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A Mulher Transgênero e o Sistema Prisional: Violações aos Direitos Fundamentais à Identidade de Gênero.

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Agenda 03/04/2018 às 19:00

DIREITOS HUMANOS

A Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, foi assinada em 22 de novembro de 1969, sendo ratificada pelo Brasil através do Decreto 678, de 6 de novembro de 1992, a referida convenção deriva da condição de ser humano, e não da nacionalidade do indivíduo, sendo a condição humana a base da norma.

Na Convenção está previsto o Direito à integridade pessoal de todos os indivíduos, bem como a proteção à honra e dignidade.

Artigo 5º  Direito à integridade pessoal 

1- Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. 

2- Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes.  Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

Artigo 11.  Proteção da honra e da dignidade.

1- Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade.

2- Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação.

 (DIREITOS HUMANOS, Convenção Americana de, 02 de Novembro de 1969)[12]

Embora esteja previsto na Convenção de Direitos Humanos, o Brasil vive um estado constante de violações aos Direitos Humanos.

A Rede Trans Brasil aponta em seu dossiê claras violações

Não obstante de a transexualidade não ser analisada como uma doença pela OMS, ainda é muito assinalada pelo viés médico e psiquiátrico. Isso é uma violação dos direitos humanos destas pessoas, uma vez que as pessoas trans necessitam trazer a liberdade com relação à sua identidade de gênero e autonomia sobre seus corpos, sem intervenção de uma autoridade médica. Essa violação de direitos humanos é realizada pelo próprio Estado, ao recusar direitos sociais e não legislar em favor das pessoas trans funcionando, deste modo, como autorização social para a violência e as mortes de travestis, transexuais e transgênero em todo o país,portanto, pode-se concluir que o Brasil não reconhece seus cidadãos e cidadãs trans. Não raro, consequentemente, as pessoas trans ficam sujeitadas às piores formas de desprezo e arbitrariedade. Por estarem posicionadas nos patamares inferiores da estratificação sexual, isto é, por vezes mais expostas que gays e lésbicas, seus direitos são ordenadamente negados e violados, sob a indiferença geral. (AQUINO; CABRAL; NOGUEIRA, Rede Trans, 2017, p.37.)[13]

Verificar-se-á que a tutela jurisdicional deve ser aplicada para que haja condições mínimas para que as transgêneros tenham respeitados os seus direitos como pessoa humana.

Porém, para uma sociedade já preconceituosa é fácil suprimir os direitos dos indivíduos transgênero, por muitas vezes desconsiderando a condição de ser humana desse segmento social, atribuindo-lhes uma condição de “coisa”.


PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA

Os Princípios de Yogyakarta, foram elaborados em 2006, na Indonésia com presença do Brasil e a intenção de criar um documento para regularizar o tratamento referente a aplicação da legislação internacional em relação à orientação sexual e identidade de gênero.

Verifica-se que tais princípios são inerentes a todos os seres humanos, afirmando que

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Todos os direitos humanos são universais, interdependentes, indivisíveis e inter-relacionados. A orientação sexual e a identidade de gênero, são essenciais para a dignidade e humanidade de cada pessoa e não devem ser motivo de discriminação ou abuso. Muitos avanços já foram conseguidos no sentido de assegurar que as pessoas de todas as orientações sexuais e identidades de gênero possam viver com a mesma dignidade e respeito a que todas as pessoas têm direito.(YOGYAKARTA, Princípios de. 2006, p.7)           

O Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 477.554 AgR, reconheceu a aplicabilidade dessa Carta de Princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos

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É preciso também não desconhecer, na abordagem jurisdicional do tema ora em exame, a existência dos Princípios de Yogyakarta, notadamente daqueles que reconhecem o direito de constituir família, independentemente de orientação sexual ou de identidade de gênero. Entendo que o acórdão ora recorrido não só conflita com os precedentes firmados por esta Suprema Corte, mas diverge, por igual, dos Princípios de Yogyakarta, que traduzem recomendações dirigidas aos Estados nacionais, fruto de conferência realizada, na Indonésia, em novembro de 2006, sob a coordenação da Comissão Internacional de Juristas e do Serviço Internacional de Direitos Humanos. Essa Carta de Princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero.      (BRASIL, Supremo Tribunal Federal REx 477.554, 16 de Agosto de 2011, p.11)[14]

Os Princípios de Yogyakarta surgiram em um momento no qual o mundo necessitava de diretrizes para a garantia dos direitos da população LGBT, caracterizando um grande avanço social na luta pelos direitos desse segmento social, porém, embora o Brasil tenha sido um dos signatários de tais princípios é também como um dos maiores violadores do referido.


O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

É possível constatar que o sistema prisional brasileiro encontra-se em total falencia, verifica-se através da ADPF 347/DF, de relatório do Ministro Marco Aurélio, tendo reconhecido estar o sistema penitenciário brasileiro acometido por um “estado de coisas inconstitucional”, ou seja, reiteradas violações dos direitos fundamentais garantidos pelo ordenamento jurídico pátrio.

Violação de preceitos fundamentais decorrentes de atos do Poder Público e inexistência de outro meio eficaz de sanar a lesividade. Assevera que a superlotação e as condições degradantes do sistema prisional configuram cenário fático incompatível com a Constituição Federal, presente a ofensa de diversos preceitos fundamentais consideradas a dignidade da pessoa humana, a vedação de tortura e de tratamento desumano, o direito de acesso à Justiça e os direitos sociais à saúde, educação, trabalho e segurança dos presos.

Sustenta que o quadro resulta de uma multiplicidade de atos comissivos e omissivos dos Poderes Públicos da União, dos Estados e do Distrito Federal, incluídos os de natureza normativa, administrativa e judicial. Consoante assevera, os órgãos administrativos olvidam preceitos constitucionais e legais ao não criarem o número de vagas prisionais suficiente ao tamanho da população carcerária, de modo a viabilizar condições adequadas ao encarceramento, à segurança física dos presos, à saúde, à alimentação, à educação, ao trabalho, à assistência social, ao acesso à jurisdição. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, ADPF, nº347, 09 de setembro de 2015, p.3)[15]

Ainda que a forte violação dos direitos fundamentais dos presos repercutirá para além das respectivas situações subjetivas, produzindo mais violência contra a própria sociedade, ao fomentar o aumento da criminalidade, por transformar pequenos delinquentes em “monstros do crime”, gerando uma situação preocupante dentro dos presídios, violações sistemáticas de direitos humanos e fora deles, aumento da criminalidade e da insegurança social.

Verifica-se também no julgamento do Recurso Extraordinário nº580.252/MS, o Relator Ministro Teori Zavascki fixou a seguinte tese para repercussão geral

Tragicamente, o encarceramento em celas superlotadas e em condições degradantes e desumanas não é situação excepcional e isolada que afete apenas o recorrente. Pelo contrário, a superpopulação e a precariedade das condições dos presídios correspondem a problemas estruturais e sistêmicos, de grande complexidade e magnitude, que resultam de deficiências crônicas do sistema prisional brasileiro. Tais problemas afetam um contingente significativo de presos no país(...)A situação da população prisional é ainda mais dramática. Em razão da má gestão dos presídios e do deficiente controle do Estado dentro das unidades, registram-se rotineiramente casos de violência física e sexual, homicídios, maus tratos, tortura e corrupção, praticados tanto pelos detentos, quanto pelos próprios agentes estatais. A inoperância do Estado também abre caminho para o crescimento do poder das facções criminosas, que passam a dominar os cárceres, a arregimentar novos integrantes e a comandar, do interior dos presídios, a prática de diversos crimes, contribuindo para o agravamento da violência urbana e da insegurança social.(BRASIL, Supremo Tribunal Federal,Rex n°580.22,  16 de Fevereiro de 2017, p.49)[16]

Pelo exposto, fica claro que o sistema prisional brasileiro encontra-se em um panorama grave que afronta à Constituição Federal, com uma clara violação aos direitos fundamentais dos presos, submetendo os indivíduos a uma pena mais grave do que lhe foi efetivamente aplicada. Mais do que a privação de liberdade, injunge ao preso a perda de sua integridade e aspectos essenciais de sua dignidade.


TRANSEXUALIDADE NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

O sistema prisional é definido no binarismo homem/mulher, de um modo que os estereótipos e preconceitos passam a ser naturalizado.

Foucault diz

A punição vai-se tornando, pois, a parte mais velada do processo penal, provocando varias consequências: deixa o campo da percepção quase diária e entra no da consciência abstrata; sua eficáfica é atribuída à sua fatalidade, não à sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro; a mecânica exemplar da punição muda as engrenagens. Por essa razão a justiça não mais assume publicamente a parte da violência que está ligada a seu exercício. O fato de ela matar ou ferir já não é mais glorificação de sua forma, mas um elemento intrínseco a ela que ela é obrigada a tolerar e muito lhe custar ter que impor. (FOUCAULT, 2014, p.15)

Sendo encaminhadas para presídios divergentes de sua identidade de gênero as Transexuais/travestis são impostas a regras e padrões de um gênero com o qual não se identificam estando vulneráveis a serem submetidas a violências físicas e psicológicas, sendo o conceito de violência apresentado pela Organização Mundial de Saúde:

Define a violência como o uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação. (DAHLBERG, 2006, p.4)[17]

Um dos grandes avanços para a população LGBT foi o Programa Nacional de Direitos Humanos n°3, com definições específicas dessa minoria, entretanto, o Estado é negligente ao fiscalizar a aplicabilidade dessas diretrizes.

Modernização da política de execução penal, priorizando a aplicabilidade de penas e medidas alternativas à privação de liberdade e melhoria do sistema penitenciário a qual vem; Assegurar e regulamentar visitas intima para população carcerária LGBT (BRASIL, Programa Nacional de Direitos Humanos n°3,2008, p.167).[18] [19]

Bem como a Resolução Conjunta n°1 de 2014, que versa sobre os direitos da população LGBT no sistema prisional, é de suma importância para esse fragmento da sociedade, em especial a população transgênero.

Art. 3º - Às travestis e aos gays privados de liberdade em unidades prisionais masculinas, considerando a sua segurança e especial vulnerabilidade, deverão ser oferecidos espaços de vivência específicos.

§ 1º - Os espaços para essa população não devem se destinar à aplicação de medida disciplinar ou de qualquer método coercitivo.

§ 2º - A transferência da pessoa presa para o espaço de vivência específico ficará condicionada à sua expressa manifestação de vontade.

Art. 4º - As pessoas transexuais masculinas e femininas devem ser encaminhadas para as unidades prisionais femininas.

Parágrafo único - Às mulheres transexuais deverá ser garantido tratamento isonômico ao das demais mulheres em privação de liberdade.

Art. 7º - É garantida à população LGBT em situação de privação de liberdade a atenção integral à saúde, atendidos os parâmetros da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - LGBT e da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional - PNAISP. Parágrafo único - À pessoa travesti, mulher ou homem transexual em privação de liberdade, serão garantidos a manutenção do seu tratamento hormonal e o acompanhamento de saúde específico. (BRASIL, Resolução Conjunta, n°1, 2014.)[20]           

Entretanto a negligência Estatal fica evidenciada através de matérias extraídas de grandes veículos de comunicação nacional, como por exemplo, a matéria de 02/10/2015 do Jornal O Povo, no qual uma detenta transexual não identificada narra à realidade carcerária.

Aos prantos e com hematomas. Foi assim que uma jovem transexual compareceu à audiência de custódia em 23 de setembro, no Fórum Clóvis Beviláquia. Ela teria sido espancada e estuprada por pelo menos quatro detentos por mais de 20 dias, na Unidade Penitenciária Francisco Adalberto de Barros Leal (UPFABL), conhecida como Carrapicho, em Caucaia. (SISNANDO, Jornal de Hoje, 02 de Novembro de 2015)[21]

O depoimento da travesti Vitória Rios Fortes, de 28 anos descritos no Jornal Estado de Minas Gerais, de 25/11/2014

Eu era obrigada a ter relação sexual com todos os homens das celas, em sequência. Todos eles rindo, zombando e batendo em mim. Era ameaçada de morte se contasse aos carcereiros. Cheguei a ser leiloada entre os presos. “Um deles me ‘vendeu’ em troca de 10 maços de cigarro, um suco e um pacote de biscoitos. (KIEFER, Jornal Estado De Minas, 25 de Novembro 2014)[22]

Bem como a matéria do Jornal O Dia, de 14/04/2015.

Entre os problemas relatados, as transexuais têm seus cabelos raspados à máquina pelos agentes, são obrigadas a tomar banho de sol sem camisa. Mesmo que muitas delas tenham próteses de silicone. Além disso, são forçadas a ficarem nuas nas revistas íntimas na frente de outros presos. (REZENDE, Jornal o Dia, 14 de Abril de 2015)[23]

Evidenciando assim a precariedade do Sistema Prisional Brasileiro em se adaptar as necessidades de um segmento vulnerável da sociedade, violando suas garantias fundamentais.

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