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A inconstitucionalidade do bloqueio administrativo de bens de devedores

Agenda 27/01/2018 às 14:20

A Lei 13.606/2018, que criou o Programa de Regularização Tributária Rural, entrou em vigor e permite que a União, administrativamente, torne indisponíveis os bens dos devedores inscritos na dívida ativa.

A Lei 13.606/2018 entrou em vigor em 9 de janeiro deste ano e é mais uma iniciativa legislativa de moralidade e legalidade duvidosas. Trata-se de Lei que institui o Programa de Regularização Tributária Rural, mas que traz em seu bojo inovações legislativas secundárias. De forma mais precisa, a lei autoriza a União a, administrativamente, tornar indisponíveis os bens dos devedores inscritos na Dívida Ativa.

Pela referida lei, após o devedor inscrito na dívida ativa da União ser notificado, a credora poderá proceder à inscrição do débito nos órgãos de proteção ao crédito e bancos de dados. Além disso, a União poderá proceder à averbação das dívidas perante os órgãos de registro de bens e direitos, tornando-os indisponíveis.

Em resumo, a União outorgou-se o direito de inscrever o nome de seus devedores no SPC e no SERASA e de, unilateralmente, tornar indisponível o seu patrimônio. Não é necessário um grande esforço para perceber que isso outorga à União poder que facilmente pode ser abusado ou utilizado “equivocadamente”. Não raro a Fazenda cobra, por meio de Execução Fiscal, crédito indevido, forçando o cidadão a se valer do Poder Judiciário para se defender de cobrança indevida. Os gastos com a contratação de advogado, obviamente, não são indenizados pela União.

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Ademais, a referida norma é um claro retrocesso diante da evolução legislativa que se apresentava. Em 2004, entrou em vigor uma série de mudanças legislativas autorizando a União a não questionar, ou não dar seguimento, a processos referentes a pequenos valores. Agora cria-se um mecanismo no qual a dívida não é cobrada judicialmente, mas o devedor tem seu patrimônio congelado por mero ofício da Fazenda, até seu pagamento.

Não bastasse a imoralidade de tal previsão legal, sua inconstitucionalidade é notória. O Artigo 5º, em seu inciso LIV, é expresso ao afirmar que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. A indisponibilidade por requerimento administrativo, sem o devido processo legal, obviamente, é uma privação do direito de propriedade, pois impede que o suposto devedor exerça sua faculdade de dispor de seus bens.

A indisponibilidade pode recair sobre contas bancárias e não é sem precedente o dano causado ao congelamento de contas utilizadas para movimentar os recursos necessários à sobrevivência. Também não é sem precedentes o dano que a indisponibilidade patrimonial pode causar aos supostos devedores e aos adquirentes de boa-fé de bens futuramente tornados indisponíveis. E com certeza tal medida vai punir especialmente os pequenos devedores, cujos débitos são inferiores aos gastos com advogados para defendê-los judicialmente.

O Estado não produz; arrecada impostos sobre os bens que os cidadãos produzem. Em fase de recessão, a arrecadação cai, forçando o Estado a aumentá-la, seja através do aumento das alíquotas, seja por formas mais criativas. Quando a crise passar, a arrecadação extra será vinculada a novos gastos (pois o padrão nacional é nunca reduzir a tributação), o que significa que na próxima crise (e sempre há uma próxima crise) o Estado vai ter que aumentar novamente a arrecadação. Se a referida sanha arrecadatória não for combatida, em breve veremos todo o dinheiro que sabemos de onde vem, ir para ninguém sabe onde.

Sobre o autor
Paulo T. Vasconcellos

Sócio do Santos & Santana Advogados. Especialista em Propriedade Intelectual, certificado pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI). Aliado da International Bar Association (IBA) e Vice-Presidente do Instituto Santos & Santana de Pesquisa e Estudos em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VASCONCELLOS, Paulo T.. A inconstitucionalidade do bloqueio administrativo de bens de devedores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5323, 27 jan. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63558. Acesso em: 17 nov. 2024.

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