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Pode um ex-prefeito se candidatar ao cargo de presidente da Confederação Nacional de Municípios?

Agenda 28/07/2020 às 13:25

Se os associados são os municípios e quem os representa são os prefeitos, com contribuições pagas pelos cidadãos, uma pessoa que não mais está no cargo pode fazer essa representação do ente público?

Entendemos que não e explicamos o porquê.

Muito embora a Confederação Nacional de Municípios seja uma entidade privada, o que não impediria a candidatura de um Ex-Governante, a verdade está em dizer que, de fato, é certo que ela se insere nas atribuições de atividades próprias dos entes públicos municipais.

O próprio Estatuto, na descrição da missão da Confederação, empresta-lhe feição pública, ainda que constituídas na forma de direito privado porque o que conta na criação de tais instituições é a busca pelo diálogo entre os mais de cinco mil entes federados, os quais requerem cooperação, sendo necessário que se criem mecanismos de conversa e troca de experiências sempre para um único fim: o bem da coisa pública.

Vale lembrar, ademais, que quem pode se associar a tais instituições são, somente, as pessoas públicas (Municípios), sendo que os mesmos têm obrigação de contribuir com as “mensalidades” retiradas dos cofres públicos, justamente porque essa instituição está voltada unicamente para finalidades públicas.

Em assim sendo, não há como se conceber que um Ex-Prefeito, que está fora do Poder Executivo, ou qualquer outro Ex-Presidente de Associação, possa participar de um pleito eletivo ao cargo maior da instituição, ou seja, como Presidente da Confederação Nacional de Municípios - CNM, sob pena de se violar o próprio pacto federativo e o princípio da razoabilidade.

Explica-se: em relação ao pacto federativo, sempre é bom lembrar que o mesmo não se relaciona apenas com a autonomia dos entes federados, mas também com aspectos de gestão municipal e de medidas capazes de consolidar sua posição relevante perante os Estados e a União.

Ora, se os associados são obrigatoriamente os Municípios e quem os representa são os Prefeitos, alimentando-se de contribuições pagas pelos cidadãos, como uma pessoa que não mais está no cargo pode fazer essa representação do Ente Público? A partir do momento em que a coisa pública financia o privado, como ocorre no caso em apreço, esse financiamento deve culminar numa única finalidade, que é a supremacia do interesse público, sob pena de estar se agredindo fortemente o pacto federativo.

Não é razoável, portanto, que uma pessoa que não tenha ligação com os Municípios possa eleger-se Presidente, considerando que não é parte legítima para tanto.

Sabe-se que o princípio da moralidade administrativa não é aplicável às Associações de Municípios porque formalmente não se trata de entidades públicas. Ocorre, entretanto, que, sem dúvida alguma, as suas finalidades são eminentemente públicas, o que acaba por atrair o aludido princípio constitucional, na medida em que uma pessoa da iniciativa privada não pode ser o gestor de uma associação que tem como objeto a proteção da coisa pública na esfera municipal. Há desvio de finalidade, é contraditório e paradoxal. É imoral e não é razoável e, finalmente, ofende o pacto federativo, insculpido na ordem constitucional.

Indaga-se: qual a ligação de um gestor da área privada com os interesses dos Municípios? Qual a sua legitimidade para estar à frente de uma instituição desse porte? Não poderia essa condição ser confundida com uma consultoria? E a verba de representação que poderá lhe ser paga como remuneração de seu trabalho, é legal, considerando que o financiamento dessa instituição é cem por cento público?

Como se vê são várias as questões que dão azo à impossibilidade de um Ex-Prefeito ou Ex-Presidente de uma Associação Estadual candidatar-se a cargos do Conselho Diretor da Confederação Nacional de Municípios - CNM, conforme previsão contida no art. 12, § 1º, do seu Estatuto.

Admitir a candidatura de pessoas estranhas à administração pública para o Conselho diretor da CNM, a qual tem finalidade eminentemente pública e toda financiada pelos cofres públicos é ofender o pacto federativo, insculpido na ordem constitucional.

Veja-se o que escreve Damião Alves de Azevedo, in verbis:

Os municípios têm sido constantemente apontados como a esfera política institucional mais próxima do cidadão e, ao mesmo tempo, como o âmbito estatal mais sujeito a distorções clientelistas e a apropriações privadas de recursos públicos. Tal paradoxo revela que a qualificação dos municípios, e das organizações criadas por estes, são de enorme importância para a consolidação de nosso Estado Democrático de Direito. E o reconhecimento da natureza pública das associações municipais é um dos passos necessários não só para se reconduzir o debate acerca da autonomia e da cooperação entre os municípios, mas principalmente para a abertura de canais de controle e participação da sociedade nas esferas de decisão pública. 1

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A jurisprudência do STJ tem entendido, entretanto, que a natureza das Associações de Municípios é privada, mas não destoa quando o assunto é a finalidade dos serviços por ela prestados são de ordem eminentemente públicos.

Veja-se o que vem entendendo o STJ:

ADMINISTRATIVO. MUNICÍPIO FILIADO À CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS. CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DESSA ENTIDADE DE DIREITO PRIVADO.

O recurso especial interposto pela alínea "a" supõe a indicação da norma que foi aplicada sem ter incidido, ou que deixou de ser aplicada não obstante tenha incidido, ou para dar à norma incidente, e aplicada, a melhor interpretação. Na espécie, o tribunal a quo fez por aplicar o art. 10, IX da Lei nº 8.429, de 1992, sem que esta norma tenha incidido. A contribuição sub judice, sobre não caracterizar-se como ato de improbidade administrativa, sequer contraria o princípio da legalidade. Induvidosamente, contribuição módica para o custeio da Confederação Nacional dos Municípios serve à causa municipalista, e por conseguinte ao município que a faz. Recursos especiais conhecidos e providos. 2 (Grifos nossos).

Tanto isso é verdade que a Confederação Nacional de Municípios está sempre na vanguarda como amicus curiae nas ações que interessam diretamente aos municípios e ao pacto federativo, como se pode observar dos julgados do Supremo Tribunal Federal.

Esse é o fato. Vivemos um tempo de mudança e esperança relativamente à moralidade. Essas ideias devem ser colocadas em prática, ainda mais quando é o nosso próprio dinheiro que está em jogo. Como disse a grande Margaret Thatcher, "Não existe essa coisa de dinheiro público, existe apenas o dinheiro dos pagadores de impostos.".


Notas

1 A NATUREZA JURÍDICA DAS ASSOCIAÇÕES DE MUNICÍPIOS E DOS CONSÓRCIOS INTERMUNICIPAIS. Disponível no seguinte endereço eletrônico: <https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/44088>. Acesso em 15 de fevereiro de 2018.

2 REsp 1461377 / RJ RECURSO ESPECIAL 2013/0370562-7 Ministro ARI PARGENDLER DJe 12/09/2014.

Sobre a autora
Cleide Regina Furlani Pompermaier

Procuradora do Município de Blumenau; Especialista em Direito Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina; Professora da Pós-Graduação da UNIDAVI em Rio do Sul, Santa Catarina, em nível de especialização, no curso de Planejamento Tributário, na disciplina de ISS; Professora de Direito Tributário do IBES SOCIESC – Instituto de Ensino Superior de Blumenau e FAE – Faculdade Franciscana em Blumenau, Santa Catarina, SC; membro do Conselho Municipal de Contribuintes do município; autora do livro O ISS nos Serviços Notariais e de Registros Públicos – Teoria e prática.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

POMPERMAIER, Cleide Regina Furlani. Pode um ex-prefeito se candidatar ao cargo de presidente da Confederação Nacional de Municípios?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6236, 28 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64322. Acesso em: 21 nov. 2024.

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