Indulto Presidencial: ampla discricionariedade do Presidente da República
O art. 84 da Carta Magna estabelece 27 (vinte e sete) competências privativas do Presidente da República. Isso mesmo: competências privativas. Por sua vez, gostem ou não, o inc. XII do art. 84 trata do indulto, determinando que "compete privativamente ao Presidente da República conceder indulto e comutar penas...". O texto é de clareza solar.
Entretanto, manifestando a prepotência e empáfia típica de grande parte de membros do Ministério Público, que acreditam terem um poder divino de tentarem interferir em tudo e em todos (menos nas suas próprias entranhas), a PGR Raquel Dodge afirmou que o Presidente da República "não tem o poder ilimitado de conceder indulto". De fato ela tem razão - mas não será ela nem o STF (nem qualquer membro do Judiciário) que determinarão o que pode e o que não pode ser objeto de indulto. A única autoridade legitimada a impor restrições ao indulto é o próprio Legislador, que de fato a impôs no art. 5º, XLIII, nestes termos:
"a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem".
A restrição constitucionalmente prevista é de clareza solar (ministros do STF gostam desse termo, "clareza solar"). Inacreditavelmente, violando a competência (privativa) e independência entre os Poderes, não é que a ministra Cármen Lúcia vem manifestar sua (mera) opinião pessoal, afirmando que "indulto não é nem pode ser instrumento de impunidade"? Em ilação desmedida, a nobre e bem intencionada ministra diz que
"verifica-se, de logo, pois, que o indulto constitucionalmente previsto é legitimo apenas se estiver em consonância com a finalidade juridicamente estabelecida. Fora daí é arbítrio."
Ora, enquanto uma mera opinião pessoal ficar apenas no salutar e desejável campo das ideias e dos debates, com vistas ao aperfeiçoamento de determinados institutos (o indulto pode ser um deles), não há problema - ao contrário, deve ser discussão e ser incentivada. Ocorre que a ministra foi além do razoável, impondo inconstitucionalmente sua mera opinião pessoal, suspendendo (ainda que parcialmente) o indulto concedido pelo presidente Temer no exercício da sua competência privativa e em observância aos limites estabelecidos pelo Constituinte Derivado (art. 5º, XLIII, CF). Ir de encontro a uma mera opinião pessoal da ministra do STF, da PGR ou de quem quer que seja não é arbitrariedade; porém, agir fora dos limites impostos pelo art. 5º, XLIII, CF é arbitrariedade.
Não consta que entre as prerrogativas do STF está a de impor ou dar ordens para o Executivo (ou Legislativo) e mais uma vez dar azo a conflitos entre Poderes. Sobre o exercício do poder discricionário do presidente da República, vale lembrar decisão do STF, nestes termos:
"a concessão de indulto aos condenados a penas privativas de liberdade insere-se no exercício do poder discricionário do presidente da República, limitado à vedação prevista no inciso XLIII do art. 5º da Carta da República" (ADI 2.795 MC, Ministro Maurício Corrêa).
Do mesmo modo:
O indulto, em nosso regime, constitui faculdade atribuída ao presidente da República (art. 84, XII, da CF), que aprecia não apenas a conveniência e oportunidade de sua concessão, mas ainda os seus requisitos” (RHC 71.400,Ministro Ilmar Galvão)
Que fique claro: apesar das opiniões pessoais das ilustríssimas senhoras Carmen Lúcia e Raquel Dodge em sentido contrário, o indulto é ato de governo caracterizado pela mais ampla discricionariedade do Presidente da República que de fato pode tudo, devendo observar a restrição imposta. Neste sentido, diz o próprio Supremo:
"o art. 5º, XLIII, da CF, que proíbe a graça, gênero do qual o indulto é espécie, nos crimes hediondos definidos em lei, não conflita com o art. 84, XII, da Lei Maior. O decreto presidencial que concede o indulto configura ato de governo, caracterizado pela ampla discricionariedade (HC 90.364, Ministro Ricardo Lewandowski; HC 81.810, Ministro Cezar Peluso).
Vale dizer que o indulto pode ser parcial ou total - sempre com as limitações impostas pelo Constituinte, conforme manifestações da própria Suprema Corte:
"(...) é constitucional o art. 2º, I, da Lei 8.072/1990, porque, nele, a menção ao indulto é meramente expletiva da proibição de graça aos condenados por crimes hediondos ditada pelo art. 5º, XLIII, da Constituição. Na Constituição, a graça individual e o indulto coletivo – que ambos, tanto podem ser totais ou parciais, substantivando, nessa última hipótese, a comutação de pena – são modalidades do poder de graça do presidente da República (art. 84, XII) – que, no entanto, sofre a restrição do art. 5º, XLIII, para excluir a possibilidade de sua concessão, quando se trata de condenação por crime hediondo. Proibida a comutação de pena, na hipótese do crime hediondo, pela Constituição, é irrelevante que a vedação tenha sido omitida no Decreto 3.226/1999 (HC 84.312, Sepúlveda Pertence; HC 103.618, Dias Toffoli; HC 81.810, rel. min. Cezar Peluso; HC 95.830, Ellen Gracie; RE 452.991, Marco Aurélio).
Desse modo, data vênia, essa suspensão patrocinada pela Ministra Carmen Lúcia deveria ser solenemente ignorada pelo Executivo – como acertadamente o fez a Presidência do Senado, em DEZ/2016, impedindo tentativa inconstitucional de interferência do Judiciário no Legislativo - a teor, inclusive, de orientação emanada pelo próprio STF:
"ninguém é obrigado a cumprir ordem ilegal, ou a ela se submeter, ainda que emanada de autoridade judicial. Mais: é dever de cidadania opor-se à ordem ilegal; caso contrário, nega-se o Estado de Direito” (HC 73.454, Ministro Maurício Corrêa).
Milton Córdova Júnior, advogado, OAB/DF 22.899