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Convenção de Arbitragem e o Código de Defesa do Consumidor

Agenda 09/02/2018 às 10:22

O presente artigo trata-se de um estudo sobre a eficiência e validade das Cortes de Arbitragem em face das inúmeras denúncias de casos de evidente parcialidade e ilegalidade de algumas de suas decisões.

As Cortes de Arbitragem surgiram como um ótimo meio de desafogar a Justiça Estatal, com o fim de ser acionada para dirimir pequenas lides que surgirem entre partes de um contrato em decorrência do negócio jurídico em especial.

Acontece que, no Brasil, como quase tudo que no papel é lindo, na prática acabou sendo desvirtuado por pessoas de má-fé.

A ideia da corte de arbitragem era que duas partes, seja na hora de assinar um contrato, ou posteriormente quando surgisse uma desavença, sentassem e escolhessem, de comum acordo, com livre e espontânea vontade, uma corte de sua confiança, que ambos conhecem e confiam, para dirimir a lide. Mas não é isso que ocorre na prática.

Esta escolha pode ser feita já no contrato pactuado entre as partes, onde estas iriam eleger a Corte em especial para dirimir a lide que por ventura surgisse. A cláusula que dispor sobre esta eleição é chamada de Cláusula Compromissória. Uma vez presente no contrato, teoricamente as partes não poderiam se valer da Justiça Estatal para dirimir suas lides decorrentes deste contrato.

Acontece que as Cortes de Arbitragem hoje são utilizadas por grandes empresas que elegem uma destas EMPRESAS PRIVADAS específicas para dirimir TODOS E QUAISQUER litígios que vierem a surgir de seus contratos, apenas a mencionando em suas minutas, sem que a outra parte faça a menor ideia do que se trata.

Quando a relação é de consumo, habitualmente a cláusula compromissória é imposta ao consumidor, já que se trata de contratos de adesão, sem dar a parte mais fraca qualquer possibilidade de questionamento.

Levando em consideração a grande importância desta cláusula, o artigo 4º, § 2º, da Lei nº 9.307/96, estipula requisitos que a Cláusula Compromissória precisa preencher para ter validade.

Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.

§ 1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.

§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.

Acontece que, quando um consumidor lê a cláusula arbitral não fará a menor ideia do que ela quer dizer. Ainda que a lei especial exija que ela seja grifada e contenha uma assinatura específica. Isto só chama a atenção do consumidor para a cláusula, mas não fará que ele a entenda. É uma medida completamente ineficaz. Um homem comum não sabe o que é uma Corte de Arbitragem, e não faz ideia da repercussão desta cláusula.

Ela pode ser destacada em uma pagina em anexo, colorida, com desenhos e animações, mas não fará a mínima diferença.

Logo, ainda que sejam preenchidos os requisitos exigidos pela lei especial, a finalidade desta medida não será atingida. O Consumidor, ao ler a cláusula arbitral, depois de ler vinte páginas de letras miúdas, ainda que esteja destacada, não entenderá o seu teor. Desta forma, a finalidade de proteger o consumidor destas situações não será atingida.

Destarte, ainda que os requisitos exigidos sejam preenchidos, esta cláusula nunca deixa de ser imposta ao consumidor.

E é justamente isso que o Código de Defesa do Consumidor combate.

Ora, como é cediço, o Código de Defesa do Consumidor foi criado para proteger a parte mais fraca de um contrato do poder da parte mais forte, quando o nível destes poderes forem consideravelmente dissonantes.

A questão é que no momento da assinatura do contrato, as grandes empresas estão amparadas por uma gama de profissionais altamente qualificados, enquanto o Consumidor conta apenas com sua experiência e conhecimento.

Levando este fato em consideração, o Código de Defesa do Consumidor, passou a dispor em seu artigo 51 o seguinte:

“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[...]

VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;

[...]”

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Pelo artigo citado, tem-se claramente que é vedada a utilização compulsória da arbitragem nas relações de consumo.

É neste momento que surgem questionamentos e conflitos de entendimentos entre juristas, pois, a primeira vista, este artigo do CDC estaria em conflito com a lei especial das Cortes de Arbitragens.

Mas é importante esclarecer que não há confrontação dos arts. 51, VII, do CDC e 4º, § 2º, da Lei nº 9.307/96.

Para que tenha validade, a Cláusula Compromissória tem que obedecer os requisitos exigidos, mas ela não OBRIGA o Consumidor a procurar a Corte de Arbitragem, mas sim da a ela esta OPÇÃO.

Se esta Cláusula não estivesse presente no contrato, nenhuma das partes teria o direito de procurar a Corte para dirimir as lides decorrentes do contrato pactuado entre elas.

Diferente é quando o contrato é entre duas empresas, pois nesse caso ambas tem o poder de modificação das cláusulas contratuais e possuem um suporte e conhecimento adequado. É para esses casos a exigência dos requisitos da Cláusula Compromissória Cheia, pois, devido sua importância, as partes deverão observá-la com maior atenção. Nesses casos os contratantes não poderão se livrar desta norma contratual e deverão se valer das Cortes de Arbitragem para dirimir suas lides.

Em consonância com o mesmo entendimento, tem-se a seguinte ensinamento da Ministra Nancy Andrighi:

“Assim, da confrontação dos arts. 51, VII, do CDC e 4º, § 2º, da Lei nº 9.307/96, constata-se que a incompatibilidade entre os dispositivos legais é apenas aparente, não resistindo à aplicação do princípio da especialidade das normas, a partir do qual, sem grande esforço, se conclui que o 4º, § 2º, da Lei nº 9.307/96 versou apenas acerca de contratos de adesão genéricos, subsistindo, portanto, a aplicação do art. 51, VII, do CDC, às hipóteses em que o contrato, mesmo que de adesão, regule uma relação de consumo.

Na realidade, com a promulgação da Lei de Arbitragem, passaram a conviver, em harmonia, três regramentos de diferentes graus de especificidade: (i) a regra geral, que obriga a observância da arbitragem quando pactuada pelas partes; (ii) a regra específica, aplicável a contratos de adesão genéricos, que restringe a eficácia da cláusula compromissória; e (iii) a regra ainda mais específica, incidente sobre contratos sujeitos ao CDC, sejam eles de adesão ou não, impondo a nulidade de cláusula que determine a utilização compulsória da arbitragem, ainda que satisfeitos os requisitos do art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.307/96.

Note-se, por oportuno, que essa circunstância não impede a utilização da arbitragem na resolução de conflitos de consumo.

O CDC veda apenas a utilização compulsória da arbitragem, o que não obsta o consumidor de eleger o procedimento arbitral como via adequada para resolver eventuais conflitos surgidos frente ao fornecedor.

 (REsp 1169841/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/11/2012, DJe 14/11/2012)

No mesmo sentido, ensina Cachapuz:

“O Código de Defesa do Consumidor, em seu art.51, VII, fulmina, com vício de nulidade, as cláusulas contratuais das relações de consumo que determinem a utilização compulsória de Arbitragem. O que o Código pretendeu, na verdade, foi impedir que o fornecedor, servindo-se da sua posição mais favorecida em relação aos consumidores, condicionasse a solução dos eventuais conflitos de relação de consumo a árbitros menos sensíveis à posição de inferioridade dos consumidores, ou, ainda, que desprezasse as regras contidas no aludido Código, através da escolha em contratos de adesão; [...] Aliás, não há qualquer proibição no diploma do consumidor que vede a possibilidade de as partes encerrarem sua relação processual através da transação.”

Corroborando este argumento, assevera a Ministra Nancy Andrighi:

“O legislador, inspirado na proteção do hipossuficiente, reputou prejudicial a prévia imposição de convenção de arbitragem, por entender que, usualmente, no ato da contratação, o consumidor carece de informações suficientes para que possa optar, de maneira livre e consciente, pela adoção dessa forma de resolução de conflitos.

Via de regra, o consumidor não detém conhecimento técnico para, no ato de conclusão do negócio, avaliar as vantagens e desvantagens inerentes à futura e ocasional sujeição ao procedimento arbitral. Ainda que o contrato chame a atenção para o fato de que se está optando pela arbitragem, o consumidor, naquele momento, não possui os elementos necessários à realização de uma escolha informada.”

(REsp 1.169.841-RJ)

De igual modo, Nery Junior lembra que “a opção pela solução do litígio no juízo arbitral, bem como a escolha da pessoa do árbitro, é questão que deve ser deliberada equitativa e equilibradamente pelas partes, sem que haja preeminência de uma sobre a outra.”

José Rogério Cruz Tucci, ainda ensina que:

"Diante da clareza da redação sugerida, resulta mais do que evidente que a arbitragem, em tais situações, é condicionada exclusivamente à autonomia da vontade do consumidor, ou seja, a arbitragem somente será deflagrada se o consumidor escolher tal via ou se anuir, de forma explícita, à sua instauração.

O processo arbitral, desse modo, passa a ser mais uma alternativa à disposição do consumidor, não podendo jamais ser concebida como ameaça aos seus direitos! É dizer: quanto mais rico for o instrumental para a tutela dos direitos, mais aperfeiçoado é o respectivo ordenamento jurídico.

Não se deve ter qualquer receio, pois, de inclusão da cláusula de arbitragem em contratos de adesão, regendo relação de consumo, uma vez que sempre caberá ao consumidor ditar a última palavra.

Descortina-se assim importante caminho legal para que o consumidor possa encontrar solução mais rápida e eficiente para a satisfação de seu direito, sobretudo naquelas situações nas quais o objeto do litígio ostenta significativo valor econômico.”

VOLUNTARIEDADE é o princípio basilar desta figura legal. O Consumidor dever ter a LIBERDADE de, quando surgir alguma lide, OPTAR ou não por dirimi-la por meio de uma Corte de Arbitragem. E não o obrigar a abrir mão do poder jurisdicional do Estado apenas por ter assinado uma cláusula no qual não entende nada sobre seu poder e repercussão. Negar isto é desconsiderar por completo todo sentido axiológico do Código de Defesa do Consumidor.

Neste sentido, tem-se a seguinte jurisprudência recém prolatada pelo Superior Tribunal de Justiça, cujo relator foi o ilustríssimo Ministro Luis Felipe Salomão, a qual merece ser lida na íntegra, pois é uma verdadeira aula:

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. CONTRATO DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. CONTRATO DE ADESÃO. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM. POSSIBILIDADE, RESPEITADOS DETERMINADAS EXCEÇÕES.

1. Um dos nortes a guiar a Política Nacional das Relações de Consumo é exatamente o incentivo à criação de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo (CDC, art. 4°, § 2°), inserido no contexto de facilitação do acesso à Justiça, dando concretude às denominadas "ondas renovatórias do direito" de Mauro Cappelletti.

2. Por outro lado, o art. 51 do CDC assevera serem nulas de pleno direito "as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem". A mens legis é justamente proteger aquele consumidor, parte vulnerável da relação jurídica, a não se ver compelido a consentir com qualquer cláusula arbitral.

3. Portanto, ao que se percebe, em verdade, o CDC não se opõe a utilização da arbitragem na resolução de conflitos de consumo, ao revés, incentiva a criação de meios alternativos de solução dos litígios; ressalva, no entanto, apenas, a forma de imposição da cláusula compromissória, que não poderá ocorrer de forma impositiva.

4. Com a mesma ratio, a Lei n. 9.307/1996 estabeleceu, como regra geral, o respeito à convenção arbitral, tendo criado, no que toca ao contrato de adesão, mecanismos para proteger o aderente vulnerável, nos termos do art. 4°, § 2°, justamente porque nesses contratos prevalece a desigualdade entre as partes contratantes.

5. Não há incompatibilidade entre os arts. 51, VII, do CDC e 4º, § 2º, da Lei n. 9.307/96. Visando conciliar os normativos e garantir a maior proteção ao consumidor é que entende-se que a cláusula compromissória só virá a ter eficácia caso este aderente venha a tomar a iniciativa de instituir a arbitragem, ou concorde, expressamente, com a sua instituição, não havendo, por conseguinte, falar em compulsoriedade. Ademais, há situações em que, apesar de se tratar de consumidor, não há vulnerabilidade da parte a justificar sua proteção.

6. Dessarte, a instauração da arbitragem pelo consumidor vincula o fornecedor, mas a recíproca não se mostra verdadeira, haja vista que a propositura da arbitragem pelo policitante depende da ratificação expressa do oblato vulnerável, não sendo suficiente a aceitação da cláusula realizada no momento da assinatura do contrato de adesão. Com isso, evita-se qualquer forma de abuso, na medida em o consumidor detém, caso desejar, o poder de libertar-se da via arbitral para solucionar eventual lide com o prestador de serviços ou fornecedor. É que a recusa do consumidor não exige qualquer motivação. Propondo ele ação no Judiciário, haverá negativa (ou renúncia) tácita da cláusula compromissória.

7. Assim, é possível a cláusula arbitral em contrato de adesão de consumo quando não se verificar presente a sua imposição pelo fornecedor ou a vulnerabilidade do consumidor, bem como quando a iniciativa da instauração ocorrer pelo consumidor ou, no caso de iniciativa do fornecedor, venha a concordar ou ratificar expressamente com a instituição, afastada qualquer possibilidade de abuso.

8. Na hipótese, os autos revelam contrato de adesão de consumo em que fora estipulada cláusula compromissória. Apesar de sua manifestação inicial, a mera propositura da presente ação pelo consumidor é apta a demonstrar o seu desinteresse na adoção da arbitragem - não haveria a exigível ratificação posterior da cláusula -, sendo que o recorrido/fornecedor não aventou em sua defesa qualquer das exceções que afastariam a jurisdição estatal, isto é: que o recorrente/consumidor detinha, no momento da pactuação, condições de equilíbrio com o fornecedor - não haveria vulnerabilidade da parte a justificar sua proteção; ou ainda, que haveria iniciativa da instauração de arbitragem pelo consumidor ou, em sendo a iniciativa do fornecedor, que o consumidor teria concordado com ela. Portanto, é de se reconhecer a ineficácia da cláusula arbitral. (grifos meus)

9. Recurso especial provido.

(STJ - RECURSO ESPECIAL Nº 1.189.050 - SP (2010/0062200-4), Relator: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, data do julgamento 14/03/2016)

Pelo ensinamento do ilustre Ministro, entende-se que não basta a assinatura da Cláusula Arbitral para que o Consumidor se torne obrigado a ajuizar na Corte de Arbitragem qualquer Ação em decorrência do contrato pactuada com a Fornecedora. É preciso uma ratificação desta intenção. A simples propositura da Ação na justiça estatal mostra claramente a desistência da medida arbitral. Decisão esta que deve ser respeitada, levando em consideração sua liberdade de optar pela escolha ou não desta medida.

Em conclusão, resumindo todo argumento apresentado, as Cláusulas Compromissórias são importantes e servem para que as partes de um contrato elejam uma Corte para dirimir as lides decorrentes do contrato, mas quando se trata de uma relação de consumo, o Consumidor tem a opção por se utilizar desta Corte ou não, levando em consideração sua evidente desvantagem intelectual em comparação com o Fornecedor, já que por mais que esta Cláusula esteja destacada, o Consumidor não fará a menor ideia do que ela significa, e isto é justamente a finalidade precípua do CDC. Para uma Cláusula compromissória ter valor, ela deve respeitar os requisitos legais já aventados, entretanto ainda assim ela não obriga o Consumidor a utilizar as Corte de Arbitragem, mas apenas da a ele esta opção caso ache interessante, o que difere de uma relação entre fornecedores, onde o contrato é minuciosamente analisado por equipe de profissionais e discutido em reuniões.

Referências:

CACHAPUZ, Rozane da Rosa. Arbitragem: alguns aspectos do processo e do procedimento na lei nº: 9.307/96. São Paulo: LED Editora de Direito, 2000.

NERY JUNIOR, Nelson. Da proteção contratual. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.p. 504-638.

TUCCI, José Rogério Cruz e. Nova arbitragem preserva autonomia da vontade do consumidor. Disponível em <http://www.conima.org.br/arquivos/3313. Acesso em: 25 de fev. 2016

Sobre o autor
Thales de Menezes

Advogado especialista em Direito Imobiliário, atuante na cidade de Goiânia (GO)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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