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A investigação criminal pelo Ministério Público

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Agenda 21/02/2005 às 00:00

4 – Ineficácia das instituições policiais e pertinência da investigação pelo Ministério Público

A par de todos os argumentos jurídicos que podem ser trazidos ao debate, inafastável a análise de outros pontos relevantíssimos [10].

É de conhecimento geral a situação precária em que se encontram os órgãos policiais brasileiros. Pela carência de recursos financeiros, científicos e humanos, pela atuação ilícita e imoral de alguns policiais e por tantas outras razões, as quais não objetivamos esgotar.

De qualquer forma, sabe-se que é corrente em nosso país a idéia de que, em regra, a Justiça [11] é rigorosa com os fracos e menos favorecidos e, por outro lado, não se faz forte com os poderosos.

Não obstante, é inegável que, nos últimos anos, a maioria dos membros do Ministério Público vem fazendo o que está a seu alcance para modificar tal panorama. Investigações e medidas judiciais diversas vêm atingindo políticos de renome, empresários conhecidos e vários setores da população, que até então permaneciam longe do pólo passivo da relação processual, seja ela cível ou criminal [12].

Talvez por isso, há, na atualidade, diversas tentativas de ceifar atribuições ministeriais [13].

As acusações feitas contra o Ministério Público, de abuso por parte dos Promotores de Justiça, sempre surgem quando os acusados são pessoas dotadas de poder dentro da organização social e política brasileira. Não se acusa um Promotor de abuso do poder de denunciar quando o acusado é um cidadão comum, sem poder e posses.

É chegado momento de refletirmos sobre os rumos tomados pelas instituições brasileiras [14]. O Ministério Público caminha no sentido de fazer cumprir o mandamento constitucional que define o Brasil como Estado Democrático de Direito, desde o aspecto da igualdade formal e material perante a lei, até a idéia de democracia como participação de todos nos produtos resultantes do progresso da sociedade [15], consagrada por José Afonso da Silva.

A manobra política que se pretende realizar contribuirá tão somente para dificultar ainda mais a responsabilização dos mais prejudiciais criminosos que atuam em nosso país, seja lesando o erário, seja manchando a imagem dos órgãos policiais, seja cometendo outros delitos quaisquer, que, via de regra, não são devidamente apurados pela polícia judiciária.

E o que leva a crer que o Ministério Público atua com maior efetividade do que a Polícia em determinados casos é que aquele órgão, ao contrário deste, é cercado de uma série de garantias e prerrogativas, justamente para que exerça com retidão as relevantes funções que possui.

A Constituição Federal, ao mesmo tempo em que atribui diversas funções ao Promotor de Justiça, cerca-o de garantias e prerrogativas (a maioria delas ausentes para a polícia), visando justamente a isenção, retidão e independência do trabalho daquele.

O Promotor de Justiça possui as garantias de inamovibilidade e vitaliciedade, ao contrário do Delegado de Polícia. Isto retira deste último a independência necessária para que proceda a investigações de alta repercussão.

Outrossim, o membro do Ministério Público possui independência funcional. Isto é, quando no exercício de suas funções, o Promotor de Justiça somente deve obediência à Constituição e às leis. Já no âmbito dos órgãos policiais, vige o princípio hierárquico do Direito Administrativo.

Finalmente, vale dizer que o Ministério Público é instituição dotada de autonomia funcional, não sofrendo qualquer interferência externa, no que se refere à sua atividade-fim. A polícia, ao revés, é órgão subordinado ao governo e aos governantes, tendo dificuldade muito maior para atuar de forma independente.

Portanto, interessa a todos os cidadãos e ao Estado brasileiro que os agentes públicos somem esforços para tornar efetiva a persecução penal. Não vemos razão plausível para justificar a postura de associações de policiais que se colocam contra o entendimento defendido por nós, senão a afeição ao poder e o egoísmo causado por este [16].

Em suma, entendemos que não há qualquer razão (jurídica ou não) suficientemente plausível a fundamentar a assertiva de que o Ministério Público não pode proceder a investigações na área criminal.

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Esta é, sem dúvida alguma, mais uma tentativa de ceifar atribuições ministeriais, a qual, ao contrário do que imaginam os que a defendem, trará prejuízos enormes ao futuro da sociedade brasileira.

Entendendo termos abordado os elementos mais relevantes que envolvem a questão, encerramos o presente trabalho, aguardando que, na sessão em que for apreciada a questão pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, os eminentes julgadores lotados naquela corte reflitam sobre os fundamentos jurídicos dos entendimentos em confronto, bem como sobre as conseqüências danosas de eventual decisão equivocada.


Notas

1 Já que a aplicação do direito penal, em última análise, é uma forma de tutela da ordem jurídica e dos interesses sociais, na qual são sancionadas as condutas que atentam da forma mais gravosa contra os bens jurídicos protegidos pelo ordenamento.

2 Em tema de investigação criminal, há que se adotar o entendimento de que somente são considerados ilegais aqueles elementos de prova colhidos com afronta a direito previsto na legislação penal material ou processual. E, ao menos ao que se sabe, não existe direito assegurado pela lei pátria de não ser investigado pelo Ministério Público.

Ressalta-se ainda que há precedentes jurisprudenciais em que foram aceitas até mesmo provas obtidas por meios ilícitos, por aplicação do chamado princípio da proporcionalidade.

3 Vide artigo "Em defesa da independência do Ministério Público", publicado no Jornal da Tarde em 17.04.2004.

4 Nesse sentido, o entendimento de Hugo Nigro Mazzilli (O Inquérito Civil, Editora saraiva, 2ª ed., p. 130).

5 A Lei 8.625/93, em seu art. 26, a nosso ver, atribui a função investigatória ao Ministério Público, não ressalvando, de forma alguma, restrição quanto à área cível ou criminal.

6 Coincidentemente ou não, a Lei 7.347/85 (art. 9º) utiliza a mesma expressão, ao referir-se aos elementos de prova de que dispõe o Ministério Público.

7 "Os limites do Ministério Público", 20 de junho de 2004, p. A 3.

8 Respectivamente art. 10, § 3º, e art. 18 do Código de Processo Penal.

9 Lembremos que, embora seja ouvida com freqüência a afirmativa de que o Ministério Público abusa do poder de denunciar, o próprio Poder Legislativo editou as normas que se referem à atuação dos Promotores de Justiça, a qual é regida, na área criminal, pelo chamado Princípio da Obrigatoriedade: ou seja, quando o membro do Ministério Público acusa alguém, está a cumprir um dever imposto a ele pela lei processual brasileira e não a perseguir o acusado.

10 A propósito, veja-se Editorial publicado no jornal O GLOBO, em 03.06.2004: "OPINIÃO. Camisa-de-força". E nem se diga que os argumentos extrajurídicos não importam para a solução da controvérsia, pois nunca devem ser desprezados os escopos social e político do processo.

11 Na qual, neste contexto, se inclui a Polícia.

12 Esta afirmativa não é motivo de orgulho. Não obstante, em um Estado Democrático de Direito, chama atenção o fato de que o banco dos réus somente seja ocupado pelos menos favorecidos social e financeiramente. Das duas uma, ou os ricos não delinqüem ou não são punidos.

13 Tentativas de aprovar a chamada "Lei da Mordaça", a teratológica criação de reconvenção contra o membro do Ministério Público em ação de improbidade (Med. Prov. nº 2.088-35/00, já sem vigência), as restrições à ação civil pública (art. 1º, parágrafo único, da Lei 7.347/85), entre outras.

14 Bem demonstra os caminhos a serem perseguidos na evolução das instituições democráticas a manifestação da MEDEL (Magistrados Europeus pela Democracia e Liberdades), em apoio ao Ministério Público brasileiro (Carta publicada no site do Ministério Público de São Paulo – Boletins Informativos da Procuradoria Geral de Justiça).

15 Esta segunda acepção, segundo entendemos, tem como sua maior forma de expressão a defesa judicial e extrajudicial dos interesses metaindividuais.

16 Digno de louvor o posicionamento da Federação Nacional dos Policiais Federais. Seu Conselho de Representantes aprovou por unanimidade Moção de Apoio ao poder investigatório do Ministério Público (em 12 de julho de 2004), cujos trechos transcrevemos a seguir: "Acima de vaidades, monopólios e estrelismos deve estar sempre o cidadão, que espera da Polícia e do Ministério Público eficiência e competência para, lado a lado, atuarem na busca de Justiça"... "A condução, pelo Ministério Público, de investigações pertinentes a crimes de sonegação fiscal, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e corrupção, tem se mostrado imprescindível para a efetiva aplicação de lei"... "Os profissionais de segurança pública que, acima das demandas coorporativas, colocam em primeiro lugar os interesses da cidadania estão solidários ao Ministério Público".

Sobre o autor
Gabriel Lino de Paula Pires

Promotor de Justiça no Estado de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIRES, Gabriel Lino Paula. A investigação criminal pelo Ministério Público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 593, 21 fev. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6334. Acesso em: 23 nov. 2024.

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