1.Introdução
A seara forense indica atualmente a afluência de uma nova categoria de pedido, um novo tipo de litígio envolvendo a discussão judicial do chamado benefício de "amparo social". Concretamente, no âmbito territorial da comarca do escriba, decerto em outros Municípios da Federação, os jurisdicionados ajuízam requerimentos (ações1) pleiteando a concessão do benefício de prestação continuada (amparo social) em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, autarquia previdenciária federal.
A escolha do sujeito passivo (contra quem a demanda é proposta), o INSS, conforme acentuado supra, aponta uma equivocidade dos operadores do direito incumbidos da petição inicial, lapso atribuível ao ser humano, visto que tal modalidade de pretensão deve apontar como sujeito passivo (legitimidade passiva) o ente federal, a União2 - pessoa jurídica de direito público interno (art. 41, inciso I, do novo Código Civil de 2002).
2.Localização do Amparo Social
O tema está compreendido no espaço jurídico-político da Seguridade Social. A Constituição Federal de 1988 (atualmente sofre abruptas mudanças, vencendo o Poder de Reforma - derivado, o espírito do Poder Constituinte - originário, emanação mais pura da Soberania Nacional) delimita o alcance da expressão seguridade social no art. 194, caput, abaixo transcrito:
"Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social".
Logo, verifica-se sem maior esforço de inteligência que a seguridade social abrange: 1) a saúde (preventiva, importantíssima, haja vista o melhor cuidar da saúde do que da doença, e curativa); 2) a previdência (um bode expiatório das Administrações em todos os níveis) e 3) a assistência social. Aliás, o tema está situado constitucionalmente na "Ordem Social".
3.Saúde, Previdência e Assistência Social
Seja lícito asseverar ser dever da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde (arts. 23 e 196 da Constituição Federal) e de todos os direitos e garantias individuais. Assim, administrativamente, em termos constitucionais a saúde é uma incumbência de todos os entes federados, cada qual na sua respectiva esfera de atuação, agindo isolada ou conjuntamente uns com os outros, sendo razoável sonhar com a colaboração da sociedade civil organizada.
A previdência social é um dos segmentos do Direito da Seguridade Social e sua noção advém do cânon 1° da Lei n° 8.213/1991, in verbis:
"Art. 1º A Previdência Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente".
No atual sistema de previdência social a principal instituição a nível federal é o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) - no território cearense existia o IPEC, extinto de forma inopinada e ferindo o direito adquirido de milhares de cidadãos, visto como o brasileiro pouco valoriza o espírito de Nação, de cidadania, e na surpresa da inusitada orientação adotada pela Suprema Corte em preterir o atributo catalogado como cláusula pétrea. Atua em articulação com o Ministério da Previdência e Assistência Social. Na relação jurídica previdenciária, fácil intuir, avultam três pessoas: o INSS, o segurado e a empresa.
De acordo com o art. 4° da Lei n° 8.212/1991 a assistência social é "a política social que provê o atendimento das necessidades básicas, traduzidas em proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice e à pessoa portadora de deficiência, independentemente de contribuição à Seguridade Social".
As três esferas de governo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) agem de forma articulada na organização e gestão da assistência social.
4.O Amparo Social
O chamado amparo previdenciário foi criado pela Lei n.° 6.179/1974, sendo posteriormente substituído pela renda mensal vitalícia da Lei n.° 8.213/1991 e, em seguida, cedeu lugar ao benefício de prestação continuada da Lei n° 8.742/1993 (tal benefício não enseja pensão por morte). Para os fins do presente trabalho, utiliza-se a denominação de amparo social ou amparo assistencial para designar o benefício de prestação continuada da Lei n° 8.742/1993, por apego à tradição.
Assim, o amparo social é o benefício de prestação continuada consistente na garantia de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência (a ser comprovada através de perícia médica do INSS - não dependerá da habilidade do INSS, mas de exame realizado sob a fiscalização do INSS) e ao idoso (a partir dos 65 anos) que comprovarem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família (art. 20, da Lei n° 8.742/1993).
A aptidão administrativa para a concessão e manutenção dos benefícios de prestação continuada previstos no art. 203, da Constituição Federal de 1988, dentre os quais destaca-se o amparo assistencial, também chamado amparo social, devido ao deficiente e ao idoso, que não possuírem meios de prover a própria subsistência ou tê-la provida pela família, vem disciplinada no artigo art. 12, da Lei n° 8.742/1993, que dispõe sobre a organização da assistência social, ipsis verbis:
" Art. 12. Compete à União:
I - responder pela concessão e manutenção dos benefícios de prestação continuada definidos no art. 203 da Constituição Federal;
II - apoiar técnica e financeiramente os serviços, os programas e os projetos de enfrentamento da pobreza em âmbito nacional;
III - atender, em conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, às ações assistenciais de caráter de emergência".
Trata-se de competência privativa, sem ressalva de poderes remanescentes às demais unidades da Federação.
O Decreto n.º 1.744, de 1995, que regulamentou a Lei de Organização da Assistência Social (Lei n.º 8.742/1993), estabelece em seu artigo 32:
"Art. 32. Compete ao Ministério da Previdência e Assistência Social, por intermédio da Secretaria de Assistência Social, a coordenação geral, o acompanhamento, e a avaliação da prestação do benefício.
Parágrafo único. O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS é o responsável pela operacionalização do benefício de prestação continuada previsto neste Regulamento".
O órgão não tem autonomia, segundo se dá em relação aos entes da Administração indireta (autarquias e fundações, de natureza pública, empresas públicas e sociedades de economia mista, na esfera privada), integra a própria vontade estatal, na inspiração do precioso cálamo de HELY LOPES MEIRELLES, verbo ad verbum:
"Órgãos públicos – São centros de competência instituídos para o desempenho de funções estatais, através de seus agentes, cuja atuação é imputada à pessoa jurídica a que pertencem" (Direito Administrativo Brasileiro. 28ª edição. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 66).
Dessa forma, tudo favorece concluir que o Ministério da Previdência e Assistência Social constitui órgão integrante da estrutura administrativa da União, sendo evidente a predestinação na organização político-constitucional para suportar o ônus financeiro (custeio) do pagamento do amparo social. Fácil perceber: vincula de forma imediata a União (alguns sugerem o acréscimo Federal; o texto dispensa, pois o Poder Central é só a União).
Por outro lado, a atuação do INSS ganha destaque na parte operacional do benefício de amparo social. A operacionalização não concentra o foco da legitimidade para o chamamento a juízo, na melhor hipótese conduzindo à formação do litisconsórcio passivo necessário. O INSS cuida da operação, mas a despesa é suportada diretamente pelo Ministério respectivo, situação de despesa vinculando obrigatoriamente a União à causa. O envolvimento do Erário federal torna obrigatória a composição angular com a presença do Poder Central, através do Ministério voltado para a atividade previdenciária, retro anunciada.
5.Ações na Justiça Estadual
Na vida prática forense de alguns segmentos orgânicos de Juízo no Nordeste, talvez em outras plagas brasilianas, torrões tão amados, o que se tem observado é o ajuizamento de ações sob as mais diversas, inusitadas e excitantes denominações, perante a Justiça Comum Estadual, com o intuito de obter a concessão do benefício de amparo social em face do INSS.
Tem-se como verdade apodítica que toda ação é direito subjetivo público, sendo a denominação irrelevante, pois não se denomina a actio, mas o procedimento (v. g. interdito possessório, despejo, etc). Faz lembrar a frase secular "de não é o nome que faz de um homem um verdadeiro Mimicayon", pois o daho mihi facto dabo tibi jus dispensa a citação de lei positiva, sendo importante a dedução do direito protegido, pois ao juiz cumpre julgar a causa até na falta de norma (art. 4°, LICC)3.
O anseio de amenizar o sofrimento, a pressa de solucionar, de vencer o empeço administrativo (afastam-se outras cogitações), conduz o artesão do direito, o advogado, o artífice da inicial, aquele que redige a pilastra da sentença, o começo de todas as demandas, fundado na dificuldade dos míseros interessados, sem forças físicas e recursos para atingirem o Foro federal, a tomar a senda da simplificação e invocar via de regra o art. 109, § 3°, da Constituição Federal, visando justificar e fixar a "ilusória" competência da Justiça Estadual para conhecer e processar os referidos pleitos. Ledo engano.
Aqui cabe uma observação: o preceito do art. 109, § 3°, da Lei Maior não tem o condão de excepcionar a competência da Justiça Federal na hipótese em comento. A norma constitucional alude claramente às "causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado", o que não se coaduna com a questão em debate.
É interessante observar que o dispositivo constitucional em exame tem merecido interpretação específica do egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª região, ipsis verbis:
"Súmula n° 15 - O §3º do art. 109 da Constituição Federal de 1988, institui, quanto às causas de natureza previdenciária, hipótese de competência relativa, pelo que não elide a competência concorrente da Justiça Federal".
O sujeito alcançado pelo "amparo social" não é necessariamente segurado da Previdência Nacional (título pomposo, melhor seria um atendimento condigno sem inventar culpados da débâcle), é beneficiário de uma situação especial, diversa da proteção previdenciária propriamente dita.
Urge notar que se não fosse hipótese de chamamento direto, ter-se-ia na melhor das hipóteses, permita-se a repetição, um litisconsórcio obrigatório, pois é temerário chamar o gestor e excluir o órgão pagador, aqui absorvido pela pessoa jurídica de direito público denominada União (Federal4), conforme emanação da moderna teoria do órgão (OTTO GIERKE apud HELY LOPES MEIRELLES, obra citada, p. 66). Demais, a Justiça Estadual tem permissão magna para presidir as causas de justificação nos locais desprovidos de Vara Federal, conforme eflui do art. 109, § 3°, da Lex Legum (agonizante, mas o breviário do Direito positivo nacional, máxime na consagração da supremacia da Lei Fundamental).
6.Legitimidade da União e Competência da Justiça Federa
Ora, a partir do instante da visualização da União como responsável pelo pagamento, é mero consectário a sua definição como parte legítima para atuar nas causas relativas aos pleitos dos jurisdicionados em todos os rincões pedindo a concessão do benefício do amparo social, sempre apontando para o INSS, mas sem rebuço de dúvidas tais causas situam-se na alçada da jurisdição federal, compreendem-se na faculdade enraizada na ordem jurídica e remetida na Carta Magna à Justiça Federal.
Isto é assim por uma singela e induvidosa razão: a matéria deixa de ficar circunscrita ao âmbito do litígio entre segurado e instituição previdenciária, visto como versa sobre lide envolvendo a União, o que atrai inexoravelmente o ente para a demanda e firma o limite federal, a competência da Justiça Federal.
O raciocínio vai repetido (bom não perder de vista a expressão "direito é repetição"), porquanto o amparo social não é um benefício previdenciário, a cargo do INSS, mas sim um benefício de assistência social, na órbita da União. Logo, embora o INSS seja o operacionalizador de tal benefício, é a União que detém a verdadeira responsabilidade pelo ônus financeiro, através do Ministério da Previdência e Assistência Social. Assim, verifica-se um litisconsórcio passivo necessário entre a União e o INSS. Para esclarecer o que está exposto, afigura-se oportuno lembrar que o litisconsórcio necessário "tem lugar se a decisão da causa propende a acarretar obrigação direta para o terceiro, a prejudicá-lo ou a afetar seu direito subjetivo" (STF-RT 594/248 in NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e legislação processual civil em vigor. 36ª edição. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 165).
Não será ocioso enfocar a lição de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, ipsis verbis et litteris:
"Assim, podemos concluir que litisconsórcio necessário, ativo ou passivo, é aquele sem cuja observância não será eficaz a sentença, seja por exigência da própria lei, seja pela natureza da relação jurídica litigiosa.
(...)
Mesmo no caso do litisconsórcio passivo, o juiz não ordena de plano a expedição do mandado citatório dos réus omitidos pelo autor. Só a este incumbe a escolha do sujeito passivo da causa. O juiz apenas assina prazo ao autor para promover a citação daqueles que considera como litisconsortes necessários à validade da relação processual. Se o demandante não se dispuser a chamar os novos sujeitos passivos, não caberá ao juiz outra solução que a de anular o processo, nos termos do art. 47.
É por isso que a lei prevê que o juiz, quando for o caso, apenas determinará ao autor que ‘promova a citação de todos os litisconsortes necessários’ (art. 47, parágrafo único). À parte é que caberá a diligência de requerer a citação e fornecer ao juízo os dados reclamados para sua efetivação. Nisto consiste a promoção da citação, de que trata a lei processual. Se o autor entender que não deva promovê-la, o juiz decretará a extinção do processo, nos termos da parte final do parágrafo único do art. 47.
Não terá, contudo, poder de inserir, de ofício, no pólo passivo da relação processual, réu não nomeado pelo autor" (Curso de Direito Processual Civil. 41ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2004. pp. 104-105, passim).
É verdade: iniciativa da parte, prossegue por impulso oficial (art. 262, CPC). Em abono do entendimento acima, colaciona-se o julgado abaixo do egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região, alçada recursal da prestigiada Justiça Federal, verbo ad verbum:
"PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO DA UNIÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE INTEGRAÇÃO. TUTELA ANTECIPADA. PLAUSIBILIDADE DA PRETENSÃO. ESVAZIAMENTO.
O INSS é agente operacionalizador (art. 32, parágrafo único, do Decreto n.º 1.744/95) do benefício assistencial de prestação continuada, cuja concessão e custeio são, originariamente, da responsabilidade da União Federal (art. 12, I, da Lei n.º 8.742/93).
Necessidade da presença da União Federal para compor a lide, na condição de litisconsorte passiva necessária, em face de seu interesse jurídico na causa.
Esvaziamento da plausibilidade da pretensão de antecipação da tutela jurisdicional.
Decisão: Unânime"
(Agravo de Instrumento n.º 40159/CE (200105000478162), 3ª Turma do TRF da 5ª Região, Rel. Des. Fed. Ridalvo Costa. j. 27.06.2002, DJ 28.08.2002, p. 988).No mesmo sentido, o colendo Tribunal Regional Federal da 4ª Região consolidou o entendimento adiante transcrito, in verbis:
"Súmula n° 61 - A União e o INSS são litisconsortes passivos necessários nas ações em que seja postulado o benefício assistencial previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, não sendo caso de delegação de jurisdição federal".
Os recursos são federais. No âmbito da Saúde temos a CPMF (mirabolante criação tributária, nascida como algo transitório, para salvar a Saúde, hoje um tributo para tudo salvo para essa necessidade da população – veja os arts. 76, 84 e 85 do ADCT, com a redação dada pela EC n° 42/2003), de modo primordial idealizada para engendrar recursos para o financiamento de tal setor. E todos continuam acalentando a "esperança" (não chega, quem aguarda fenece primeiro). O mesmo não acontece com a Assistência Social, pois lá não existe uma contribuição específica para custear o amparo social.
Prezem os Céus a leitura como achega processual, jamais despertando a cupidez do Poder Público, inaugurando a correria na gestação de outra carga tributária.
Intervindo em ação judicial que verse sobre o tema ora retratado, o representante do Ministério Público Estadual, na qualidade de fiscal da lei, deve opinar no tempo próprio, após as partes, sempre recomendando o itinerário da composição subjetiva do processo, favoneando o exercício adequado da sua missão de fiscal da lei, essencial à Jurisdição (art. 127, CF/88).
A União constitui um interessado (aqui aproveitado o termo genérico da jurisdição voluntária) e a parte autora deve mencionar em sua peça exordial, assim como o INSS, que também merece ser chamado a integrar o feito por sua atividade operacional e concentradora da indispensável perícia. Seja lícito vislumbrar o ingresso isolado da União na caso do idoso, situação a ser confirmada por serviço de Assistência Social, apresentando um Relatório Social.
O órgão ministerial intervirá depois das partes e a sua ação revela-se mais vigorosa, pois o interesse social está entrelaçado com a noção de políticas públicas e na omissão da parte o Ministério Público apontará ser convenível a convocação para compor a angularidade da ação, bem formando a relação jurídica processual, isto é, no pólo passivo da ação visando obter o amparo social. Tal atuação do agent du Parquet não equivale a dizer o que fazer, mas significa comentar o procedimento dos antecedentes, ou seja, o comportamento silente da parte e do INSS, visto que o Ministério Público ingressa na causa depois das partes (art. 83, inciso I, do Código de Processo Civil). O Promotor de Justiça (em exata propositura ter-se-ia o Procurador da República) pode inclusive encontrar a relação jurídica processual bem composta, até já contando com a intervenção da União, através do órgão competente (o art. 21 da Lei n° 9.028/1995 dispõe que "aos titulares dos cargos de Advogado da União, de Procurador da Fazenda Nacional e de Assistente Jurídico das respectivas carreiras da Advogacia-Geral da União incumbe representá-la judicial e extrajudicialmente, bem como executar as atividades de assessoramento jurídico do Poder Executivo, conforme dispuser ato normativo do Advogado-Geral da União"). Na última hipótese o agir ético-jurídico estará resumido à sobrelevação do Foro Federal.