterior do limite máximo de horas da jornada de trabalho. É um dos diversos pontos em que as leis trabalhistas serão alteradas. Essa mudança, assim como todas as outras previstas na reforma, começará a valer para todos os contratos atuais no Brasil a partir do momento em que entrar em vigor, no mês de novembro de 2017 (120 dias após a sanção do presidente Michel Temer, feita no dia 13 de julho do mesmo ano).
De acordo com a nova regra, as empresas poderão contratar trabalhadores para cumprir jornadas de 12 horas. No entanto, nesses casos, deverá haver obrigatoriamente um intervalo de 36 horas antes do retorno ao serviço. O limite máximo de horas trabalhadas para as jornadas semanais (44 horas) e mensais (220 horas) segue inalterado. A reforma não altera os limites máximos de jornada semanal e mensal previstos na Constituição Federal. Antes, o turno de 12 por 36 já existia, porém era necessário previsão em acordo coletivo da categoria.
Feita esta pertinente observação, voltemos a falar sobre as jornadas extenuantes de trabalho. Estas ocorrem frequentemente porque o trabalhador é a parte hipossuficiente na relação de trabalho e é obrigado a se submeter a elas, pois necessita do salário para sustentar a si e a sua família.
O desrespeito ao limite máximo permitido ao trabalhador para cumprir horas extras, previsto no art. 59, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho, ressalvado os casos do artigo 61 do mesmo dispositivo, pode ocorrer mesmo quando não há trabalho efetivo, como na hipótese em que empregado fica apenas à disposição do empregador.
No mês de junho do ano de 2013, o Tribunal Superior do Trabalho publicou decisão em que condenava o conglomerado estadunidense Walmart a pagar uma indenização sob o título de danos existenciais a ex-empregados que cumpriam jornada acima dos limites estabelecidos no ordenamento jurídico pátrio. No caso, um chefe de setor alegou que trabalhava todos os dias, exceto dois domingos por mês, durante pouco mais de cinco anos, em jornada de treze horas diárias.
Nesse caso, o empregado passou praticamente todos os dias durante cerca de cinco anos de vínculo com a empregadora, cumprindo jornada absurdamente excessiva, deixando-o sem o descanso necessário e em condições que favoreciam ao acometimento de acidentes de trabalho, além de comprometer totalmente a vida pessoal do indivíduo. Com essa rotina intensa de labor, não era possível ao trabalhador ter qualquer outro projeto de vida que não fosse o incessante trabalho na empresa, nem manter ou criar novos relacionamentos sociais.
A título de exemplo, não poderia o trabalhador citado no caso acima fazer um curso universitário ou especializar-se em área de seu interesse. Da mesma forma, dispunha de um tempo limitadíssimo para a prática de alguma atividade realizadora, prazerosa ou de lazer, já que em um mês inteiro, só gozava de duas folgas. Ainda mais importante, os relacionamentos desse indivíduo poderiam ser afetados gravemente, visto que era impedida de conviver com sua família, amigos ou quaisquer outras pessoas que não fossem seus colegas de trabalho.
Desse modo, fica claro que o excesso de jornada tem um potencial causador de dano existencial relativamente alto, já que dificulta a execução de um projeto de vida feito livremente pelo empregado, bem como impede a relação desse com pessoas de seu afeto, em decorrência do tempo despendido à disposição da empresa.
Não concessão de férias
O direito do trabalhador a férias está previsto na Constituição Federal em seu artigo 7º, inciso XVII, que aduz: são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais (...) gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal. O objetivo da concessão de período de férias é necessário para preservar a saúde e segurança laborativas, além da cidadania do empregado, já que, nesse tempo, poderá desfrutar do convívio familiar e social.
É irrefutável que a não concessão das férias aos empregados pode causar danos de caráter existencial, na medida em que não poderão aqueles, exercer plenamente as atividades ligadas ao relacionamento social não podendo realizar atividades de lazer, normalmente presentes nos períodos de férias dos trabalhadores.
Sobre essa questão, o TST, em sede de Recurso de Revista, publicou decisão em setembro de 2013 na qual condenava uma associação do Mato Grosso a pagar indenização no valor de vinte e cinco mil reais a uma empregada que trabalhou durante nove anos sem a concessão de férias, sob o fundamento de que a conduta lesiva da empresa teria prejudicado as relações sociais e os projetos de vida daquela.
As férias, bem como os outros períodos de descanso que integram o liame empregatício, têm, dentre outros objetivos, o de fazer com que o indivíduo não seja apenas um empregado que vive somente para trabalhar, tal qual uma máquina, mas, sim, que seja um ser social, que convive com outras pessoas e possui afazeres que o aproximam da noção de existência digna. Nesse sentido, é valorosa a lição de Maurício Godinho Delgado:
(...) embora permitam as férias significativa intensificação do lazer do trabalhador e sua família, elas não têm natureza de prêmio trabalhista. Desse modo, não se vinculam à conduta obreira mais ou menos positiva em face do interesse do empregador. Não são, portanto, parcela adquirida pelo empregado em função da conduta contratual especialmente favorável ao empregador. Têm, pois, as férias, efetivo caráter de direito trabalhista, inerente ao contrato de trabalho – direito a que corresponde uma obrigação empresarial. (DELGADO, 2012, p. 978)
Por fim, importante destacar que a esfera empresarial impõe forte pressão sobre boa parte dos empregados, que, em diversas vezes, se veem compelidos a não gozar do seu direito a férias com receio de perder a sua ocupação na empresa. Deve ficar claro que o direito ao gozo de férias não é uma faculdade do empregado, mas um dever de concessão imposto ao empregador.
Doenças ocupacionais do trabalho
A lei 8.213/91, em seu artigo 20, inciso I, define doença ocupacional ou profissional como “a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade”. Neste tópico serão analisadas as expressões "Lesões por Esforços Repetitivos (LER)" e "Distúrbios Osteo musculares Relacionados ao Trabalho (DORT)" são termos usados de uma maneira generalizada e que abrangem os distúrbios ou doenças do sistema músculo-esquelético-ligamentar.
A LER consiste em uma doença, na qual movimentos repetitivos, em alta frequência e em posição ergonômica incorreta, podem causar lesões de estruturas do Sistema muscular, ligamentar e nos tendões. Em 1998 o INSS introduziu o termo DORT – Doenças Osteoarticulares Relacionadas ao Trabalho equiparando-a á LER.
Segundo a norma técnica do INSS sobre DORT (Ordem de Serviço no. 606/1998):
Conceituam-se as lesões por esforços repetitivos como uma síndrome clínica caracterizada por dor crônica, acompanhada ou não e alterações objetivas, que se manifesta principalmente no pescoço, cintura escapular e/ou membros superiores em decorrência do trabalho, podendo afetar tendões, músculos e nervos periféricos.
O efeito da LER e DORT sobre a pessoa é o eventual comprometimento das capacidades de exercer as atividades que deram causa ao surgimento dessa doença profissional. Torna-se mais gravosa a situação ao impedir que o trabalhador consiga realizar tarefas do cotidiano, como segurar objetos, utilizar computadores pessoais ou a praticar alguma atividade desportiva que integrava sua rotina.
Ao ofender a integridade física do trabalhador que adquire tal doença a partir das atividades profissionais que exerce, ofende, também, a esfera dos direitos da personalidade do ser humano. Assim, o dano existencial se identifica na mudança negativa na rotina do empregado, que pode tornar-se inapto para a realização da atividade profissional que exerce ou, ainda, ficar incapacitado de exercer tarefas básicas do dia-a-dia, passando a necessitar de ajuda para realizá-las.
Assédio moral e assédio sexual
O assédio moral é caracterizado pela exposição da vítima, neste caso os trabalhadores, a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções. Comumente o assédio é praticado em relações hierárquicas autoritárias e sem simetrias, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e antiéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinados, desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho, podendo forçá-la a abrir mão do emprego. É possível que ocorra também entre empregados ou, raramente, de empregado com o seu superior hierárquico.
Desse modo, ao atingir a esfera íntima da vítima, o assédio pode causar um desequilíbrio interno resultando prejuízo na vida daquela, ocasionando o dano moral. Por outro lado, pode ocorrer também do assédio moral causar repercussão negativa na esfera externa da vítima, prejudicando seu relacionamento com outras pessoas, configurando os danos à vida de relação. Tendo este dano decorrido de algum transtorno psicológico oriundo do assédio, e afetando relevantemente a sua capacidade de interagir com as pessoas, bem como os danos ao projeto de vida, na hipótese de a ofendida ter sido compelida a desistir de seu emprego para afastar-se das condutas que lhe eram impostas, restará evidente o dano de caráter existencial.
No mesmo sentido, o assédio sexual, tipificado como crime no artigo 216-A do Código Penal, é “o constrangimento com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.
Gerando, normalmente, efeitos psicológicos mais danosos, o assédio sexual tem um potencial relativamente alto para causar dano existencial ao trabalhador, já que a conduta, apontada como crime, o expõe a uma situação vexatória e humilhante, sendo possível que repercuta na sua esfera externa da mesma forma como exposto anteriormente para o caso de assédio moral, com dificuldades para se relacionar socialmente ou com prejuízo ao projeto de vida profissional.
Condições precárias de trabalho
A Constituição Federal de 1988 estabelece que é direito de todos a manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, no artigo 225, deixando claro no artigo 200 que o meio ambiente de trabalho integra o conceito acima descrito. Nessa esteira, há várias Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego que têm o objetivo de fazer cumprir o disposto na Carta Magna.
A doutora Yara Maria Pereira Gurgel, define trabalho decente como o:
Exercido em conformidade com os preceitos de igualdade, liberdade, equidade, respeito à saúde e segurança do trabalhador e com remuneração justa, livre de qualquer margem de discriminação, de condição análoga à de escravo, de trabalho infantil, fortalecida pelo dialogo social e essencial ao combate à pobreza e à minimização das desigualdades sociais. (GURGEL, 2010, p. 31)
O trabalho em condições precárias causa prejuízo não só ao labor em si considerado, mas principalmente à esfera íntima do trabalhador, podendo vir a provocar dano moral. Contudo, o dano existencial fica mais evidente nas situações extremas, tanto de trabalho em condições análogas às de escravo como na exploração do trabalho infantil, pois em ambos os casos, as vítimas são tratadas em condições inferiores ao patamar mínimo de proteção do ser humano no trabalho.
Nessas oportunidades, a exploração se dá sem qualquer respeito à tutela dos direitos trabalhistas, com jornada exaustiva, remuneração ínfima, descansos raros e devido à necessidade econômica do trabalhador, tais condições atingem negativamente a essência do ser humano, afetando negativamente a esfera existencial do indivíduo.
No caso do trabalho análogo ao de escravo, a exploração impede que o indivíduo tenha uma vida fora do ambiente de trabalho, prejudicando-o quanto ao plano de vida e à vida de relação.
Por outro lado, a exploração do trabalho infantil submete uma pessoa com pouca idade, dotada de condições físicas inferiores, que deveria voltar-se unicamente ao ensino e ao desenvolvimento enquanto ser humano, ao trabalho considerado pesado. Nesse caso resta claro a incidência do dano existencial, pois compromete o plano de vida da criança de forma gravíssima, já que ocupa o tempo em que ela deveria estar estudando com a prestação de serviços ilicitamente. Além disso, retira da criança toda a rotina que deveria ser seguida por ela, com atividades realizadoras, de lazer e recreação, incidindo negativamente em todo o desenvolvimento daquele ser humano.