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A nomeação de candidato aprovado em concurso público sob a égide do direito adquirido e a expectativa de direito

Agenda 11/03/2018 às 22:33

É notório o aumento de candidatos que prestam concursos públicos em relação às vagas que são oferecidas na Administração Pública. Assim, o candidato aprovado em certame público tem direito líquido à nomeação ou mera expectativa?

Trata-se o concurso público de procedimento administrativo que tem por objetivo aferir, de forma democrática, as aptidões do candidato para provimento em cargos públicos[1]. Dentro do prazo de validade do concurso, a Administração Pública direta ou indireta poderá escolher o momento oportuno para proceder à nomeação do candidato aprovado[2]. Trata-se de um ato discricionário inerente do gestor público encarregado de proceder à nomeação.

Diante disso, surge o questionamento se o candidato previamente aprovado em concurso de provas, ou provas e títulos, possui direito líquido e certo ou mera expectativa de direito à nomeação. Assim, para elucidar a questão faz-se necessária a verificação dos princípios constitucionais que norteiam a Administração Pública, os quais se encontram elencados no caput, do artigo 37, da Constituição Federal de 1988, bem como uma criteriosa análise acerca dos princípios infraconstitucionais relevantes a solução do problema.

Preliminarmente, insta frisar que a seleção de pessoas aptas a desempenharem funções inerentes da administração pública não é recente. Relatos apontam que na China, durante o período de 2200 a.C a 150 a.C, o Imperador já realizava uma espécie de seleção entre os oficiais do império, a fim de atestar a capacidade física dos oficiais que atuavam na administração imperial[3].

No Brasil, durante o período de 1822 a 1889, o Imperador delegava funções de confiança na administração do Império, adotando como pré-requisito o seu conceito de moralidade para a época. Cabia-lhe a admissão e dispensa dos funcionários da coroa portuguesa, não havendo critérios bem definidos a respeito.

Com o passar do tempo, o legislador constitucional de 1988, visando a promulgação do Estado Democrático de Direito, sugeriu que o ente estatal não poderia assumir uma postura incontrolável[4]. Era necessário que houvesse uma efetiva proteção aos administrados em face dos abusos administrativos perpetrados ao longo dos anos. Dessa forma, o legislador apontou no caput artigo 37 da constituição cidadã, princípios basilares que norteiam, até os dias de hoje, características princípios a serem obedecidos pelo administrador público.

Nesse entendimento, considerando que o concurso público trata-se de um instituto jurídico-administrativo, não foge à regra de seguir estritamente tal principiologia promulgada pelo legislador constitucional, sob pena de nulidade.

Nesse sentido, Fábio Lins de Lessa de Carvalho[5] ensina:

Os mencionados princípios gerais do Direito Administrativo devem ter um papel fundamental na definição, interpretação e aplicação das normas que regerão os concursos públicos brasileiros. Eventual distanciamento dos valores que os princípios representam deve ser devidamente sancionado pelo ordenamento jurídico, seja exigindo a nulidade de atos, seja impondo medidas punitivas por tais desvios.

A legalidade administrativa, originada com o nascimento do próprio Estado Democrático de Direito, impõe limites constitucionais quanto a intervenção estatal na vida dos cidadãos[6]. Tais limites refletem-se na conduta do administrador público que só poderá executar ato administrativo desde que amparado por dispositivo legal.

Celso Antônio Bandeira de Mello explica que tal princípio é fruto da total submissão do Estado à lei, de modo que a Administração Pública só pode ser exercida em conformidade com a lei, qualificando o seu exercício administrativo como sublegal e infralegal[7].

A tempo, cabe salientar que o princípio da legalidade administrativa opõe-se ao conceito de legalidade previsto no artigo 5º, inciso II, da Constituição Cidadã[8]. Este último restringe-se aos direitos e deveres individuais e coletivos dos cidadãos, ao passo que o gestor público, à luz do princípio da legalidade administrativa, só poderá agir a partir de lei que o autorize.

Assim, os atos praticados pela Administração Pública devem ser voltados ao interesse público, de modo que a não observância de tal direcionamento resultaria em nulidade. Nessa esteira, Alexandre de Moraes explica que o princípio da impessoalidade encontra-se, por vezes, no mesmo campo de incidência dos princípios da igualdade e da legalidade, não raramente chamado, também, de princípio da finalidade administrativa[9].

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De modo geral, entende-se que ao administrador público é vedado prejudicar ou favorecer alguém, tendo como único objetivo a tutela do interesse público. Não se admite qualquer conduta pessoalizada no âmbito administrativo, sob pena de inferir nas hipóteses de improbidade, nos termos da Lei nº 8429/92, além da própria nulidade do ato.

Aqui, considera-se o aspecto moral no âmbito administrativo, o qual, talvez, seja uma das condutas mais complexas a ser definida, dada a sua extrema subjetividade. Em linhas gerais, o princípio da moralidade estabelece que o agente público deva se comportar conforme o estatuído no ordenamento jurídico vigente, atuando dentro dos padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé[10].

O princípio da moralidade administrativa constitui um vetor formador dos demais princípios[11], não podendo ser analisado como mero integrante do princípio da legalidade e nem ser restrito ao direito administrativo; abrange, também, atos legislativos e judiciais. Corroborando o conceito de moralidade, a então Ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia Antunes Rocha leciona que este princípio está relacionado aos ideais de justiça que qualquer cidadão possui[12], ou seja, nem todo o indivíduo sabe o que é moral, mas todos sabem identificar o que é amoral.

A ética da qual se extraem os valores a serem absorvidos pelo sistema jurídico na elaboração do princípio da moralidade administrativa é aquela afirmada pela própria sociedade segundo as suas razões de crença, confiança em determinado ideal de Justiça, que ela busca realizar por meio do Estado.

Desse modo, o agente público deve regrar seus atos sob a ética e a honestidade, discernindo a licitude da ilicitude administrativa, no sentido de assegurar a validade e a isonomia jurídica do bem comum tutelado.

Nessa esteira, não há como qualificar o Estado Democrático de Direito sem que o administrador público adote um padrão moral de conduta. A ocultação[13] de informações inerentes da administração aos administrados, por exemplo, fere não somente aspectos morais, mas o próprio princípio da publicidade.

Desse modo, a publicização dos atos administrativos caracteriza-se pelo dever oficial de divulgação de seus atos[14], sendo reafirmado pela Lei nº 9.784/99[15]. Humberto Ávila diz que a publicidade dos atos administrativos proporciona ao cidadão um estado de confiabilidade administrativa, de modo que este princípio traduz o principal pilar da segurança jurídica[16].

Considerando que a Administração Pública tutela interesses de terceiros, deve primar pela transparência de seus atos[17], garantindo a sua eficácia. O acesso à informação trata-se de um direito fundamental do cidadão[18]. A exemplo, no caso do candidato que presta concurso público o direito à informação editalícia completa e precisa é peça fundamental na preservação da segurança jurídica, da moralidade e impessoalidade administrativa[19].

Entretanto, Maria Sylvia Zanella Di Pietro aponta que, em que pese todos tenham direito de acesso à informação de seu interesse particular ou coletivo, a Administração Pública pode, desde que devidamente fundamentada, restringi-la, desde que seja imprescindível para a manutenção da segurança nacional[20].

Recapitulando, todos os atos praticados pela Administração Pública devem ser norteados pelos princípios elencados no caput do artigo 37 da Constituição. Além do mais, estes atos devem assegurar uma forma eficiente de agir do gestor público, a fim de atender aos anseios sociais quanto ao andamento da máquina pública.

Hely Lopes Meirelles qualifica o princípio da eficiência administrativa como o mais moderno dos princípios, acrescentado pela Emenda Constitucional nº19/98[21]. O agente público não mais deve se contentar em desempenhar suas funções pautando-se na legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade administrativa. É necessário que haja resultados positivos para a sociedade, garantindo a economicidade de atos, redução do desperdício, rapidez, produtividade e rendimento funcional[22].

Não menos importante que a principiologia explícita que rege a Administração Pública, há que se considerar determinados princípios infraconstitucionais que auxiliam na plena condução administrativa. Tais princípios corroboram a eficácia dos atos praticados pelo agente público.

Mais uma vez, considerando que o Estado Democrático de Direito, desde a sua formação inicial, tem por objetivo primar pela segurança jurídica[23], assegurando que haja efetiva garantia do direito adquirido de modo que o ente estatal não frustre as expectativas criadas por ele mesmo[24].

Em linhas gerais, Humberto Ávila diz que a segurança jurídica caracteriza-se a um ideal de previsibilidade de determinado fato[25]. Dessa forma, verifica-se a caracterização do mínimo de certeza na regência da vida social, como completa Celso Antônio Bandeira de Mello[26]. Ou seja, é inegável que o candidato aprovado em concurso público tem a expectativa de ser nomeado dentro do prazo de validade do mesmo.

Em decorrência disso, verifica-se a boa-fé administrativa ou a boa-fé crença ou a boa-fé convicção que, nas palavras de Alexandre Mazza, relaciona-se com a vontade/intenção do administrador público no desempenho de suas funções, salvaguardando a segurança jurídica e impedindo que o ato administrativo se torne vicioso, resultando em sua nulidade[27].

Assim, Márcio Luiz Dutra Souza diz que o princípio da boa-fé impõe ao administrador público a obrigação de zelar pela estabilidade da relação de confiança mútua[28], no caso, a boa relação jurídico administrativa entre o candidato aprovado em concurso público e o Estado. Tal relação é estabelecida quando da publicação do edital de certame público. No RE 598.099/MT[29], de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, verifica-se que o dever de boa-fé da Administração Pública exige o respeito incondicional às regras do edital, inclusive quanto à previsão das vagas no concurso público.

Não longe da boa-fé administrativa, os atos dos agentes públicos não podem, em hipótese alguma, conter exageros de modo que a proporcionalidade no âmbito administrativo objetiva a limitação do poder discricionário do gestor público, que deve buscar meios razoáveis, econômicos e eficientes para atingir o interesse coletivo por ele tutelado[30]. Em suma, a proporcionalidade administrativa indicaria uma “proibição de excessos” do ente público[31]restando figurado através do provérbio chinês: “não se usam canhões para matar pardais”[32].

Nesse entendimento, não haveria razões para o administrador público, por exemplo, publicar novo edital de concurso para determinado cargo se ainda existem candidatos aprovados em certame vigente. Tal ato feriria não somente o princípio da proporcionalidade administrativa, como também o novel princípio da eficiência, agregado ao dispositivo constitucional através da Emenda nº 19/98.

Dessa forma, o candidato aprovado em concurso público, seja dentro ou fora do número previsto de vagas em edital tem direito à nomeação ao cargo preterido dentro do prazo de validade do concurso. A questão reside na qualidade do direito à nomeação como um fato líquido e certo ou uma expectativa de nomeação, os quais devem ser estudados à luz da principiologia que rege a administração pública, bem como sob o conceito de direito adquirido introduzido pelo legislador constitucional de 1988.


Referências Bibliográficas:

[1] DALBEM, Roberto Fonseca. Direito à nomeação em concurso públicoRevista Jus Navigandi, Teresina,ano 18, n. 3746, 3 out. 2013. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/25455>. Acesso em: 21 mai. 2016.

[2] RE 598.0900, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2011.

[3] ROCHA, Francisco Lobello de Oliveira. Regime jurídico dos concursos públicos. São Paulo: Dialética, 2006. p 49.

[4] DUQUE, Marcelo Schenk. Curso de direitos fundamentais: teoria e prática. São Paulo: revista dos Tribunais, 2014, p. 55.

[5] CARVALHO, Fábio Lins de Lessa. Concursos Públicos no Direito Brasileiro. 22.ed. Curitiba: Editora Juruá, 2015, p 120.

[6] SILVA, Marco Antônio da. Princípio da Legalidade e Estado Democrático de Direito. Disponível em: <http://www.cjlp.org/principio_da_legalidade_estado_democratico_de_direito.html>. Acessado em 11 mai. 2016.

[7] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 32.ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p 103.

[8] O texto Constitucional de 1988 diz que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

[9] MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 26.ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 311.

[10] Ibidem. p. 313.

[11] BAHENA, Kele Cristiani Diogo, O Princípio da Moralidade Administrativa e seu Controle pela Lei de Improbidade. Curitiba: Juruá, 2006. p. 51.

[12] ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. p. 186.

[13] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 32ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p 117.

[14] MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 117.

[15] A Lei nº 9.784/99 regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

[16] ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 237.

[17] BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Manual de Direito Administrativo. 2ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 33.

[18] Diz o texto constitucional no Art. 5º, inciso XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.

[19] MS 26294/DF, Rel. Ricardo Lewandowski, j. 23/11/2011, extrai-se as palavras do Ministro que diz: “o edital, como há muito já defendido pela doutrina e na jurisprudência, é lei do concurso, vinculando a Administração Pública e os candidatos interessados, não podendo ocorrer posteriores modificações, justamente para preservar a segurança jurídica, a moralidade e a impessoalidade”.

[20] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 28ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 107.

[21] A Emenda Constitucional nº 19/98 modifica o regime administrativo e dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências.

[22] MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, São Paulo, 2015. p. 121.

[23] MAFFINI, Rafael da Cás. Princípio da Proteção Substancial da Confiança no Direito Administrativo Brasileiro. 2005. 253f. Tese de Doutorado em Direito Administrativo, na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, p. 12.

[24] Ibidem, p. 17.

[25] ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 173.

[26] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 32ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 128.

[27] ED em RESP nº 575.551/SP, Rel. Nancy Andrighui, j. 01/04/2009.

[28] SOUZA, Márcio Luís Dutra. O princípio da boa-fé na administração pública e sua repercussão na invalidação administrativa. Disponível em <http://ambito-jurídico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11785>, Acesso em: 17 maio 2016.

[29] RE 598.099/MT. Rel. Gilmar Mendes, j. 10/08/2011.

[30] MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 132.

[31] DUQUE, Marcelo Schenk. Curso de Direitos Fundamentais: Teoria e Prática. São Paulo: revista dos Tribunais, 2014, p. 289.

[32] Cf. MAZZA, Alexandre. Op., cit,. p. 132.

Sobre o autor
Lucas Jung

Bacharel em Direito, Pós-Graduando em Gestão, Governança e Setor Público, Certificação Profissional em Gestão, Liderança e Tecnologia. Gestor na Diretoria-Geral de Transparência Pública da Secretaria de Transparência e Controladoria, no Município de Porto Alegre.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Objetivo: Projeto do Trabalho de Conclusão do Curso de Direito; Orientação: Prof. Dr. Marcelo Schenk Duque; Banca Examinadora: Prof. Dr. Fabiano Clementel e Prof. Dr. Ricardo Strauch Aveline. Grau obtido: Dez, sem ressalvas.

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