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Aspectos legais da perseguição policial e seus reflexos na execução prática da atividade

Agenda 03/01/2018 às 14:36

Estudam-se os procedimentos policiais ligados à perseguição policial, suas formas e o uso da arma de fogo em compatibilidade com o ordenamento jurídico pátrio.

Resumo: As perseguições policiais a pessoas suspeitas ou autoras de crimes é tema de vários vídeos na rede mundial de computadores os quais tem se multiplicado com grande velocidade e atraído grande número de expectadores. Isso chama atenção para os procedimentos policiais ligados a esse tipo de intervenção, suas formas e o uso da arma de fogo em compatibilidade com o ordenamento jurídico pátrio. Assim o texto pretende relacionar os principais aspectos legais que influenciam na intervenção policial e seus reflexos no serviço operacional.

Palavras-chaves: Polícia. Perseguição. Fuga. Fundada suspeita. Segurança Pública. Arma de fogo. Legalidade.

Sumário: Introdução. 1. Da fundada suspeita e do dever de perseguir. 2. Das Regras de Trânsito. 3. Dos procedimentos policiais; 4. Do uso de armas de fogo; Conclusão. Referências


 INTRODUÇÃO

Hodiernamente as redes sociais são alimentadas com uma variedade de vídeos sobre perseguições policiais realizadas em vários locais do país. Seja pela curiosidade ou pela sensação de adrenalina que os vídeos despertam no internauta sua produção tem aumentado, tanto pelos policiais militares de forma autônoma visando resguardar suas condutas e tentando mostrar à sociedade suas realidades, como pelo cidadão realizando, conforme Carvalho (2015, p. 376), “o chamado controle externo popular, por meio da qual qualquer pessoa pode, na qualidade de cidadão, questionar a legalidade de determinado ato e pugnar pela sua validade” (apud Hoffmann, 2017).

A perseguição policial é o momento que, de iniciativa ou por solicitação, policiais militares realizam o acompanhamento de pessoa suspeita ou autora de crime, visando cumprir diligência para averiguação ou prisão. Na definição técnica da Policia Militar de Minas Gerais “é o procedimento adotado pelas forças policiais para acompanhar visualmente ou seguir um suspeito da prática de um delito, que se encontra em fuga, com objetivo de capturá-lo para adoção das medidas legais cabíveis (Minas Gerais, 2013)”. A perseguição pode ser a pé ou motorizada, desde que os procedimentos se originem nos princípios de legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência.


1. DA FUNDADA SUSPEITA E DO DEVER DE PERSEGUIR

A realização da abordagem pessoal é provocada pela fundada suspeita ou pelo flagrante delito, ambos previstos respectivamente nos artigos 244 e 302 do Código de Processo Penal, e pode culminar em uma perseguição policial, como por exemplo, indivíduo que porta ilegalmente arma de fogo de forma oculta e, ao ser avistado pelo policial sob os aspectos fundados de suspeita, empreende fuga ao perceber que será abordado, visando se esquivar da ação policial. O policial militar, ao identificar elementos concretos que apresentem fundadas razões para abordagem de individuo que circula em via pública, ao intervir, pode se deparar com a fuga do suspeito que inicia deslocamento oposto aos agentes da lei, no intuito de não se submeter aos procedimentos legais policiais. Nesse sentido, devem persegui-lo para completar o procedimento policial visto que a fuga é uma atitude que denota fundada suspeita e, desde que o policial tenha dada ordem clara de parada para a abordagem, o suspeito, ao fugir, pode se encontrar em flagrante de crime de desobediência.

O dever de perseguir é inerente à função policial militar, prevista inicialmente no artigo 144 da Constituição Federal, e também nos diversos diplomas legais do nosso ordenamento jurídico, mormente o Código Penal e Código de Processo Penal. Além disso, é Ato Administrativo presumidamente legítimo, autoexecutável e imperativo. Várias podem ser as razões que impulsionam um individuo a fugir, como o flagrante delito, o cometimento de infração de trânsito como quem foge da polícia por não ter carteira de habilitação, o cometimento de infração administrativa (vendedor ambulante que foge à fiscalização) ou até mesmo o ímpeto provocado pelo medo ou susto, embora o indivíduo não esteja em situação que o comprometa, mas em razão de experiências passadas, foge deliberadamente, como por exemplo o individuo que já sofreu abuso de autoridade e acredita que irá sofrer novamente. Obviamente em muitas situações o motivo da fuga opera apenas na mente do individuo, só podendo ser constatado, na maior parte das vezes, após a abordagem do suspeito, impossibilitando, em primeiro momento, que os policiais “adivinhem” a razão da fuga.


2. DAS REGRAS DE TRÂNSITO

Em relação às regras de Trânsito, afetas à perseguição motorizada, por óbvio que o perseguido não demonstra nenhum respeito a elas, pois se não deseja ser alcançado pela polícia a última coisa que lhe deterá é uma norma em abstrato proibindo, por exemplo, avançar o sinal vermelho do semáforo. Para os Policiais, as regras continuam a valer, mas o próprio código de Trânsito trouxe no artigo 29, inciso VII a excludente para que, nos casos específicos e de forma identificada, o policial possa cumprir a lei sem descumprir outra norma, decorrente da lógica de que para alcançar um criminoso que foge, fosse o policial obrigado a parar no semáforo e aguardar o sinal verde, o fugitivo aproveitar-se-ia de tal situação, tornando a perseguição inócua e esvaziando a obrigação legal de agir do policial.

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É importante dizer que a viatura policial, devidamente caracterizada, constitui veículo de emergência que, além da prioridade de passagem, goza de livre circulação, estacionamento e parada, o que significa que podem transitar livremente em qualquer condição ou local que a regra seja a proibição, como por exemplo avançar o sinal vermelho do semáforo. Porém tal conduta só é amparada pela norma quando os policiais estiverem conduzindo a viatura com os sinais acionados e em situação de urgência. A Resolução do CONTRAN n. 268/08 em seu artigo 1º, § 2º conceitua:

Entende-se por prestação de serviço de urgência os deslocamentos realizados pelos veículos de emergência, em circunstâncias que necessitem de brevidade para o atendimento, sem a qual haverá grande prejuízo à incolumidade pública.

Além disso, a simples excludente na norma não se apresenta como mandamento que autoriza o policial, sob qualquer custo, sobrepor regras de trânsito. Vale dizer que, mesmo incurso no disposto no artigo 29, inciso VII do CTB, os policiais necessitam observar o dever funcional de servir e proteger a sociedade, preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio, garantindo o cumprimento da lei. Portanto, mesmo que lhe seja permitido ultrapassar um sinal vermelho para continuar a perseguir um indivíduo em fuga, deve observar se a conduta não irá provocar danos a terceiros que circulam nas vias públicas e muitas das vezes sequer sabem sobre a ocorrência policial.

Durante a perseguição, várias são as situações que se apresentam relacionadas ao evento. Dentre elas, alguns crimes e infrações administrativas que cometem o suspeito em fuga, ou o criminoso identificado. Essas condutas devem ser narradas no Boletim de Ocorrência a fim de subsidiar a responsabilização penal ou administrativa do indivíduo pelo órgão competente, mesmo que não seja alcançado naquele momento, ou sendo descobre-se que fugiu movido por situação que, por si só não ensejaria responsabilização (exemplo autor que foge da policia para mostrar aos amigos que consegue escapar das equipes policiais demonstrando ser um excelente piloto de motocicleta, embora não esteja no momento da abordagem em flagrante ou cometendo infração de trânsito.)


3. DOS PROCEDIMENTOS POLICIAIS

Outro aspecto é a forma de parar o perseguido. Podem ser utilizados os meios necessários, porém que estejam adequados aos princípios legalidade, proporcionalidade e conveniência. Tais meios podem ser eficientes, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana, como por exemplo, o bloqueio de vias com material do Estado apropriado para isso. Nessa seara, indaga-se: o bloqueio de uma via poderia ser feito com um veículo particular, como um caminhão, por exemplo? Ao nosso entender não poderia, pois vai de encontro com o princípio da legalidade ao qual a Administração Pública deve obediência fazendo somente aquilo que está previsto em lei, pois a Segurança Pública é dever do Estado.

Isso nos lembra a clássica cena nos diversos filmes americanos em que o policial utiliza-se de carro do cidadão para continuar uma perseguição, tendo ficado sem sua viatura. Embora exista a previsão da Requisição Administrativa, verdadeira intervenção do Estado na propriedade na qual o bem ou serviço particular é requisitado por interesse público, não poderia toda e qualquer perseguição possibilitar a utilização de veículo particular para uso, visto que cabe primeiramente ao Estado suportar o ônus de tal situação para prover a segurança pública. Nesse sentido:

A via de coação só é aberta para o Poder Público quando não há outro meio eficaz para obter o cumprimento da pretensão jurídica e só se legitima na medida em que é não só compatível como proporcional ao resultado pretendido e tutelado pela ordem normativa (Mello 2016).

Diante da ausência de norma que regule esse assunto, a Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, XXV estabeleceu que no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano. Destarte não seria toda e qualquer perseguição policial que seria caso de Requisição Administrativa por parte da Polícia, mas somente em situação de iminente perigo público. O Manual Técnico-Profissional nº 3.04.03/2013-cg e o Manual Técnico-Profissional nº 3.04.04/2013-cg que tratam respectivamente dos procedimentos de operação “Blitz” e abordagens a veículos não elencam quaisquer possibilidades de utilização de propriedade particular para cerco ou bloqueio de vias, ou perseguição policial denotando que a Corporação não recomenda tal utilização. Nesse sentido:

De acordo com essa regra decorrente da razoabilidade administrativa, a medida estatal somente será aceitável caso os benefícios públicos que originar compensarem os prejuízos causados ao particular. Trata-se, aqui, de um exame de custo-benefício. Os benefícios públicos (para o interesse primário) de certa medida devem superar seus custos em termos de restrição da liberdade ou da propriedade privada. Se os benefícios públicos compensarem as restrições aos cidadãos e, simultaneamente, se a medida for apta e a mais branda possível, então os três elementos da razoabilidade terão sido cumpridos, tornando a medida moral (Marrara, 2017).

Também é importante citar possível utilização de manobra veicular para parar o veículo em fuga, como também acontece nos Estados Unidos, emblematicamente visto nos filmes e vídeos na internet. Não nos parece também, abarcado pelo princípio da legalidade, a tentativa de tocar com a viatura no veículo em fuga, porque desta prática pode ocorrer acidentes cujos resultados não são controláveis, inclusive para ambos os lados e terceiros. Além disso, os motoristas policiais necessitariam de viaturas apropriadas a isso e de cursos especializados, o que ainda é precário no nosso País. Aliás, sobre curso de direção veicular, torna-se de extrema importância o treinamento do policial para garantir que ele consiga realizar uma perseguição dentro dos parâmetros de legalidade, necessidade, proporcionalidade e conveniência. Não se trata somente de ensinar regras de trânsito, mas de realçar a importância dos deslocamentos de urgência para o oferecimento de Segurança pública de qualidade para a população.


4. DO USO DE ARMAS DE FOGO

Outro aspecto, que não podemos deixar de apontar é a utilização de disparos de arma de fogo para parar o fugitivo. Obviamente que, não agindo com injusta agressão contra os policiais durante a fuga, não pode o indivíduo ser alvo de resposta com arma de fogo, fato não amparado pela legítima defesa própria ou de terceiros. Nada impede, porém que contra ele seja utilizada arma de emissão de impulso elétrico (Exemplo Taser), desde que o uso dela não tenha conseqüências mais danosas. Aliás, a Lei nº 13.060, de 22 de dezembro de 2014, em seu artigo 2º determina que o uso de instrumento de menor potencial ofensivo deve ser priorizado pela força policial.  

Salienta-se a situação que o perseguido, estando na direção de veículo automotor, utiliza-se deste para ferir ou matar pessoas. Essa situação demanda atuação imediata do policial. Citamos como exemplo, caso ocorrido em 2016, quando em um ataque terrorista, um motorista de um caminhão atropelou e matou dezenas de pessoas em Nice, no sul da França. Nesse sentido, não só pode como deve o policial militar na perseguição, visando evitar que ele continue a intentada criminosa, efetuar intervenção com arma de fogo direcionada ao motorista para fazer cessar o crime e proteger demais pessoas. Trata-se de uma intervenção com arma de fogo que visa evitar novas vítimas, sob aspectos concretos iminentes de que surgirão naquele momento, e não de intervenção que visa parar o motorista após o crime, o que deve ser feito pelos meios menos letais já citados.

A utilização de disparos para furar os pneus do veículo em fuga também deve ser conduta a ser analisada. Conforme cita o Manual Técnico Profissional 3.04.01 da Polícia Militar de Minas Gerais esses disparos tem pouca eficácia para parar o veículo. Quando efetuados na lataria do automóvel perdem mais ainda essa capacidade, figurando muitas vezes como disparo intimidativo, portanto não amparado pelo principio da legalidade. Além disso, esses disparos podem se tornar projéteis sem destino vindo a alcançar alvos não desejados. Do mesmo modo os disparos com munição de elastômero (chamada de “munição de borracha”) apresentam os mesmos riscos de produção de resultado não desejável e efeitos colaterais piores aos dos outros meios possíveis de serem utilizados. Outras situações, como policial que arremessa bastão para derrubar motoqueiro visando evitar ou cessar sua fuga, não devem ser realizadas sob pena de a atuação policial baseada em ações sem eficiência técnica e dominadas pelo empirismo.


CONCLUSÃO

A Segurança Pública é hoje tema recorrente em debates nos mais variados seguimentos da sociedade. Nesta seara a pressão sobre as Forças de Segurança referente à demanda por atuações eficazes e imediatas podem levar os policiais à errônea interpretação de que a segurança deve ser feita a qualquer custo. Nesse sentido, as Corporações que tem atribuição de policiamento, mormente as Polícias Militares, devem investir em treinamentos dos mais diversos sempre sob a ótica dos Princípios Constitucionais para garantir ao cidadão uma prestação de serviços de qualidade e satisfatória.

Embora as perseguições policiais a infratores tenham ganhado cada vez mais espaço na mídia, estas devem possuir padrões legais a serem seguidos pelos policiais a fim de que não se transformem em um espetáculo eivado de vícios ilegais e de conseqüências indesejáveis sob a justificativa justiceira de combate ao crime a qualquer custo. Assim, manuais como os editados pela Polícia Militar de Minas Gerais estão em perfeita consonância com o ordenamento jurídico pátrio.


REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Leandro de Paula Carlos

Oficial da Polícia Militar de Minas Gerais. Bacharel em Direito. Tecnólogo em Gestão de Segurança Pública. Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal. Pós-graduado em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARLOS, Leandro Paula. Aspectos legais da perseguição policial e seus reflexos na execução prática da atividade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5299, 3 jan. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63188. Acesso em: 23 dez. 2024.

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