5. ROL EXEMPLIFICATIVO
Como se vê, doutrina e jurisprudência, modernamente, entendem que o rol do art. 226, da CF/88, é meramente exemplificativo. Não se tem limitado a compreensão de família às entidades expressamente previstas no texto constitucional, admitindo-se novas modalidades, criadas pela dinâmica das relações sociais, às quais se têm reconhecido direitos de variadas espécies, notadamente, no que tange a alimentos, direito sucessório e proteção processual.
A dinâmica dos tribunais, em especial do STJ, tem sido de que os tipos de entidades familiares explicitamente constantes na Carta Magna não são numerus clausus, sendo o rol do art. 226, da CF/88, meramente exemplificativo.
É como leciona Giselda Hinoraka (2015, p. 57):
Não há rol taxativo pelo qual seja possível designar todas as estruturas familiares (...) temos observado que a nossa legislação tem-se mostrado incapaz de acompanhar a evolução, a velocidade e a complexidade dos mais diversos modelos de núcleo familiares que se apresentam como verdadeiras entidades familiares, embora o não reconhecimento legal.
Conforme leciona Paulo Lobo (2018, p. 1), a leitura constitucional não deve ser fria, incapaz de considerar as mudanças nos valores e práticas sociais. A Constituição é inclusiva, é cláusula geral de inclusão, deve ser interpretada sistematicamente, em harmonia com seus princípios, como a igualdade. A Carta Magna não exclui qualquer modalidade familiar, os intérpretes é que fazem tal exclusão, violando claramente o megaprincípio da dignidade da pessoa humana, sob o qual está assentada a Contituição Federal.
6. HÁ PRIMAZIA DA FAMÍLIA CONSTITUÍDA PELO CASAMENTO?
Superada a análise sobre as entidades familiares explícitas ou não na Constituição Federal, importante considerar o seguinte questionamento: há primazia do casamento em relação às demais entidades familiares?
Existem duas correntes sobre o assunto. A primeira prega que existe primazia do casamento como modelo de família, afastando a igualdade entre os tipos, de modo que as demais entidades expressas na Contituição, união estável e entidade monoparental, devem receber a proteção jurídica de modo limitado.
Um dos argumentos utilizados pelos adeptos dessa corrente se refere ao art. 226 § 3º, CF, o qual dispõe que: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento” (BRASIL, 1988, p.1). Desse modo, para os seguidores dessa corrente, se houvesse de fato igualdade, essa regra seria inútil, pois, para eles, converter união estável em casamento demonstra hieraquia entre as entidades e não a autonomia entre elas.
Já os adeptos da segunda vertente consideram que há igualdade entre os três tipos explícitos na CF/88, não havendo qualquer primazia do casamento. Para eles, a Constituição assegura liberdade de escolha das relações e atribui a mesma dignidade para todas as entidades. Argumentam esses autores que é preciso harmonizar a leitura constitucional com os princípios, a exemplo dos princípios da igualdade, da liberdade de escolha e, também, pelo fato de a Contituição não excluir nenhuma entidade em sua interpretação.
Na atualidade, tanto na jurisprudência quanto na doutrina, tem prevalecido o entendimento da segunda corrente, de que não há primazia do casamento em detrimento das demais entidades familiares. Os tribunais têm interpretado a Constituição de forma sistemática, equiparando as entidades familiares, com especial valoração do princípio da igualdade.
CONCLUSÃO
Na atualidade, a doutrina reconhece um pluralismo de entidades familiares, não havendo primazia do casamento em relação às demais entidades familiares, sendo suficientes para caracterização de entidade familiar o preenchimento dos requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade.
Os tipos de entidades familiares explicitamente previstos na Constituição não são numerus clausus, ou seja, o art. 226 da CF é rol meramente exemplificativo. A Constituição Federal de 1988 não impõe qualquer cláusula de exclusão de entidadades familiares, ao contrário de constituições anteriores, as quais apenas admitiam a família constituída pelo casamento.
A Constituição é inclusiva, é cláusula geral de inclusão, e deve ser interpretada sistematicamente, em harmonia com seus princípios, como a igualdade. Assim, a interpretação constitucional precisa levar em conta a dinâmica social e as decisões dos tribunais, as quais têm demonstrado inequivocamente que a Carta Magna não exclui qualquer modalidade familiar, cabendo aos intérpretes interpretar a norma sem violar o princípio da dignidade da pessoa humana, que é base e rege toda Contituição Federal.
REFERÊNCIAS
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______. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o código civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 15 nov. 2017.
______. Lei nº 11.340 de 07 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 15 nov. 2017.
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LÔBO, Paulo. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/9408-9407-1-PB.pdf >. Acesso em: 21 mar. 2018.
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
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