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Um estudo bibliográfico do livro Elementos para uma crítica do Estado

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Agenda 10/04/2018 às 13:28

3.Estrutura Estatal

Primeiramente, deve-se considerar a obrigatoriedade da presença de alguns elementos materiais constitutivos para a efetiva formalização do Estado, tais como o espaço físico delimitado, a existência de uma comunidade de pessoas, organizadas como povo e como nação, e, uma autoridade governante com plenos poderes políticos. 

O poder do Estado que se estende a todos os seus membros e por toda sociedade, é exercido por meio de mecanismos estruturados e distribuídos em diferentes órgãos e instituições especiais.

A unidade do poder estatal define-se pela estrutura político-administrativa, composta por um sistema de órgãos interligados e independentes: o poder executivo, legislativo e judiciário. Cada um possui competência e autonomia própria, ainda que, na maioria das vezes, atuem dentro dos horizontes estabelecidos e controlados pelo poder central. 

A experiência histórica tem demonstrado que, na prática, em países como o Brasil, a independência e harmonia dos poderes do Estado não passa de uma grande retórica, pois constata-se a cada dia o crescente fortalecimento do judiciário que não só legisla, mas também impõe leis, decretos, pacotes e medidas provisórias. 

Em razão do poder máximo que dispõe, o Estado torna-se soberano para administrar a coisa pública, determinar o cumprimento das leis por parte dos cidadãos, fazer acordos e tratados com outros Estados, e dividir, geograficamente, a estrutura do organismo interno.

As formas de Estado compõem a organização estatal com suas divisões administrativas, podendo situar-se em Estados Federais e Confederações. As formas de governo compreendem os mecanismos de poder, sendo a Monarquia e a República. 

Assim sendo, o Estado é a mais complexa de todas as espécies de instituições políticas, sendo produto de uma sociedade que acaba, muitas vezes, perdendo o controle sobre o fenômeno gerado.

Ademais, o amplo sistema político é composto por outras formas de micro organizações não estatais que, dependendo do regime político podem ser autônomas ou subordinadas ao espaço de poder coberto pelo Estado. 

Acrescentam-se, as múltiplas organizações ou movimentos sociais de massas que estão adquirindo, cada vez mais importância nas sociedades políticas periféricas que lutam para impor suas demandas e democratizar o aparelho de Estado, tradicionalmente burocrático e autoritário. 

As mais importantes organizações políticas não-estatais que podem ou não está a serviço ou sob a interferência do Estado são: os partidos políticos, sindicatos, elites ou grupos de pressão, as cooperativas e as inúmeras organizações ou movimentos sociais de massas. 

Dentre algumas das organizações sociais intermináveis: grupos de ecologistas, negros e mulheres, associações de bairros e moradores, comunidades eclesiais de base e conselhos municipais, órgãos colegiados e instituições culturais. 

Além da configuração genérica do Estado, sua relação com a sociedade civil, se alude à presença das organizações políticas supra- estatais, devem buscar não somente o intercâmbio econômico, social, político e cultural mais justo, mas, sobretudo, possibilitar reais condições para superação das profundas desigualdades de riqueza e incremento e a melhoria da qualidade de vida diferentes da sociedade.

Por conseguinte, não se poderá descartar o caráter do Estado de coerção, e sua natureza contraditória entre essência e aparência. Favorecendo os setores dominantes à custa da grande parcela dominada da sociedade.

O que não deixa de ser uma instituição de classe, afasta-se das maiorias sociais que o legitimam, servindo de eficaz instrumento para as elites ou classes governantes que controlam a máquina administrativa.

Para além da visão negativa, admitir a crise de um determinado tipo de Estado, ou considerá-lo como um mal necessário, uma vez que no fundo não é nem bom e nem ruim, sua atuação depende muito do tipo de pessoas que o usa e o controla. 

Antes de transformar e democratizar o Estado é essencial educar e mudar as pessoas para o exercício de uma convivência responsável e participativa.


4.Realidade Social

Precipuamente, o Estado tomou a dianteira em suas relações com a sociedade, quer pela imaturidade e ineficiência desta, quer porque o próprio Estado, por meio de suas elites dirigentes e de suas classes dominantes, nunca possibilitou espaço de mobilização e sempre operou para manter um tipo de sociedade marcadamente dividida, dependente e tutelada.

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As elites mantenedoras da estrutura de poder, almejando resguardar seus privilégios, sua dominação e conseguindo esvaziar todo o questionamento sobre a legitimidade do poder, não só se utilizam de um Estado comprometido com seus interesses de classes, como impuseram a versão oficial de que o Estado deveria ser visto ora como uma entidade abstrata e neutra acima da sociedade, ora como elemento implementador para propiciar e fomentar a justiça social.

Assim sendo, projeta-se uma imagem enganosa de uma instituição que procura esconder sua verdadeira natureza, emerge como produto histórico da vontade das maiorias, servindo somente às finalidades dos grupos sociais no poder.

Favorece a perpetuação de relações sociais assentada no clientelismo, no apadrinhamento, nepotismo, coronelismo, na ética da malandragem e da esperteza, e, na gama incontável de irregularidades e desvios no padrão cultural de comportamentos do brasileiro.

Destarte, deve-se apreciar criticamente a elite que se constitui no Brasil, conforme processo histórico. Porquanto, a dinâmica da formação moderna do Estado se efetivou de forma natural e espontânea, bem como da ascensão de uma elite burguesa treinada na prática parlamentar representativa.

No caso brasileiro, implantou-se um Estado independente e soberano, criado distintamente da sociedade, o próprio Estado incentivou a preparação de elites burocráticas para as tarefas da administração e do governo, treinadas nas tradições do mercantilismo, do patrimonialismo e do absolutismo português.

Deste modo, desde suas origens e prosseguindo em toda história brasileira, as nossas elites oligárquicas e latifundiárias controlam o Estado e exerceram a dominação política, alheias os intentos da população sempre servis ao capital internacional.

O Estado brasileiro, incorporou a montagem burocrática e centralizadora do sistema de administração lusitana, completamente desvinculado dos objetivos de sociedade, alheia à manifestação e à vontade do povo, implantado uma estrutura de poder monárquico que serve de burocracia, originada dos senhores de escravos e proprietários de terras.

A aliança entre o poder aristocrático da coroa com as elites agrárias permite construir um modelo de Estado que defenderá sempre os intentos da classe dona da propriedade e do capital. Mesmo com as mudanças políticas e econômicas do país e com os deslocamentos sociais das elites, o Estado age como uma potência histórica e contraditória, cercada e perplexa sociedade.

Diante da inércia das classes hegemônicas dissidentes e de uma sociedade fragmentada pelos poderes regionais, o Estado acaba se projetando para ocupar o vazio existente como o único sujeito político capaz de unificar a sociedade burguesa e de fomentar o moderno arranque do desenvolvimento industrial.

No caso do Brasil, o Estado se transforma num dos principais agentes do processo econômico. Pode-se tipificar o protótipo do nosso modelo de Estado como um permanente agente real revestido pelo paternalismo provedor e pelo intervencionismo dirigista.

Em razão de toda uma formação cultural de dependência, alienação programada e não-participação popular democrática, a sociedade brasileira é caótica, desorganizada, movimenta-se timidamente, esperando sempre pela iniciativa e atuação paternalista do Estado.

Não seria tão problemática se, pelo menos, houvesse um Estado mantido por administradores honestos, competentes e profundamente identificados com os fins da maioria da população.

Isso nunca aconteceu e tampouco está acontecendo, nossa tradição vem demonstrando que não só a sociedade brasileira encontra-se entorpecida e não consegue ter autonomia sobre os grupos governantes que o manipulam, tornando-se instrumento arbitrário e repressor na defesa das elites dominantes.

Isso nos deixa algumas indagações: como aumentar a consciência crítica da população? Construindo uma sociedade madura e participativa? Como romper e eliminar radicalmente com a hegemonia das atuais elites dirigentes brasileiras, tradicionalmente corruptas, imorais e intransigentes a qualquer mudança social?


5.Contradições sociais e jurídicas

Não obstante, o Estado apresentar ser uma entidade complicada, difícil e ambígua, na realidade, pode-se perceber seu poder, para isso basta ler um jornal ou assistir um noticiário, bem como na construção de estradas, aumento de preços de alimentos, gasolina, decretos e pacotes sobre política salarial, para se verificar a presença do Estado.

Trata-se de um ente que recebe enormes parcelas do poder para administrar os conflitos e tomar decisões que interessam a todos. O que pode acontecer, este administrador pode se desvirtuar tornando-se mandatário infiel dos fins gerais e cúmplice autoritário de grupos privilegiados.

Não necessariamente concentrado, mas um poder que se fragmenta e se estende por toda a sociedade. O Estado não é bom ou ruim em si mesmo, mas projeção e reflexo da estrutura social que serve.

A responsabilidade por sua natureza mascarada e contraditória nem sempre identifica com conteúdo condizente com as atitudes, reside nas facções e nos blocos de poder que controlam egoisticamente, e que utilizam arbitrariamente em momentos distintos da história. Existe para assegurar e perpetuar a opressão de poucos sobre muitos.

Esses mesmos grupos dominantes são os criadores de determinados mitos que envolvem e legitimam a figura moderna do Estado.

Torna-se essencial desenvolver todo um processo educativo que desperte uma mentalidade que seja capaz de desmontar a noção mítica do Estado, criada em grande parte pelos juristas, dogmáticos e pelo próprio Direito burguês.

Consagra-se, o primeiro grande mito do liberalismo jurídico burguês, o Estado surge como sujeito independente, e, equidistante dos conflitos de classe da sociedade, representa o interesse do bem comum, alicerçando sua realidade e sua atuação nacionalizadora em um permanente Estado de Direito.

O Estado socialista contemporâneo também não é idôneo. Todo Estado é Estado burguês, instrumento de repressão e dominação da classe dominante. O Estado e o Direito e toda produção cultural são tratados como meros resultados do jogo mecânico de uma infraestrutura econômica.

É pacífico que subsistem profundas deformações estruturais no Estado contemporâneo, independentemente de seu regime pode-se caracterizá-lo por um intervencionismo crescente e por representar a dominação cada vez mais sofisticada de segmentos minoritários de suas populações.

Por viver-se num sistema de organização estatal capitalista, periférico e dependente, é claro que devemos nos preocupar, profundamente, com as desmistificações das ficções e das invenções irreais que adornam o tipo de Estado que vivenciamos e que interagimos.

Impõem-se uma conscientização emancipadora e crítica, vinculada às posturas ajustadas com uma ruptura radical a toda visão costumeira e dogmática do diálogo e debate conservador, implantado através do exercício de participação da sociedade um pensamento e uma prática verdadeiramente crítica, substituindo a visão tradicional por uma perspectiva pluralista e socializante.

Somente mediante uma nova mentalização crítica e uma reordenação de posturas, poderá suplantar a costumaz incapacidade dos juristas de pensar o Estado e o próprio fenômeno político como sempre o fizeram, pelo ângulo limitado do normativismo técnico e pelas análises insuficientes e puramente jurídicas.

Trata-se de não só resgatar a matriz política do jurídico, mas, sobretudo, optar por uma racionalidade e um agir fundado na ética da responsabilidade e da solidariedade.

Sobre o autor
Rodrigo Alves da Silva

mestre e doutor em Direito. É pesquisador e parecerista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Advogado,regularmente inscrito na OAB/SP (204.358), docente da Escola Superior de Advocacia (ESA) e Professor Universitário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trata - se de uma resenha elaborada por minha aluna, Iolanda Faustino Félix. O assunto é muito atual, considerando as peculiaridades vistas no cenário político, jurídico e social brasileiro. Gostaria de ver o trabalho publicado. Prof. Rodrigo Alves

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