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Problemas do sistema carcerário brasileiro

Agenda 04/04/2018 às 17:16

Breve reflexão sobre os problemas enfrentados pelo brasil, no tocante ao seu sistema penitenciário, que se encontra falido.

Não é de hoje que o sistema carcerário do Brasil é um desastre, na verdade, encontra-se falido. Basta acompanhar os telejornais que todos os dias mostram rebeliões, mortes entre os detentos, facções dominando a cadeia, chegando ao cúmulo de comandar crimes de dentro dos presídios. As condições as quais os presos são submetidos são absolutamente desumanas e degradantes, prejudicando sobremaneira a ressocialização, fazendo com que, na maioria das vezes, haja reincidência e voltem às ruas mais violentos e especializados, já que lá dentro se misturam, independente do delito cometido. Tal situação colabora para que haja uma “universidade do crime”, onde muitos criminosos primários e/ou de baixa periculosidade vivem cotidianamente com criminosos de altíssima periculosidade. Muito pior que isso é quando são obrigados a se “filiar” a alguma facção criminosa para ter proteção, não morrer ou não ser abusado sexualmente. A realidade brasileira é deplorável e precisa urgentemente ser mudada, até mesmo porque são décadas de descaso e esquecimento, que não poderia terminar diferentemente do que é hoje.

A superlotação é um dos principais fatores que geram esses transtornos, já que por falta de vontade política, demagogia, corrupção ou má gestão, os representantes do povo nunca se preocupam em melhorar, expandir ou construir novos presídios. Quando questionados, dizem que preferem construir escolas a presídios. Ora, responder uma questão dessa forma soa bonito, mas de extremo prejuízo para a sociedade. Não é que não se devam construir escolas, pelo contrário, todavia um não exclui o outro. Os dois são absolutamente necessários. As pessoas que estão restringidas de liberdade só aumentam, porque a criminalidade só aumenta. E aí, vamos apenas construir mais escolas? Deve existir maior seriedade no trato do tema e maior preocupação das autoridades, tendo em vista que aquelas pessoas que estão lá esquecidas no cárcere um dia vão sair. E saindo serão o reflexo de como o sistema penitenciário as tratou. O que a sociedade quer é uma punição severa e justa aos condenados, mas que, quando o criminoso saia, não volte a delinquir, pelo simples fato de ter “aprendido a lição”.

O tempo ocioso dentro dos presídios é também um sério problema. Já diziam os mais velhos: “cabeça vazia, oficina do diabo”. É de fundamental importância que todos os presos que se encontram em regime fechado trabalhem, sem exceção. Isto porque, além de ocuparem seu tempo, indenizam as vítimas com o provento de seu trabalho, pagam a estadia e a alimentação, aprendem um ofício e melhoram como pessoas. Caso algum deles se negue a trabalhar, basta restringir benefícios internos, como banho de sol, visitas, etc. Não se trata aqui de trabalhos forçados, como veda a Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLVII - não haverá penas:

c) de trabalhos forçados;

Segundo o Código Penal:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:        (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.        (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:          (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;         (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.        (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:        (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

I – contra criança ou adolescente;          (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.          (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

Como o Código Penal não é claro ao classificar o que seria trabalho forçado, necessário se faz buscar a definição em outra fonte. A Convenção n° 29, da OIT, nos ensina:

ARTIGO 2º

1. Para os fins da presente convenção, a expressão “trabalho forçado ou obrigatório” designará todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual êle não se ofereceu de espontânea vontade.

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2. Entretanto, a expressão “trabalho forçado ou obrigatório” não compreenderá para os fins da presente convenção:

a) qualquer trabalho ou serviço exigido em virtude das leis sôbre o serviço militar obrigatório e que só compreenda trabalhos de caráter puramente militar;

b) qualquer trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais dos cidadões de um país plenamente autônomo;

c) qualquer trabalho ou serviço exigido de um indivíduo como consequência de condenação pronunciada por decisão judiciária, contanto que êsse trabalho ou serviço seja executado sob a fiscalização e o contrôle das autoridades públicas e que o dito indivíduo não seja pôsto à disposição de particulares, companhias ou pessoas morais privadas;

d) qualquer trabalho ou serviço exigido nos casos de fôrça maior, quer dizer, em caso de guerra, de sinistro ou ameaças de sinistro, tais como incêndios, inundações, fome tremores de terra, epidemias, e epizootias, invasões de animais, de insetos ou de parasitas vegetais daninhos, e em geral tôdas as circunstâncias que ponham em perigo a vida ou as condições normais de existência, de tôda ou de parte da população;

e) pequenos trabalhos de uma comunidade, isto é, trabalhos executados no interêsse direto da coletividade pelos membros desta, trabalhos que, como tais, pode, ser considerados obrigações cívicas normais dos membros da coletividade, contanto que a própria população ou seus representantes diretos tenham o direito de se pronunciar sôbre a necessidade dêsse trabalho.

Analisando a norma supracitada, nota-se claramente que o trabalho realizado em um presídio pelos detentos está em consonância, inclusive, com uma Convenção Internacional, fato pelo qual também não contraria a Constituição Federal. O problema atual é que existem muitos direitos e poucos deveres aos presos, sendo importantíssimo essa implementação no âmbito penitenciário, como uma das formas de ajudar a melhorar a condição deles.

 Outra questão que surge ao se falar em sistema penitenciário são as visitas íntimas e o contato direto com advogado ou pessoas da família. Primeiro porque o preso não precisa ter visita íntima, isso é absurdo. Simplesmente pelo fato de que ele está preso, não numa colônia de férias. Em segundo lugar, esse “benefício” colabora e muito para o repasse de informações, ordens, drogas, armas de dentro dos presídios para fora (e vice-versa), seja para o tráfico de drogas, seja para homicídio ou demais crimes. O contato físico não deve existir nem mesmo entre o preso, advogado e a família, devendo as conversas serem realizadas por meio de interfone e monitorada por um agente da lei. Com isso evitaria que pessoas de fora transportassem para o interior das penitenciárias drogas, celulares e demais objetos. No mesmo sentido existe uma necessidade urgente de instalação de bloqueadores de celulares nos presídios, a fim de evitar que de dentro haja ligações para continuarem a cometer crimes. Um problema grave que parece nunca ter fim.

Além de todos esses problemas, todos sabem que existem outras dificuldades, já que o problema não se limita apenas a esses, pois, na verdade, são somente parte da “corda podre”. Isso porque, há uma clara sucessão de erros infindáveis e notórios que quem está no poder não quer melhorar. Dentre eles temos uma polícia sucateada, principalmente a judiciária, que investiga os crimes, mas não soluciona nem 10% dos homicídios, em média, por falta de investimentos, por falta de pessoal, equipamentos, armas, salário digno, etc; leis penais frouxas, que protegem muito mais os criminosos do que a sociedade, gerando uma imensa sensação de impunidade para a população; garantismo exarcebado por parte de juízes e, em muitos casos, promotores de justiça; proteção individual também inflacionada quando em conflito com a coletividade, etc.

Existem pessoas que dizem que existe uma demasia de presos no Brasil e grande parte deles encontram-se em prisão provisória, não em condenação definitiva. Há algo em torno de 40% de presos provisórios, todavia não é uma quantidade gigantesca como querem transpassar. Segundo uma pesquisa feita pelo Ministério da Justiça (http://www.justica.gov.br/news/ha-726-712-pessoas-presas-no-brasil), o Brasil é o terceiro país que mais prende no mundo. Entretanto, fundamental ressaltar que somos o quinto país mais populoso do mundo, com quase 205 milhões de pessoas, além de um dos mais violentos, com quase 65 mil homicídio por ano. A população carcerária no Brasil não chega nem a um milhão de pessoas presas, não somando sequer 0,5% (meio por cento). O que falta, pelo contrário, é que maior rigor nas leis para que quem for preso não saia tão fácil, gerando a tão comum impunidade, com “saidinhas temporárias”, progressão de regime extremamente branda, penas baixas, audiências de custódia, etc. Esta política do desencarceramento tem que acabar, porque no fim quem sofre é sempre a população, que tem que arcar com a ineficiência do Estado e as facilidades concedidas aos presos, às vezes com a própria vida. Logicamente há uma junção de fatores que devem ser aprimorados em conjunto, não basta apenas prender e largar na cadeia, embora o desencarceramento, cada vez mais corriqueiro, não é, nem de longe, solução para os problemas do país.

Por fim, a solução para esses problemas vêm da educação, de políticas públicas e recrudescimento das leis, impedindo os criminosos de conseguirem a liberdade tão facilmente. A educação serve para tirar as novas gerações do caminho errado, dando oportunidades iguais e com ensino de qualidade. Parece uma utopia, mas os investimentos têm que ser maciços na base, não existe outra saída. As políticas públicas devem ser aplicadas àqueles que estão com problemas nas drogas, assim como na conscientização, prevenção e tratamento. Importante também alertar os jovens no tocante à prevenção precoce de gravidez, visto que quanto mais jovens e mais pobres, mais vulneráveis a serem captados à vida do crime. Contra quem está na vida do crime deve-se aplicar leis mais rígidas, esse é o principal caminho para qualquer sociedade que não queira viver refém dentro de sua própria casa, enquanto os criminosos, continuam soltos e sem qualquer medo da justiça, cometendo os mais bárbaros crimes, todos os dias.      

Sobre o autor
Lucas Kertesz de Oliveira

Formado na Faculdade Católica do Tocantins, Delegado de Polícia Civil no Estado do Tocantins, desde junho/2017.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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