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Relação contratual do transporte aéreo e suas aplicações e implicações normativas

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A legislação consumerista é lei especial para uma relação de consumo. Inconcebível afirmar ser o Código de Defesa do Consumidor uma lei geral face ao Código Brasileiro da Aeronáutica.

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Evolução Contratual: 2.1 Intróito – 3. Intervenção do Estado- 4. Contrato de Consumo Geral: 4.1 Dever de Informação nos Contratos; 4.2 A Função Social do Contrato e a Boa-fé Objetiva – 5. Contrato de Adesão – 6. Controle dos Contratos: 6.1 Controle Judicial; 6.2 Controle administrativo em Abstrato pelo Ministério Público – 7. Transporte Aéreo; 7.1 Aspectos Históricos; 7.2 Globalização. 8- Seqüência Cronológica Normativa. 9- Legislações inerentes ao Transportes Aéreos; 9.1 A Convenção de Varsóvia; 9.2 Código Brasileiro de Aeronáutica; 9.3 Código de Proteção e Defesa do Consumidor no Contrato de Transporte Aéreo-. 10. Possível Antinomia entra as Normas – 11. Contrato de Transporte Aéreo - 12. Práticas Abusivas – 13. Lei do Abate- 14. Conclusão -Bibliografia.


1. Introdução

De início, era desconhecida a complexidade do tema, sendo vislumbrado apenas o estudo de um contrato de consumo eivado de cláusulas desfavoráveis ao consumidor. Entretanto, após preliminares pesquisas, surge abaixo da essência a complexa raiz que interligava diversos ramos da ciência jurídica.

Desta maneira, será envolvido no presente trabalho científico tanto o Direito Público como o Direito Privado, o Direito Nacional como o Direito Internacional. Em caráter específico serão estudados o Direito Constitucional, Direito Civil (1916 e 2002), Direito Aeronáutico, Direito Contratual em sentido amplo, Convenção de Varsóvia, a recente Lei do Abate e por fim, com destaque a Lei de Proteção e Defesa do Consumidor.

A pesquisa envolveu além da doutrina clássica civilista e consumerista, artigos da Revista de Direito do Consumidor, dissertações de mestrado da PUC-SP, dentre outros. Porém deve se destacar a principal fonte elucidativa e sempre desafiadora de pesquisa, dirigida pela Professora acima citada, a discussão e troca de entendimentos dentro da sala de aula do curso de mestrado. O que no nosso entender é onde surge a verdadeira ciência jurídica, sempre questionando os entendimentos já fixados diante a finalidade real das respectivas legislações.

Seria uma grande injustiça não revelar e elogiar o potencial ali atingido, a eterna busca por uma possível solução menos equivocada sempre fora o objetivo. Pede-se licença para apresentar um pertinente pensamento do inconfundível Emanuel Kant, o qual afirmava: "Não ensinar pensamentos, porém a pensar, não levar o discente, porém conduzi-lo de sorte a caminhar por si próprio". Acho que este reflete certamente a busca do cientificismo jurídico.

Serão expostos diversas opiniões e entendimentos, logicamente opiniões contrárias são o que mais se encontrará, sendo procurado, entretanto, expor o entendimento do discente de forma fundamentada de maneira que se procurará evitar pré-conceitos e posicionamentos infundados. Trabalhando-se em prol da ciência Jurídica.

Alguns nomes da doutrina serão questionados de maneira fundamentada, com todo o respeito que lhe são devidos. Questionamentos estes que até o momento entende-se pertinente devem ser derrubados com melhores argumentos e fundamentos para uma melhor conclusão.

O presente trabalho monográfico é apresentado pelo método científico de "Monografia de Compilação", isto é, serão expostos e questionados pensamentos de vários autores que escreveram sobre o tema.

Foi entendido que se faria necessário antes de adentrar em específico nos contratos de transporte aéreo, um visão sobre o movimento contratual ao longo do tempo, diante suas mudanças filosóficas, econômicas e do mercado.

Desta maneira será abordado nos primeiros capítulos a crise da teoria contratual clássica e o sistema liberal, o qual será refletida com início da intervenção do Estado nas relações inter-particulares.

Segue-se então um estudo sobre o contrato de consumo em geral e sua tendência acompanhado pelo Código Civil de 2002, tomando por base ideais como a boa-fé objetiva e a função social do contrato. Estes incorporadas no sistema pátrio através do CDC e tendências mundiais.

É abordada a questão do contrato de adesão, pelo fato de atualmente ser a prática mais utilizada nas relações de consumo, inclusive nos contratos de transporte aéreo. O que consequentemente obriga-se a falar nos tipos de controle dos contratos habilitados pelo CDC e Lei da Ação Civil Pública.

Comentada a visão geral do contrato, adentra-se em específico ao contrato de transporte aéreo. Aparece então todo o âmago da problemática, em específico quando tratar-se da responsabilidade civil. Isto ocorre devido determinado número de leis quererem regular um mesmo assunto.

Conflito entre a aplicação das normas reflete uma realidade, critérios serão abordados com intuito de solucionar a problemática. Entretanto a polêmica entre os vários ramos do direito surgirão, um querendo prevalecer sobre o outro dizendo-se mais pertinente e especial. O STJ que entendia-se ter firmado um entendimento pela aplicação do CDC quanto a relação do transporte aéreo, provocado mudou recentemente o entendimento, deixando ainda mais aberta a questão.

É visto a polêmica da possibilidade da antinomia, e alguns doutrinadores consumeristas quererem vislumbrar CDC como uma Lei Geral, o que com todo respeito não há como entender desta maneira. Será então apresentada com brevíssimos comentários a Lei do Abate, recentemente assinada pelo Presidente da República. Apesar de não incidir diretamente sobre o estudo dos contratos, reflete uma nova preocupação com valores e princípios constitucionais, em destaque o direito á vida, desconsiderados nesta lei.

Notória é a preocupação de todos com o combate a tráfico de drogas e armas, ainda mais diante o nível e complexidade de organização que estes atingiram em prol da criminalidade. Ocorre que a medida assinada pelo senhor Presidente vão de encontro a valores e princípios basilares da Carta Magna, uma pena de morte com manto de lei.


2. Evolução Contratual

2.1 Intróito

Ao tratar de contratos na relação de consumo algumas idéias e conceitos precisarão ser repetidos e revistos, haja vista a insistência dos tidos como conservadores, os tradicionalistas, não quererem enxergar as mudanças trazidas pela Lei 8.078/90 (CDC) e mais recentemente pelo atual Código Civil de 2002.

Inicialmente com o Código Civil de 1916 os contratos eram firmados eivados de idéias iluministas trazidas pela Revolução Francesa de 1789. O Ideal Liberal que até hoje procura conduzir o mercado, consequentemente a economia sempre objetivou uma não intervenção do Estado para com as relações entre os contratantes.

Ocorre que a tendência do tempo do código de 1916 como em todo mundo refletia um cenário econômico totalmente diferente. A idéia da propriedade e o meio agrário em que se vivia refletiam atitudes e comportamentos totalmente diferentes entre as partes. A palavra de um homem naquele tempo valia mais do que qualquer coisa ou tipo de garantia.

Assim, vícios de consentimento na relação, fraudes dentre outros defeitos do negócio jurídico eram exceções. Era permitido então ver figuras como Autonomia da Vontade e Consensualismo diante as relações entre as partes.

Logo sob aquela visão agrária existiria a liberdade para contratar, liberdade para escolher e a liberdade para dispor. Era visto uma segurança jurídica nas relações, logo o pacta sunt servanda na idéia que o contrato fazia lei entre as partes tinha seu valor.

Entretanto as civilizações tendem a evoluir, deixa-se então o modelo agrário e inicia-se o surgimento da sociedade de consumo com a Revolução Industrial, fatores como os crescimentos populacionais aliado a uma urbanização violenta e necessária justificam tal mudança.

De forma resumida e genérica a evolução apresenta etapas que coincide na maioria dos países como o modelo capitalista. Através da história observa-se com a crise do sistema feudal, o surgimento do mercantilismo, o qual evoluiu tornando-se hoje o Capitalismo objetivado por Max Weber. Capitalismo este que possui o fito da Globalização.

Numa economia onde quem manda é o mercado, o Estado deixa de ter total controle deixando para os especuladores esta função. A instabilidade é a marca registrada, a soberania no aspecto da economia de mercado é utópica. A noção de propriedade que temos hoje é totalmente equivocada, pois não devemos ter mais aquela visão agrária do bem do consumo, ou seja, é de se questionar se hoje temos a propriedade ou o uso do bem (1). Relevante ainda refletir que vivemos numa determinada situação que precisamos admitir uma desigualdade na busca de uma igualdade.

Para atender as exigências e demandas da população, através do movimento dos trabalhadores é que surge a Sociedade de Consumo. Utilizando-se dos dizeres do Prof. Marcelo Sodré, alguns elementos configuram esta sociedade, como a produção para a massa, produção em série, oferta publicitária, contrato em massa e um enorme oferta de crédito.

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  1. Intervenção do Estado

A autonomia privada do século XIX sob efeito do liberalismo exacerbado ampliava cada vez mais o controle da economia pelo mercado. O Estado de maneira alguma poderia intervir nas relações entre os contratantes. A idéia que o contrato fazia lei entre as partes e o Estado sem poder intervir nas relações refletiam em abusos de diversas maneiras.

Com o fim da primeira guerra mundial e conseqüente recuperação dos países participantes, o modelo burguês não mais se adaptava a realidade. Assim, o Estado com intuito de uma maior estabilidade e uma paz social para reconstrução, inicia intervir nas relações através de um dirigismo contratual, o qual coincide no período entre as duas grandes guerras. O Professor Nelson Nery Jr. acrescenta que:

"É nesses períodos de grande comoção econômica, aliada às vicissitudes políticas e sociais, que surge o fenômeno do dirigismo contratual, como uma espécie de elemento mitigador da autonomia privada, fazendo presente a influência do Direito Público no Direito Privado pela interferência estatal na liberdade de contratar" (2).

Alguns céticos como Ripert, chegaram a afirmar que não existiria mais o Direito Privado, haja vista o intervencionismo do Estado como Direito Público. Entretanto a idéia era equilibrar as esferas Privada e Pública, pois o Direito Privado é em quem ditava as regras e o Estado apenas fazia figura decorativa.

A liberdade de contratar que atualmente é algo ficto começara a ser vista com outros olhos pelo Estado, logicamente o Estado procurou manter o caráter civil dos contratos. Esta intervenção começa configurar-se de maneira melhor quando são tratados os contratos onde o Estado era parte, ou seja, os contratos administrativos.

Divergências e dúvidas surgiam sobre qual regra se aplicariam a esses contratos quando não se tratasse de uma atividade de atribuição exclusiva do Direito Público. Ou seja, entre as regras do Direito Administrativo e do Direito Civil, prevalecendo o entendimento que aquele é que se aplicaria em qualquer relação, de qualquer natureza.

Esta intervenção em alguns momentos se dava através de um dirigismo contratual, o Estado praticamente forçava a contratação dependendo de seu objeto e conseqüente obrigação. Não haveria assim, manifestação de vontade das partes.

Pede-se licença para apresentar a interpretação do Professor Newton de Lucca ao explanar as modalidades de intervenção ditadas pelo Ilustre Professor Eros Roberto Grau (A Ordem econômica na Constituição de 1988: Interpretação e Crítica, cit., pp.156/157):

"Eros Roberto Grau ensina que a intervenção do Estado na Economia assume três diferentes modalidades: intervenção por absorção ou participação; intervenção por direção e intervenção por indução. Na primeira hipótese, o Poder Público age como agente econômico, assumindo total (absorção) ou parcialmente (participação) os meios de produção e troca de determinado setor da economia, sendo que essa atuação se desenvolve, respectivamente, em regime de monopólio ou de competição com a iniciativa privada" (3).

Quanto a Intervenção por Direção e a Intervenção por Indução, o Estado atuará como regulador da atividade econômica "estabelecendo mecanismos e normas de comportamento compulsório para os sujeitos da atividade econômica em sentido estrito" (4), ou através da intervenção por indução, onde este utiliza-se de "... instrumentos de intervenção em consonância e na conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados" (5).

Este último método que se utiliza das leis, reflete a hipótese mais comum do dirigismo contratual. Como exemplo em nossa legislação, muito bem lembrado pelo Professor Nelson Nery Jr., são as legislações que tratam dos contratos de trabalho e dos contratos de locação residenciais, ambos apresentam leis específicas que refletem a intervenção do Estado.

Lógico que para aqueles que louvam o Direito Privado a Intervenção do Estado nos contratos sempre fora um afronto a clássica teoria contratual, configurada pela autonomia da vontade e a liberdade de contratar. De início o antigo código civil, de 1916, regulou tanto a locação imobiliária como a locação de serviço (trabalho), pertinentemente face ao objeto destes contratos estes passarão a ser regulados por leis específicas sob um olhar necessário do Poder Público.

O Professor Frederico da Costa Carvalho Neto, em sua tese de doutorado pela PUC SP "Nulidade da Nota Promissória dada em Garantia nos Contratos Bancários", foi bastante pertinente ao expor sobre tal tipo de intervenção, vejamos:

"... O legislador percebeu a necessidade de intervir nessa modalidade de contrato que na verdade é peculiar não porque as partes sejam desiguais propriamente por uma ter e outra não a disposição de uma propriedade, mas porque a locação atinge duas finalidades, podendo se dizer que socialmente é bilateral, já que propicia renda deu lado e moradia, exercício de atividades, de outro.

Outro exemplo do código de 1916 é o contrato de trabalho regrado através das locações de serviços (arts. 1216 a 1229). Com o passar do tempo, o legislador foi criando leis esparsas sobre o contrato de trabalho até que o Governo Vargas consolidou essas leis com a CLT " (6).

Ainda sobre posições céticas contra a intervenção do Estado, em específico nas relações contratuais, é de grande importância repetimos a conclusão do Dr. Nelson Nery, para dar um basta naqueles que sustentam uma possível ‘morte do contrato’, assim o professor expõe:

"É preciso que o direito não fique alheio a essa mudança, aguardando estático que a realidade social e econômica de hoje se adapte aos vetustos institutos com o perfil que herdamos dos romanos, atualizado na fase de codificações do século XIX. A propósito, o último grande movimento reformista do Direito Privado no mundo ocidental ocorreu com a recepção do Direito Romano, o que, convenhamos, não se coaduna com o dinamismo que a sociedade, em constante transformação, está a exigir da ciência do Direito." (7)

Um outro meio de intervenção nas relações contratuais centrada na boa-fé e equidade entre as partes é através do poder judiciário e sua interpretação. A barreira da pregada liberdade de contratar e autonomia da vontade teve que ceder aos poucos face aos abusos que vinham surgindo.

Como bem afirma a Profa. Cláudia Lima Marques "... ao juiz não era permitido mais do que um controle formal de presença ou ausência da vontade de um consenso isento de vícios ou defeitos, nunca, porém um controle do conteúdo do contrato, da justeza e do equilíbrio das obrigações assumidas. De outro lado, à lei cabia uma função interpretativa, no máximo, supletiva da vontade" (8).

Logo, ao tratar com a massa após de ditados momentos históricos, a necessidade de intervir nas inúmeras relações já era mais do que necessário. Esta se inicia através de fiscalizações e imposição de certas quotas e preços. Evoluído o sistema a intervenção como já visto anteriormente se deu através de edições de leis limitadoras e controladoras de certas atividades exposta a massa, como por exemplo, os serviços públicos.

Além de que o Judiciário deixa de ser um mero espectador diante relações contratuais abusivas, as quais desviavam sua função essencial e iam de encontro à boa-fé nas relações. A justiça começa então intervir diretamente em caso de abusividades não só, em plano superior, a proteção da parte mais fraca como também o equilíbrio da relação. Este tipo de controle, bem como o controle através do Ministério Público será analisado à frente. Salientando lembrar que diferente da intervenção que se dava nas relações trabalhistas, só com a entrada em vigor do CDC em outubro de 1990 é que no Brasil iniciará uma nova fase de visão e intervenção contratual.


4. Contrato de Consumo Geral

Após décadas de ausência de uma lei que protegesse a parte mais fraca da relação jurídica de consumo, é regulamentada o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90. O CDC vem as ser implantado com intuito de diminuir as disparidades entre desequilibrada relação, ou seja, de um lado o fornecedor, do outro lado um consumidor vulnerável e entre eles um vínculo dado pela aquisição de um produto ou serviço.

Justamente esta Vulnerabilidade é que justifica a existência do CDC. O consumidor com raríssimas exceções é a parte mais fraca da relação de consumo, como já afirmado no país que segue o modelo capitalista globalizado o cidadão é obrigado a consumir para sobreviver.

Nesta busca pela aquisição de um produto ou serviço, os fornecedores agem de tal maneira além de vossos limites para conseguir efetivar suas vendas e negócios mediantes práticas e técnicas muita das vezes imperceptíveis para um ser de sanidade normal.

4.1 Dever de Informação nos Contratos

"Dever de Informação" deve ser entendido como uma das mais importantes regras do CDC é o dever de informação do fornecedor, conseqüentemente o direito a esta pelo consumidor.

Por informação, dentro de uma relação de consumo, está inserida toda uma gama de conseqüências e valores. A informação faz parte do produto ou serviço e como direito básico do consumidor, expresso através do inciso III do artigo 6º, dita uma obrigação do fornecedor em todos os momentos da relação e em qualquer previsão ao longo do CDC, como muito bem citado pelo Prof. Nelson Nery Jr., o código por si só iria até o 7º artigo, pois os demais se tratam de um realce daquilo já fora defendido.

É entendido ainda, que a informação como direito básico do consumidor através do inciso III, art. 6º CDC, não é uma simples informação, e sim uma "informação qualificada". Pois não é necessária apenas a informação, esta tem de ser clara, precisa, compreensível e adequada, ou seja, esta deve ter como parâmetro não a idéia do "homem médio", mas sim o menor grau, o consumidor de classe mais inferior, logicamente estando atento os critérios da racionalidade e proporcionalidade. Mas o defendido é a preocupação, por exemplo, com os anúncios publicitários que tem como alvo às classes menos favorecidas.

Há de ser entendido que o maior vício, que pode se transformar num defeito é a falta de informação adequada ao consumidor. A informação qualificada, como defendido, é fruto da Regra Geral da Boa-fé, a qual pode ser manifestada através do Princípio da Transparência, sem querer ser repetitivo mas já o sendo, prega a informação clara, precisa e adequada em todas as fases da negociação, em caso específico, o pré-contrato (vinculante), o contrato em si (durante) e o momento pós-contrato.

Em termos específicos da relação consumerista contratual, há de ser frisado o artigo 46 do CDC, que não de forma repetitiva, mas sim esclarecedora de uma manifestação do art. 6º III, para os contratos, afirma que os contratos não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão e seu sentido e alcance (9).

Seguindo o exemplo do Código Civil Italiano, o artigo 46 CDC, exprime duas proteções, a do contrato em si com suas respectivas cláusulas mais a questão da informação devida e prévia. Na Itália, é comum que o consumidor junto com o respectivo fornecedor, leiam o contrato na íntegra, juntos, necessitando de um ‘check’ do consumidor em cada cláusula lida e compreendida.

Referente à Autonomia da Vontade, dentro de uma relação de consumo, defender-se-ia em regra, uma total ficção, ou seja, é totalmente utópico falar em Autonomia da Vontade.

A liberdade para contratar, escolher e dispor, hoje é totalmente mitigada. Na relação de consumo em regra estamos sujeitos aos contratos massificados, ou seja, os famosos contratos por adesão recheados de abusividades, onde a autonomia do consumidor na sua grande maioria, fica a cargo de uma simples aceitação, pois o consumidor com intuito de adquirir um produto ou serviço, adere aquela imposição de cláusulas, e futuramente caso constatado alguma irregularidade discuta em juízo, sob pena de não ter satisfeita aquela intenção, como muito bem asseverado pelo Prof. Frederico da Costa Carvalho, em aula dada na especialização do curso de Direito das Relações de Consumo.

Ainda de significativa relevância comentar um artigo do inconfundível e honrado Professor Ronaldo Porto Macedo Júnior, que na Revista Direito do Consumidor nº 35, p. 117, trata da "racionalidade limitada", ou seja, o professor defende que: " A idéia de racionalidade limitada (bounded rationality) reconhece que os indivíduos não estão aptos a receber, armazenar e processar um grande volume de informações", o ilustre professor, com vossa autoridade que lhe é peculiar, é feliz em levantar este aspecto da racionalidade limitada do consumidor, seria redundante dizer, porém aceitável afirmar que seria um plus na vulnerabilidade do consumidor.

São casos como um consumidor chega com um ente num hospital diante de uma urgência/emergência, onde lhe é pedido um cheque caução (considerando que este tem plano de saúde naquele estabelecimento), ou seja não é momento de questionar se aquilo é abusivo ou não naquele momento. Um outro exemplo é o caso da contratação de serviço funerário, diante daquele background bastante conhecido.

Situações que a informação não são processadas na mente da pessoa, devido ao fato, de estar voltada para uma situação mais relevante naquele momento, a qual lhe toma todas as atenções. O que contraria os dispositivos básicos do CDC quanto aos elementos da informação, já expostos.

Neste contexto, através de um mercado capitalista globalizado, muito bem expresso por alguns sábios como um Neocolonialismo, contar com os ditames do CDC, primando pela defesa de um consumidor vulnerável, e ainda com a possível intervenção estatal, um dirigismo contratual necessário que tem por base a Regra Geral da Boa-fé objetiva e a Função Social do Contrato.

Em termos práticos, os contratos que se encontra em determinados cartórios alhures, terão de não só mostrar vossas caras, mas também o corpo inteiro, de forma clara, transparente e legível aos ser mais ignorante. Ciente que a idéia é totalmente utópica, porém a base deste ideal é centrada apenas nos ditames legais tanto do CDC, já comentado como da própria Carta Magna onde expressa que é dever do Estado a defesa do consumidor, bem como o respeito à dignidade humana.

E que se entenda pelo o termo Estado, não apenas o ente federativo, mas também toda a sociedade seja através da sociedade organizada, do Judiciário, Ministério Público e até o consumidor individualmente. Como também o simples fato de ser discutido tema como este, com finalidade de desenvolver consciências, pesar valores e ideais em prol de algo que vai além do individual, mas de uma convivência harmônica em sociedade adaptando os interesses do mercado, do desenvolvimento tecnológico respeitando o cidadão diante de seus direitos comezinhos.

4.2. A Função Social do Contrato e a Boa-fé Objetiva

Entretanto, em consonância com o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, o C. Civil de 2002 muda totalmente seu foco, tendo como base, ideais como a eticidade, socialidade e a operacionalidade.

Ainda está difícil de ser entendido, este novo ideal pelos civilistas e comercialistas que há uma significativa mudança no espírito da lei.

Atualmente, a exemplo do CDC, o C. Civil de 2002 apresenta duas características, espelhada através da própria letra da lei, que é a Boa-fé Objetiva e a Função Social do Contrato.

Por Boa-fé Objetiva, que na verdade possui origem do Direito Romano, como Bonna Fides, porém os alemães tomaram sua paternidade e em 1896, pregam este através do §242 do BGB Alemão, deve-se entender uma regra de conduta um dever anexo, seja antes da contratação, durante e após. Esta conduta, como regra geral prima por uma lealdade, confiança, harmonia, proteção, informação e retidão entre as partes, ou seja, não é só para o fornecedor ou o proponente, esta boa-fé é necessária também ao consumidor e ao contratante, em prol da harmonia de vossos interesses. Quanto às adjetivações entre princípio, regra geral ou norma da Boa-fé objetiva, não apresenta grande relevância discutir, no entanto em consonância com uma grande parte dos estudiosos, é entendida a Boa-fé objetiva como uma Regra Geral para as relações civis e de consumo em geral.

Já por Função Social do Contrato, tanto na área civil quanto consumerista deve-se entender uma comutatividade, ou seja, o ideal de justiça social distributiva, a equivalência nas prestações, esta tem origem na Função Social da Propriedade, a qual prega que a propriedade não é um direito absoluto tem que ser atendida uma função social desta.

A Função Social do Contrato surge como uma resposta ao mandamento do artigo 1.134 do Código Civil Francês que por muito tempo influenciou e foi copiado em diversas leis pelo mundo, este tinha prescrito o famoso dito que ‘o contrato é lei entre as partes’, a idéia era afastar o judiciário daquelas relações firmadas.

Interessante que com esta não interferência dos juízes na relação, surge na Alemanha o entendimento da Função Social do Contrato, este dava poderes aos juízes interpretarem além da lei o interesse social da relação questionada. A função social do contrato surge na segunda metade do séc. XIX e foi idealizada por um penalista (Binding), um processualista (Wach) e um civilista (Köhler) (10)

Quanto à relação entre o CDC e o NCC, nos aspectos de subsiariedade, convergências e divergências, o importante é estar ciente quanto à natureza jurídica da relação, se é de consumo ou civil, apesar de como já exposto estas disciplinas andarem paralelamente com mesmos princípios e regras. Ocorre sim a peculiaridade do CDC, ser sim uma norma protetiva de ordem pública, do elo onde há uma parte fraca, nos termos do CDC , vulnerável diante das práticas de mercado capitalista globalizado.

Errado pensar, como tendenciosamente ocorreu, afirmar que em alguns aspectos o CDC foi revogado pelo C. Civil de 2002. Inicialmente é importante que fique claro que o Código Civil, nunca perdeu sua titularidade de Lei Geral, o qual traz os aspectos gerais e definições para o CDC e outras leis.

O CDC é Lei Especial, onde vai predominar seus ditames onde ocorrer indubitável relação de consumo.

A Profa. Cláudia Lima Marques, em artigo publicado na Revista do Consumidor nº 45, citando o mestre alemão Erick Jaime, defende a idéia dos "Diálogos das Fontes", onde justamente comenta que as duas Leis exercem suas funções harmonicamente, baseando-se justamente em idéias já defendidas, como a Lei do C Civil é Geral e a do CDC é Especial, não veio nenhuma expressão no NCC, que almeja pelo menos a idéia que o CDC seria revogado em determinados pontos e por último que ambas as leis possuem princípios e regras iguais (Boa-fé e Função Social do Contrato), o que serve de base para suas respectivas normas.

Com relação à oferta no C. Civil de 2002 e a oferta no CDC, o que deve ficar claro, é que a oferta no CDC, esta podendo ser chamada de proposta, publicidade, propaganda, comunicação ou ainda apresentação, é vinculada tendo uma obrigação absoluta, por alguns ainda chamado de obrigação pré-contratual, o que através dos artigos 30 e 35 do CDC obriga o cumprimento desta.

Já a oferta no Novo Código Civil, tem sua vinculação relativa, diante de algumas exceções permitindo uma não vinculação daquilo ofertado, é o que pregam os artigos 428 ao 429 do NCC.

Conclui-se esta, com a preocupação de que tenha ficado claro, que o principal aspecto é identificar a relação em discussão, relação civil vai ser tratado com o Código Civil, e já a relação de consumo, que muita das vezes tendenciosamente não quer ser enxergada (como exemplo os bancos e agora mais recente as agências de turismo) será tratado pelo CDC, o qual procura a harmonia, o equilíbrio dos interesses, não se admitindo abusos de direito de qualquer uma das partes.

Poder-se-ia indagar quanto à autonomia dos juízes com a entrada em vigor do Novo Código Civil. A antiga ideologia liberal, não cabe mais, o pacta sunt servanda é desconsiderado quando a nova legislação prima a Função Social do Contrato, Boa-fé Objetiva e a questão da Onerosidade Excessiva para uma das partes. Então se questiona estes instrumentos e ideais, ampliam o poder do juiz no momento de suas decisões?

É proposta uma inversão de hierarquia de Leis, ou seja, entre a Lei Geral, que é o Código Civil de 2002 e o Código de Defesa do Consumidor, como Lei Especial. É sabido que a regra é a Lei Geral trazer os aspectos gerais e as definições para as demais leis, neste caso em específico buscaríamos definições da Lei Especial para Lei Geral, o que não é totalmente descabido quando estas apresentam mesmos princípios basilares como a Boa-fé Objetiva e a Função Social do Contrato. (considerando-se a idéia da Função Social da Propriedade, a qual a paternidade não é do CDC)

Tomando por base este entendimento, poder-se-ia interpretar termos trazidos no corpo do Novo Código Civil, já desmistificados pela linha consumerista, ou seja, conceitos como Boa-fé Objetiva, Função Social do Contrato e Onerosidade Excessiva, seriam e devem ser utilizados pelo poder judiciário, não só numa relação de consumo, como todas as outras relações, em específica a civil, dando assim ao juiz uma maior autonomia em seus atos e decisões.

Assim com o respaldo da própria nova lei civil, que atenderá uma função social (art. 421 NCC), Boa-fé e Probidade (art. 422 NCC) e onerosidade excessiva (art. 478 e 479 NCC) aliado ao artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil que garante ao juiz, na aplicação da lei atenderá os fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (11) dará sim ao magistrado maior poder de decisão, diferente do dogma do Código Civil de 1916, onde o contrato independente de qualquer coisa fazia lei entre as partes.

Crendo assim, a exemplo do que permite o CDC, como norma de ordem pública, que seria louvável e coerente que o juiz, primando os ideais, antes expostos, possa sim quando flagrantes situações que contrarie a boa-fé objetiva, a função social do contrato, causando uma onerosidade excessiva para uma das partes em favor da outra, interfira de ofício, ou seja, sem provocação para que a função social seja obedecida. Entendendo-se ainda que a exemplo dos contratos de relação de consumo, poderia o juiz no caso de cláusula que cause certa onerosidade excessiva a uma das partes, anular esta e conservar o contrato.

Ademais, apesar de inúmeras divergências é entendido que o que vai prevalecer é o poder do juiz, baseando-se simplesmente em fundamentos, como a busca da harmonização e equilíbrio dos interesses das partes; a norma é de ordem pública, sendo seu poder imperativo; e ainda o parágrafo único do artigo 2035 das Disposições Transitórias no Código Civil de 2002, que é Regra Geral, diante o CDC que é Lei Especial, dando aquela lei o aparato para situações conflitantes como esta, a qual afirma: "Art. 2035(...) Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos".

Como muito bem já pregado por diversos autores, e neste trabalho a visão e ideal individualista, liberal do antigo Código Civil cai por terra, vive-se hoje uma realidade com pilares na eticidade, socialidade e operacionalidade. O ser humano hoje é a preocupação da Ciência Jurídica, o homem como centro de todas as relações, como propriamente objetiva nossa constituição, o contrato hoje tem nova vestimenta onde é necessária atenção a dignidade humana e social.

Fica então concluída, que através do Novo Código Civil, o juiz ganha uma maior autonomia e poder decisão, de acordo com os pilares já expostos. Figuras como Pacta Sunt Servanda e Teoria da Imprevisão, serão postas em segundo plano pelos juízes que deverão primar pela Função Social de cada contrato em discussão. Dir-se-ia ainda que a intervenção estatal é necessária também nas relações civis e comerciais, logicamente com limites a não afetar a ordem econômica.

Sobre o autor
Marcus Vinicius Fernandes Andrade da Silva

advogado em São Paulo (SP), mestrando em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP, especialista em Direito das Relações de Consumo pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Marcus Vinicius Fernandes Andrade. Relação contratual do transporte aéreo e suas aplicações e implicações normativas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 596, 24 fev. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6371. Acesso em: 25 nov. 2024.

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