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O significado de atividade jurídica sob a ótica da Emenda Constitucional nº 45/2004

Breves relatos

Agenda 14/03/2005 às 00:00

A reforma do Judiciário criou incerteza sobre o significado de "atividade jurídica" para ingresso na carreira da Magistratura e do Ministério Público.

A problemática inserida no texto da Constituição Federal de 1988, com o advento da Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, também chamada pelos juristas de Reforma do Judiciário, veio a arrefecer os ânimos dos bacharéis em direito que pretendem ingressar na carreira da Magistratura e do Ministério Público, vejamos:

Art. 93... .................................................

I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação;

[...]

Art. 129... ..................................................

[...]

§ 3º O ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e observando-se, nas nomeações, a ordem de classificação.

Objetivando, pois, do contexto normativo exposto acima, extrair uma interpretação que venha a alumiar o significado da expressão legal "atividade jurídica" criada pelos parlamentares, sem querer, deixar é claro, de suscitar que tal disposição necessita de legislação regulamentadora. Pretende-se, trazer a superfície, nesse naufrágio hermenêutico, que irá se encontrar inúmeros editais de concursos para ingresso nas carreiras supramencionadas, uma luz no final do túnel, a fim de que se preencha está brecha legislativa que o novo texto constitucional trouxe à tona.

Com isso, poder-se-á suprir, até que seja em caráter temporário e parcial, esta exposição dogmática formal, que expõe os concursandos, pretendentes aos cargos alhures comentados, ao nervosismo da instabilidade conceitual que se instaurou com reforma do judiciário, refletindo num sentimento de derrota. Pois, se não se sabe ao certo o significado de atividade jurídica, tais se sentem desmotivados no ato de matrícula em cursos preparatórios para concursos, já que não sabem realmente, se forem aprovados nos exames, que poderão ingressar, sim ou não, nos cargos, visto que se paira uma incerteza quanto aos requisitos de investidura nas carreiras da Magistratura e do Ministério Público. Nesse foco, vemos, então, que o poder público, com tais exigências, só tem a perder em qualidade, uma vez que depois de três anos de atividade de "não se sabe o que", muitos podem ter se estabilizado e alcançado satisfação na advocacia ou outro segmento econômico afim que provoque desinteresse a pessoas verdadeiramente preparadas para os cargos acima citados.

Na busca, portanto por um entendimento base, propõe-se postular uma reflexão baseada na eqüidade, para que os concursandos, ou quem tiver interesse, possa se apoiar, em tal posicionamento, encontrando, desse modo, um porto seguro, para que tenha condições, de reestruturar-se psicologicamente, diante deste terrorismo produtivo-legislativo do ordenamento legislativo pátrio, que tanto assola com efeito erga omnes, diferentes situações no mundo jurídico, a citar de exemplo temos a reforma da previdência.

Para tal empreitada, utilizar-se-á da zetética e da analogia de definições, colimando-se num prenúncio significativo, que estará apto a críticas e comentários, que resultaram no início de um aperfeiçoamento interpretativo lingüístico-literal, dos prescritos nos arts. 93, I e 129, § 3º, da EC nº 45 e, que posteriormente poderá gerar fruto na árvore da legislatura, criando-se assim um precedente doutrinário.

Nesse diapasão, acerca do tema, instrui-se, que a celeuma provocada pela intrusão da expressão "atividade jurídica", no meio das exigências para o apossamento nos cargos de juiz substituto e do Ministério Público, não é hodierna, na medida que, outrora se requisitava a chamada "prática forense", vejamos as palavras de Hugo Nigro Mazzili, em seu artigo intitulado "A prática de "atividade jurídica" nos concursos" 1, in verbis:

Nesse ínterim, parece-nos interessante noticiar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já tinha enfrentado esse tipo de problema, mantendo interpretação mais eqüitativa sobre o alcance da expressão parelha "prática forense", e, a nosso ver, sua posição vinha sendo bem adequada.

O STJ vinha considerando legítima a exigência de "prática forense" para o ingresso nas carreiras jurídicas, mas o seu conceito deveria ser interpretado de forma ampla, de modo a compreender não apenas o exercício da advocacia e de cargo no Ministério Público, Magistratura ou em outro qualquer privativo de bacharel em Direito, mas também as assessorias jurídicas; as atividades desenvolvidas nos Tribunais, nos Juízos de primeira instância, como as dos funcionários, e até as atividades de estágio nas faculdades de Direito, doadoras de experiência jurídica. Até mesmo no conceito de exercício de atividade jurídica, tinha-se entendido estar compreendido o trabalho de quem fazia pesquisas jurídicas em bibliotecas, revistas e computador etc.

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Outrossim, o requisito deve ser exigido quando da posse e não quando da inscrição no concurso. Segundo o entendimento pretoriano dominante, a prática forense, traduzida no efetivo exercício da advocacia por alguns anos, ou a prática de cargo para o qual se exija diploma de bacharel em Direito era exigência legítima para ingresso na Magistratura, cuja comprovação deve ser aferida no ato da posse e não por ocasião das inscrições.

Deixando "a latere" as conjeturas etimológicas-conceituais, passa-se a proposição de um resultado de posteridade conceitual para preenchimento das lacunas interpretativas deixadas pelo legislador nos dispositivos do texto legal supracitado, a fim de abranger com maior propriedade o arcabouço fático deixado em tópica, para que se traga a calmaria para os concursandos e pretendentes a concurso público, pois a "após a tempestade sempre vem a bonança", como dita Ernest Hemingway em seu livro o "O Velho e o Mar".

"Ab initio", antes de avançarmos no campo da linguagem gramatical jurídica, peça-se vênia, para esclarecer alguns termos da expressão "atividade jurídica", a luz da língua portuguesa. Primeiro, desmembra-se o enunciado, nas palavras "atividade" e "jurídica", para por fim alcançarmos o efeito desta conjunção. O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa 2 dispõe o seguinte a respeito dessas palavras:

Atividade. [Do lat. activitate.] 1. Qualidade ou estado de ativo; ação: Encontrei-o às seis da manhã já em plena atividade. 2. Diligência, afã: Para quê toda essa atividade? 3. Qualquer ação ou trabalho específico: atividades agrícolas. 4. Modo de vida; profissão, indústria: Sua principal atividade é ensinar. [...]

Jurídico (a). [Do lat. juridicu.] Adj. 1. Relativo ou pertencente ao direito. 2. Conforme aos princípios do direito; lícito, legal. [...]

https://www.dji.com.br/dicionario/juridico.htm

Com azo, o Dicionário Brasileiro Globo 3, explicita acerca do significado dos vocábulos, in verbis:

ATIVIDADE, s. f. Qualidade de ativo; faculdade de operar; (fig.) diligência; presteza; em atividade (loc. adv.): no exercício de suas funções (Do lat. activatate.)

JURÍDICO, adj. Concernente ao direito; conforme aos princípios do direito.

Pelo ora exposto, considera-se produto final, para melhor identificarmos o conceito manifestado na diminuta frase, adágio romano "activatate juridicu", na esteira de raciocínio da interpretação gramatical 4, o vernáculo "atividade" como sujeito principal, tendo na adjetivação com o fonema "jurídica", a edificação de um axioma lingüístico azado, cujo conceito pode-se propor como sendo, no contexto das normas anunciadas no intróito, qualquer ação, trabalho específico, modo de vida, profissão, função, faculdade de operar, que esteja intimamente relacionada ao Direito, ou pertencente a ele, conforme os Princípios do Direito.

Avante, com relevância, torna-se pênsil a conceituação acima proposta, embasada no escólio dos dicionários da língua portuguesa supra mencionados, pois deve-se agora, perpetrar-se no campo da interpretação doutrinária 5, nos rumos e visões do jurígeno, com a finalidade de se propagar uma intelecção dos signos, nos rumos da linguagem jurídica, na medida que é nessa dimensão que nos encontramos dispostos a buscar o significado deste vernáculo criado pelo legislador brasileiro.

Destarte, parte-se, então, para as colocações significativas do vocabulário jurídico. Para tanto, esmiúça-se, também a expressão "atividade jurídica" e a divide-se nos fonemas "atividade" e "jurídica".

Nesse contexto, pois, vejamos o significado dessas palavras na fonte da filologia jurídica.

Nessa corrente, De Plácido e Silva, por oportuno, alvitra o seguinte:

ATIVIDADE. Designa a soma de ações, de atribuições, de encargos ou de serviços desempenhados pela pessoa. É este o seu sentido genérico. E, assim, se diz: atividades profissionais; atividades políticas; atividades comerciais.

É, assim, o âmbito de ação, em que o agente desenvolve as suas aptidões.

Mas, em sentido estrito, em uso no Direito Administrativo, entende-se a efetividade no exercício de cargo ou função. E, assim, opõe-se à inatividade, que, justamente, explica o caso, em que o funcionário está afastado da ativa, isto é, está fora do exercício do cargo, ou função anteriormente ocupada.

Quando o vocábulo vem representar o âmbito de ação desenvolvida pela pessoa ou pela entidade pública, toma qualitativos, que bem distinguem as espécies de serviços ou funções, que nele se compreendem.

JURÍDICO. Derivado do latim juridicus, de jus (direito) e dicere (dizer), entende-se, na significação em que é tido, como tudo o que é regular, que é legal que é conforme ao Direito.

Desse modo, a qualidade de jurídico evidencia a de justo e legal, por que mostra estar dentro da justiça e da ordem judiciária.

Assim, sendo o vocábulo jurídico exprime o sentido legítimo, de legal, de justo, segundo as circunstâncias em que seja aplicado, ao mesmo tempo que revela o ato ou tudo o que se apresenta apoiado na Lei ou no Direito.

Da "expositio", diante da proposição final, propugna-se o conceito do provérbio "atividade jurídica", para os fins os quais se revelou necessário à labuta deste artigo, como sendo: as ações, atribuições, funções, operações, ou encargos, os quais uma pessoa desempenha, no âmbito do Direito (concernente ou pertencente ao mesmo), de maneira legal, justa e legítima.

Portanto, na perspectiva, de se solucionar a problemática, objeto do estudo, sugere-se que independentemente da ação laborativa que se pratique no universo jurídico, como serviço notarial, escrivão, escrevente, delegado, oficial de justiça, advogado, magistério, procurador, defensoria pública, detetive, etc., não deixando de se reportar é claro aos bacharéis em direito, que escolheram por prolongar os estudos acadêmicos na seara do Direito, como pós-graduação latu sensu, mestrado, doutorado, estágio pós-doutorado, pesquisa de campo, cursinho preparatório para concursos, é veemente alumiar que todas estas faculdades são espécies do gênero "atividade jurídica".

Encerrada, pois a explanação conceitual, suscita-se que não se pretendeu com tal colóquio textual, demonstrar-se loquaz ou verboso, porém sim afável às questões que se inserem no cotidiano de produção legislativa, enleio aos diplomas legais, provocando confusão interpretativa e uma emoção que atita nossas gorzas perante os malfadados malabarismos do legislador, que nos assola, tornando-nos acrobatas do destino que eles mesmos traçam e na maioria das vezes se enrolam, devido à falta de preparação técnica e de pesquisa.

Assim, persegue-se uma posição, na qual todos devem se volver ao dicionário para entender a essência e os fundamentos da linguagem, na dimensão da língua no qual é intruso.

Pablo Neruda, em "Oda al Diccionario", declama que:

Diccionario, no eres

tumba, sepulcro, fénetro,

túmulo, mausoleo,

sino preservación,

fuego escondido,

plantación viviente

de la esencia

granero del idioma.

Espera-se, mediante tal poema conceitual, despertar em todos o espírito de luta e de pesquisa, pois como frutos dessa bela nação que é o Brasil, não podemos nos sujeitar as pretensões legislativas, sem ao menos perseguir nosso direito de publicidade e de expressão, com a finalidade de se aferir dúvidas elencadas nas proposições vagas, de inúmeros dispositivos legais, inclusive de nossa Carta Magna, que nos deixa ao alvedrio de lacunas, das legiões do olvido do Poder legislativo.


Notas

1 MAZZILLI, Hugo Nigro. A prática de atividade jurídica nos concursos. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 393, 4 ago. 2004. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/6174/a-pratica-de-atividade-juridica-nos-concursos>. Acesso em: 03 fev. 2005. Reporta-se por oportuno às citações de rodapé do nobre autor, para fins de pesquisa: "RMS n. 450.936/RS; REsp n. 399.345/RS; AREDMS n. 6.620/DF; MS n. 6.867/DF; MS n. 6.624/DF; MS n. 6.559/DF; MS n. 6.815/DF; MS n. 6.579/DF; REsp n. 241.659/CE; MS n. 6.200/DF; MS n. 6.216/DF; MS n. 4.628/DF; MS n. 5.148/DF; ROMS n. 15.221/RR; Nesse sentido, a Súmula n. 266 do STJ; ROMS n. 15.221/RR; RMS n. 14.434/MG.

2 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975. p. 155 e 853.

3 FERNANDES, Francisco; LUFT, Celso Pedro; GUIMARÃES, F. Marques. Dicionário brasileiro globo. 30. ed. São Paulo: Globo, 1993. p. 149 e 439.

4 Maria Helena Diniz explicita quanto à interpretação gramatical, que a própria: "[...] se funda em regras da lingüística, examina o aplicador cada termo do texto normativo, isolada ou sintaticamente, atendendo à pontuação, colocação de vocábulos, origem etimológica etc." (grifos nossos) DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. pp. 58-59.

5 É o momento de intersubjetividade, no qual o aplicador do direito, o jurista, formula, através de uma convenção de idéias um sentido para se apoderar de um significado objetivamente verdadeiro, para sua realidade, proveniente de animus próprio, contribuindo, assim, para constituir valores enunciativos. Pois, o fim da norma não deve ser a imobilização ou a cristalização da vida, e sim manter contato íntimo com ela, segui-la em sua evolução e adaptar-se a ela, já que representa um fim social.

Sobre o autor
Rogério Wanderley Guasti

advogado em Vitória-ES e mestrando em Direito e Economia pela UGF - RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUASTI, Rogério Wanderley. O significado de atividade jurídica sob a ótica da Emenda Constitucional nº 45/2004: Breves relatos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 621, 14 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6394. Acesso em: 5 nov. 2024.

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