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A polícia militar na promoção dos direitos humanos

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Agenda 04/12/2017 às 21:26

A atribuição constitucional de ostensividade e preservação da ordem pública conferida à polícia militar a transforma na instituição mais próxima do cidadão em situação de violência, o que lhe confere ampla responsabilidade com a cidadania e a promoção dos direitos humanos.

RESUMO: O presente artigo objetiva analisar a atuação da policia militar na perspectiva da promoção dos direitos humanos. A atribuição constitucional de ostensividade e preservação da ordem pública conferida à polícia militar, a transforma na instituição mais próxima do cidadão em situação de violência, confiando aos policiais militares uma ampla responsabilidade com a cidadania e a promoção dos direitos humanos. O trabalho é composto por quatro sessões distintas: a primeira faz uma contextualização dos Direitos Humanos como condição indispensável para que a justiça, a cidadania e a segurança pública sejam efetivadas, a segunda aborda a Cidadania como marco da transição da democracia e da nacionalização dos direitos humanos no país, a terceira faz uma síntese da Polícia Militar e da violação dos direitos humanos no processo de formação do policial e a quarta sessão apresenta a Atuação na Polícia Militar na Promoção dos Direitos Humanos e da cidadania. Para a elaboração do referido artigo, o procedimento metodológico utilizado do ponto de vista do objetivo foi a pesquisa exploratória e para o procedimento técnico foi utilizado a pesquisa bibliográfica que busca analisar e interpretar materiais já publicados a respeito do tema com base na Doutrina, Legislação, livros, sites, revistas e artigos científicos, dialogando, principalmente, com as obras de Balestreri (2005) e Piovesan (2006)  Espera-se que este trabalho contribua para uma melhor compreensão da atuação da polícia militar em relação à promoção dos direitos humanos.

 Palavras-chave: Direitos Humanos. Cidadania. Democracia. Polícia Militar.


1 INTRODUÇÃO

Ainda é forte a divergência de conceitos e preconceitos quando o assunto versa sobre a Atuação da Polícia Militar na Promoção dos Direitos Humanos. É uma aversão que, em partes, foi fomentada durante a ditadura militar que vigorou no país entre 1964 e 1985. Na época, os aparelhos estatais utilizaram a polícia militar para prática de toda sorte de violação dos direitos humanos.

Hoje, a Polícia Militar, além de suas atribuições constitucionais, que são planejar, organizar, dirigir, supervisionar, coordenar, controlar e executar as ações de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública, também possui uma ampla responsabilidade com a promoção dos direitos humanos. 

É uma categoria, normalmente, solicitada para atuar em ambientes sociais conflituosos exigindo-se cada vez mais das corporações o respeito à dignidade da pessoa humana. Não é suficiente que o policial desempenhe bem as suas atividades, é fundamental fazê-las da forma correta, ética, integra, responsável e em conformidade com as leis e a cidadania.

Neste sentido, falar sobre a Atuação da Polícia Militar na Promoção dos Direitos Humanos é provocar o intelecto como só o fazem os mais novos e desafiadores paradigmas. Trata-se de um tema imprescindível para sanear as lacunas existentes entre a atuação da polícia militar e a promoção dos direitos humanos e da cidadania.

E na busca de respostas que possam orientar o tema e justificar a pesquisa formula-se o seguinte problema: A Polícia Militar Promove efetivamente os Direitos Humanos? A questão apresentada é de suma importância, pois a responsabilidade constitucional de fazer o policiamento ostensivo, de manter a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio faz com que ser policial militar não seja apenas um ofício, pois percebe-se que para a maioria das ocupações manter a distância dos riscos e dos perigos é uma opção, enquanto que para os policiais coibir a violência e a criminalidade é uma necessidade profissional.

Apresentar a instituição polícia militar como importante ferramenta na promoção dos direitos humanos é uma tarefa complexa, por se tratar de uma instituição fechada, tradicionalista, baseada na hierarquia e na disciplina e que, muitas vezes, é a principal violadora dos direitos humanos, da cidadania e da dignidade dos seus subordinados.

Em muitas instituições militares os policiais ainda são comumente desvalorizados e vistos por muitos superiores hierárquicos como “meros cumpridores de ordens” que não devem pensar e nem se expressar. Para eles “conter, reprimir e suprimir” parece ser há muitos anos, uma espécie de máxima incontestável.

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No entanto, os Policiais militares são agentes de transformação social, colocados num ponto privilegiado da sociedade, pois, de um lado, representam a face mais visível do Estado e do outro lado estão mais próximos da população e consequentemente, mais próxima dos seus conflitos sociais. São profissionais que podem e devem ser os mais promissores agentes de promoção dos direitos humanos.

Portanto, este estudo tem como objetivo geral analisar a Atuação da Polícia Militar na Perspectiva dos Direitos Humanos. E como objetivos específicos fazer uma contextualização dos Direitos Humanos como condição indispensável para que a justiça, a cidadania e a segurança pública sejam efetivados;  ressaltar a Cidadania como marco da transição da democracia e da nacionalização dos direitos humanos no país; apresentar a polícia militar como aparato de segurança pública na promoção dos direitos humanos; e colaborar para uma visão mais humanizada da polícia militar frente à comunidade.

1.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para o desenvolvimento deste artigo, optou-se do ponto de vista do objetivo do trabalho pela pesquisa exploratória, que é toda pesquisa que busca constatar algo num organismo ou num fenômeno. Segundo Gil (2007):

Este tipo de pesquisa tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. A grande maioria dessas pesquisas envolve: (a) levantamento bibliográfico e (b) análise de exemplos que estimulem a compreensão (GIL, 2007, p.39).

Para o procedimento técnico do artigo, foi utilizada a pesquisa bibliográfica que procura explicar o problema a partir de referências teóricas publicadas, buscando conhecer e analisar as contribuições da polícia militar na promoção dos direitos humanos. De acordo com Fonseca (2002):

A pesquisa bibliográfica é feita a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de web sites. Qualquer trabalho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisado conhecer o que já se estudou sobre o assunto. Existem, porém pesquisas científicas que se baseiam unicamente na pesquisa bibliográfica, procurando referências teóricas publicadas com o objetivo de recolher informações ou conhecimentos prévios sobre o problema a respeito do qual se procura a resposta (FONSECA, 2002, p. 32).

O presente estudo foi dividido em 05 (cinco) etapas, a saber:


2  DIREITOS HUMANOS CONDIÇÃO INDISPENSÁVEL À JUSTIÇA E A CIDADANIA 

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela  Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, é um marco na luta pelos Direitos Humanos. Em 1966 em conformidade com os princípios proclamados na Carta das Nações Unidas; foram criados o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, os quais asseguram o respeito à integridade física e a dignidade da pessoa humana, proibindo sob qualquer pretexto a prática de tortura e execuções não levadas à justiça; garantindo todas as prerrogativas de defesa.

Segundo Piovesan (2003):

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é caracterizada pela universalidade e indivisibilidade destes direitos. Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a dignidade e titularidade de direitos. Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais também o são. Os direitos humanos compõem assim uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, capaz de conjugar o catálogo de direitos civis e políticos ao catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais. (PIOVESAN, 2003, p. 8).

O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos - PNEDH dispõe que o Estado brasileiro tem como princípio a afirmação dos direitos humanos como universais indivisíveis e interdependentes e, para sua efetivação, todas as políticas públicas devem considerá-los na perspectiva da construção de uma sociedade baseada na promoção da igualdade de oportunidades e da equidade, no respeito à diversidade e na consolidação de uma cultura democrática e cidadã.

Neste sentido o renomado pesquisador italiano Bobbio (2004), aponta os direitos humanos como:

Universais – Pois atingem todos os seres humanos, sem distinção alguma;  Absolutos – Gozam de prioridade absoluta, sobre qualquer outro interesse estatal ou coletivo;  Inalienáveis – São intransmissíveis  e inegociáveis por essências;   Indisponíveis – Mesmo sendo motivo de renúncia por parte do indivíduo o Estado deve primar por sua efetivação;   Consagrados na ordem jurídica – Decorrentes da evolução humana, servem de traço distintivo em face dos direitos humanos. O Estado os reconhece como essenciais e fundamentais, para a existência do próprio Estado. - Limitativos dos poderes constituídos na medida em que nenhuma determinação legal possa olvidar das diretrizes impostas por ele; De aplicabilidade imediata – Sendo desnecessário norma infraconstitucional para que possam ser efetivados. (BOBBIO, 2004, p.98).

Os Direitos Humanos são universais, estão relacionados com a justiça, a igualdade, a cidadania e a democracia. Consagram o respeito à dignidade humana, a garantia à limitação do poder estatal e visam o pleno desenvolvimento da personalidade humana. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade pelo contrário, são direitos que a sociedade política e internacional tem o dever de consagrar e garantir.

Para Piovesan (2006):

O processo de universalização dos direitos humanos permitiu a formação de um sistema internacional de proteção destes direitos. Este sistema é integrado por tratados internacionais de proteção que refletem, sobretudo, a consciência ética contemporânea compartilhada pelos Estados, na medida em que invocam o consenso internacional acerca de temas centrais aos direitos humanos, na busca da salvaguarda de parâmetros protetivos mínimos - do “mínimo ético irredutível”. (PIOVESAN, 2006, p. 9).

A promoção aos direitos humanos é condição indispensável para que a justiça, a cidadania e a segurança pública sejam percebidas por todos. E a Policia militar deve se reconhecer como uma conquista democrática do conjunto da sociedade e como uma demanda central da dignidade da pessoa humana.


3 A CIDADANIA NO ESTADO DEMOCRATICO DE DIREITO.

A Constituição Federal de 1988 é um marco simbólico que reinventa a nossa cidadania, é o marco da transição democrática e da nacionalização dos direitos humanos no país (PIOVESAN, 2003, p.18), sendo conhecida desde então como a Constituição Cidadã, a partir do memorável discurso do Deputado Federal Ulisses Guimarães, Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, quando entregou a Carta Magna à Nação brasileira.

Em seu preâmbulo, a Constituição de 1988, institui o Estado Democrático de Direito destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social.

Conforme Piovesan (2003, p.19), não há direitos humanos sem democracia e nem tampouco democracia sem direitos humanos. Vale dizer, o regime mais compatível com a proteção dos direitos humanos é o regime democrático.

Em síntese, a promoção dos direitos humanos é condições indispensável para a implementação da justiça e da segurança pública em uma sociedade democrática. E Promover a cidadania através da polícia militar é torná-la mais eficiente e eficaz, é combater o crime com mais racionalidade, é prevenir a violência com respeito à dignidade da pessoa humana.


4 POLÍCIA MILITAR

 A Lei complementar nº 0084/2014 que dispõe sobre o Estatuto dos Militares do Estado do Amapá, em seu art. 2º preconiza que a Polícia Militar é força auxiliar e reserva do Exército Brasileiro, organizada com base na Hierarquia e na Disciplina, está subordinada ao Governador do Estado, é dirigida por Comandante Geral, tem como atribuição constitucional realizar o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública. E seus integrantes são denominados Militares Estaduais.

Destarte, a atividade fim da polícia militar é a defesa da vida, da integridade física e da dignidade da pessoa humana.

Nessa perspectiva Balestreri (2005) recomenda que:

Zelar, pois, diligentemente, pela segurança pública, pelo direito do cidadão de ir e vir, de não ser molestado, de não ser saqueado, de ter respeitada sua integridade física e moral, é dever da polícia, um compromisso com o rol mais básico dos direitos humanos que devem ser garantidos a todos os cidadãos. (BALESTRERI, 2005, p. 77).

Do ponto de vista de Balestreri (2005, p. 77), o agente de Segurança Pública é, contudo, um cidadão qualificado: emblematiza o Estado, em seu contato mais imediato com a população. Sendo a autoridade mais comumente encontrada tem, portanto, a missão de ser uma espécie de “porta voz” popular do conjunto de autoridades das diversas áreas do poder.

Os princípios da legalidade e da necessidade, juntamente com a proibição da arbitrariedade, são requisitos que todo policial militar deve seguir. O processo de detenção ou condução do cidadão suspeito de violar a lei deve atender a todos os requisitos de legalidade, necessidade, e não arbitrariedade.

Zelar pela ordem pública é, assim, acima de tudo, dar exemplo de conduta fortemente baseada em princípios. Não há exceção quando tratamos de princípios, mesmo quando está em questão a prisão, guarda e condução de malfeitores. Se o policial é capaz de transigir nos seus princípios de civilidade, quando no contato com os sociopatas, abona a violência, contamina-se com o que nega, conspurca a normalidade, confunde o imaginário popular e rebaixa-se à igualdade de procedimentos com aqueles que combate. (BALESTRERI, 2005, p. 77).

Neste enfoque, a compatibilidade entre direitos humanos, eficiência policial, compreensão e valorização das diferenças são princípios éticos que devem ser seguidos e a polícia militar a serviço da comunidade é condição definidora da sua própria existência.

4.1 A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DO POLICIAL MILITAR

            Para Balestreri (2005) o equilíbrio psicológico, tão indispensável na formação   da polícia, passa também pela saúde emocional da própria instituição. Mesmo que isso não se justifique, sabemos que policiais maltratados internamente tendem a descontar sua agressividade sobre o cidadão.

Evidentemente, polícia militar não funciona sem hierarquia. Há, contudo, clara distinção entre hierarquia e humilhação, entre ordem e perversidade. Balestreri (2005) afirma que:

Em muitas Academias de Polícia (é claro que não em todas) os policiais ainda são “adestrados” para a “guerra de guerrilhas”, sendo submetidos a toda ordem de maus tratos (beber sangue no pescoço de galinhas, ficar em pé sobre formigueiros, ser “afogado” na lama por superior hierárquico, comer fezes, são apenas alguns dos recentes exemplos que tenho colecionado na narrativa de amigos policiais (BALESTRERI, 2005, p. 77).

Muitos quarteis da policia militar ainda estão contaminadas pela crença de que a competência se alcança pela truculência e não pela técnica. Alguns superiores hierárquicos ainda ignoram os direitos humanos dos policiais, são arrogantes e tratam seus subordinados com desprezo e humilhação. Nesta direção Balestreri (2005) assegura que:

A verdadeira hierarquia só pode ser exercida com base na lei e na lógica, longe, portanto, do personalismo e do autoritarismo doentios. O respeito aos superiores não pode ser imposto na base da humilhação e do medo. Não pode haver respeito unilateral, como não pode haver respeito sem admiração. Não podemos respeitar aqueles a quem odiamos. (BALESTRERI, 2005, p. 78).

Para o educador Paulo Freire (2014, p.41) “quando a educação não é libertadora o sonho do oprimido é ser um opressor”. É urgente a mudança de paradigmas na formação dos policiais, bem como no tratamento interpessoal dentro dos quartéis, abandonando-se práticas atentatórias à dignidade humana. Todo esse processo passa, sem dúvidas, por uma incorporação dos valores ligados à cidadania, à democracia e aos direitos humanos.

É importante destacar, que os mesmos atores responsáveis pela administração dos conflitos e pela redução da violência são também paradoxalmente, envolvidos no agravamento deste quadro. Para romper tal circulo vicioso é necessário estabelecimento de um conjunto de medidas. Evidentemente a educação em direitos humanos, cumpre papel central, pois trata-se de um investimento cujo objetivo é a formação de uma consciência cidadã, ética e politica.

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