A Constituição, bem no âmago do Estado de Direito Democrático de Terceira Geração (que cabe explicar outro dia) tem por premissa elevar os níveis de salvaguarda da Carta Política.
A Carta Política é o momento em que a constitucionalidade corresponde ao enraizamento da Política (sociabilidade radical) e ao aprofundamento do processo civilizatório: com amparo no direito libertário e emancipador, racional e ético (laico), democrático e socializador da riqueza humana.
Em contradição, o Estado de Exceção se caracteriza pelo excessivo poder atribuído, excepcionalmente, ou seja, fora e além da “normalidade” do status quo constitucional. Além de excluir a normalidade (regularidade, previsibilidade) do interior da própria norma. O que era normal e esperado ontem, não o é mais no presente.
Como norma, isto é, aquilo que fora condicionado como algo “normal”, refere-se ao sentido destacado na Constituição; mas, se e quando esta responde ao Estado Constitucional – delimitando-se, prescrevendo-se o alcance dos direitos e dos deveres do Estado – e à democracia: hoje, entendida como reconhecimento, defesa e promoção dos direitos humanos.
Portanto, o “anormal” é extrapolar a regra do direito e limitar a atuação da liberdade e das garantias constitucionais que preservam a fruição dos direitos. A começar pelos princípios que regem as garantias e os direitos civis: inviolabilidade residencial e direito de ir e vir – ou ficar, sem ser incomodado –, habeas corpus, presunção de inocência são apenas alguns.
Pois bem, o uso/sistemático de meios de exceção, por sua extensão, implicações e resultados, sempre acarreta enfrentamentos à democracia, ao Estado de Direito – como resguardo dos direitos fundamentais – e à Constituição.
O fato de que outras medidas suplementares ao decreto de Intervenção Federal no Rio de Janeiro reservem ainda mais outorgas ao Poder Político, é o sinal vermelho que ilumina o esgarçamento constitucional a que nos submeteram.
Se a lei tem por requisitos a universalização e a objetividade, anexar ao seu conteúdo a indeterminação e o uso extensivo, a par da subjetividade de quem a aplica – no caso o aparato militar envolvido –, apenas acende outros sinais de alerta.
O fato concreto está na requisição de mais poderes ao comando do exército, agora sob o guarda-chuva de “mandados coletivos de busca e prisão”. Em tempos de normalidade isto jamais seria aprovado, no caso claro de que não há “individualização” dos meios de coerção – e que não se restringem à pena.
Assim alertara a presidência da República, assim correspondeu o Ministro da Defesa: o desejo de se buscar em bairros inteiros, indiscriminadamente, sem que haja limites ao poder de policiar o cotidiano de quem quer que seja.
Em breve conclusão, pode-se dizer sem medo de errar: o Estado de Exceção no Brasil, em 2018, faz uso/sistemático e amplificado dos meios de exceção.
De modo ainda mais pragmático, pode-se/deve-se indagar: os mandados coletivos de busca e prisão serão cumpridos em Leblon, Copacabana, Ipanema (apelidado de “tráfico da classe media”) ou entrará em vigor apenas contra os barracos de morro? O direito corresponde ao morro acima ou é exclusividade do morro abaixo?