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Overbooking e reparação de danos

Agenda 01/08/2000 às 00:00

A prestação de serviços públicos, conforme explicita o art. 175 da vigente Constituição Federal, incumbe ao Poder Público, na forma da lei, que deve prestá-los de forma direta – quando se desincumbe do encargo por seus próprios meios - ou indireta, quando delega o desempenho de suas atribuições a terceiros, em regime de concessão ou permissão. Necessário considerar, todavia, que a orientação que dimana da Carta Política em vigor, é no sentido de que a execução de serviços públicos, por meio de concessões e permissões devem estar submetidas e reguladas por um regime normativo específico que disponha sobre o caráter especial dos contratos, bem como sobre as condições de caducidade, fiscalização e rescisão, direitos dos usuários, política tarifária, e, ainda, acerca da obrigação de oferecer e manter serviço adequado.


Oportuno ver que, visando a regular de modo geral tais aspectos exigidos pela Constituição, assevera a Lei 8.987/95, em seu art. 6º, § 1º, que "Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas". Essa conceituação legal, como se percebe, compatibiliza-se e se torna aplicável inteiramente a serviços de transporte aéreo de passageiros, até porque nesse sentido é o que estabelece de forma genérica, e sem qualquer exceção, a disposição constitucional anteriormente vista. Há de se ter em mente, ademais, que nenhuma sociedade evolui e prospera admitindo o achincalhe e o desrespeito decorrente da má atuação de segmentos específicos, voltados única e exclusivamente à defesa dos seus próprios interesses a qualquer custo. A preocupação do legislador constituinte nesse sentido é manifesta e elogiável e cumpre a todos e a cada um fazer valer e prevalecer o seu direito, impondo o respeito que pela norma é objetivado. Nesse sentido, consigna o art. 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal comando específico, por meio do qual se informa, de modo impositivo, que "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor", assim como, dentre os princípios gerais que regem a ordem econômica e financeira, inscreve aquele que se refere especificamente à defesa do consumidor (art. 170, V).

Regulando tais garantias constitucionais da forma mais ampla possível, estabelece a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, "normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social". O respeito que se busca impor ao consumidor, consolidando com seriedade relações necessárias ao convívio social pacífico e produtivo, viu-se ainda mais consolidado quando, o legislador ordinário, fez inscrever no art. 22, da Lei nº 8.078/90, regra específica e expressamente dirigida aos Poder Público e aos concessionários de serviços públicos. Estatui-se, nesse dispositivo, que "Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos", cabendo repisar que "Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas" (Lei 8.987/95).

Descumprindo tal orientação regulamentar e desrespeitando o direito do usuário do serviço, "serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, ... " (CDC: art. 22, parágrafo único). Ressumbra induvidoso, assim, ante o que dispõem as normas em vigor, que o ato irregular que se permitem praticar algumas empresas de transporte aéreo, impingindo ao usuário a perda de compromissos e a frustração de programas previamente ajustados, não se justifica e não pode deixar de ser tratada como grave infração ao direito do usuário e ao dever de prestar serviço adequado.

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O descaso e o desrespeito devem, em tais circunstâncias, ensejar a respectiva reparação dos danos causados da forma mais completa e abrangente possível, inclusive no plano meramente moral, quando não se puder quantificar e demonstrar danos materiais. Veja-se, a respeito, orientação traçada em julgamento recente pelo Colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: "EMENTA: TRANSPORTE AÉREO. Atraso. Viagem internacional. Convenção de Varsóvia. dano moral. Código de Defesa do Consumidor. O dano moral decorrente de atraso em viagem internacional tem sua indenização calculada de acordo com o CDC...." (STJ – 4ª Turma – RESP 235678/SP – Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar – DJ de 14.02.2000, pág. 00043).

Não é demais asseverar, entretanto, que o quantum da reparação, em situações desse nível, deve ficar submetido não a uma pretensão da parte, mas sim ao prudente arbítrio do magistrado a quem competirá examinar, instruir e julgar o feito, cabendo à parte apenas sugerir o que considera razoável lhe seja deferido a esse título. Importante notar, no entanto, que a condenação civil, em qualquer situação, possui função dúplice e desse modo deverá ser considerada no momento de sua fixação. É ela, em primeiro lugar, resposta da sociedade ao infrator, visando a coibir a repetição de condutas indesejadas como aquela que se pune. Também serve a condenação como instrumento de reparação dos efeitos danosos diretamente causados à vítima em decorrência do ato anti-social. Nesse contexto, ao fixar-se o montante da reparação, não se pode ter em vista apenas um desses fundamentos, pena de vir a demanda apenas a estimular a preservação de tais condutas e a perpetuação do desrespeito e do descaso do prestador de serviços públicos, implicando, claramente, na quebra da própria ordem constitucional.

Cumpre assinalar, finalmente, que não se pode admitir como plausível a prestação de reparação com base em convenções internacionais que, distanciadas da realidade e da ordem constitucional vigorante no País, apenas estimulam condutas que não respeitam os interesses dos destinatários da atividade exercitada pelo concessionário.

Sobre o autor
Airton Rocha Nobrega

Advogado inscrito na OAB/DF desde 04.1983, Parecerista, Palestrante e sócio sênior da Nóbrega e Reis Advocacia. Exerceu o magistério superior na Universidade Católica de Brasília-UCB, AEUDF e ICAT. Foi Procurador-Geral do CNPq e Consultor Jurídico do MCT. Exerce a advocacia nas esferas empresarial, trabalhista, cível e pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NÓBREGA, Airton Rocha Nobrega. Overbooking e reparação de danos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 44, 1 ago. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/653. Acesso em: 18 nov. 2024.

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