Tem se notado uma prática muito comum entre os atuais pregoeiros, que ainda confundem quais objetos devem ser tratados como obras e serviços de engenharia, enfatizando as modalidades tradicionais de licitação, quiçá o Convite, a Tomada de Preços e a Concorrência, e aqueles tidos como de natureza comum, que permitem a licitação por meio da modalidade pregão, voltados para pequenos reparos prediais.
Um exemplo clássico é quanto à aplicação do Acórdão 2622/2013 – Plenário, do Tribunal de Contas da União, na análise das propostas quando a modalidade escolhida foi o pregão, diante da avaliação do objeto como sendo de natureza comum, desclassificando-as equivocadamente.
Observe o seguinte exemplo:
Determinada empresa que adota uma composição do BDI inferior a 20,34%, mínimo aceitável segundo o acórdão, para construção de edifícios. Pode-se considerar que, por não observar a composição para tais parâmetros mínimos e máximos aceitáveis para os valores de taxa e benefícios e despesas indiretas, a empresa desprezou-a completamente, valendo-se de valores arbitrários sem quaisquer parâmetros?
Ocorre que, embora de fácil entendimento, ainda se observam dúvidas quanto a essa questão, com recusas de propostas sob a fundamentação de tal inobservância.
Desta forma, pode-se analisar tais decisões sob dois focos básicos:
1. DO BDI ACEITÁVEL PELO TCU E A COMPATIBILIDADE COM O OBJETO
Conforme o Acórdão 2622/2013 TCU-Plenário, o que se entende é que aquele órgão buscou estabelecer faixas de BDI aceitáveis em contratos de construção, baseado em estudo estatístico feito em 529 contratos de obra, englobando edificações, estradas, ferrovias, sistemas de saneamento básico, linhas de transmissão de energia barragens, canais, aeroportos e portos.
Tais percentuais variam conforme o tipo de obra e condições de execução/fornecimento, passando a servir de referência para a análise de orçamentos pelo tribunal e foram elaborados com base no 1º e 3º quartis somado ao valor médio, excluindo outras faixas de BDI possíveis e contratadas com êxito, tanto maiores quanto menores.
Contudo, não entrando neste mérito, compete-nos convidar nosso leitor para a análise do objeto da licitação propriamente dito. O objeto a ser licitado, após planejamento inicial, foi enquadrado como sendo para pequenos reparos prediais, caracterizada por se tratar de serviço comum para pequenos reparos e de fácil mensuração pelo mercado.
A partir do momento que a Administração a enquadra desta maneira, torna evidente ser irregular entender que as faixas aceitáveis para obras de grande porte são igualmente aferidas em pequenos reparos. Observa haver uma discrepância de aplicação da regra estabelecida pelo TCU, pois, se for esse o entendimento, há ilegalidade, inclusive, acerca da modalidade de licitação utilizada.
Ao valer-se de tal conduta, a Administração seria possível entender como objeto da licitação, na verdade, é uma construção (nos termos das faixas compositórias do Acórdão 2622/2013 TCU-Plenário) e, diante disso, por se tratar de obra ou serviço complexo de engenharia, afrontaria o art. 1º da Lei nº 10.520/02 c/c art. 5º do Decreto nº 3.555/00, o qual veda expressamente contratação de obras e serviços de engenharia valendo-se da modalidade pregão, ratificada pelo art. 6º do Decreto nº 5.450/05, que esclarece sua não aplicabilidade nas contratações de obras de engenharia pela modalidade pregão, na forma eletrônica.
Sob esta óptica, uma avaliação equivocada neste sentido, recusar as planilhas que compõem a proposta sob única alegação de que uma empresa participante em um Pregão voltado para pequenos reparos prediais deve atentar para os parâmetros que o TCU usa para contratação de obras é concordar com a possibilidade quanto à ilegalidade na escolha da modalidade adotada, afastando sua qualificação dos serviços de engenharia comuns licitáveis por meio da modalidade Pregão e, consequentemente, trazendo a mesma ilegalidade ao resultado do certame, tornando-o passível de nulidade todo o processo e republicação na modalidade correta: provavelmente uma CONCORRÊNCIA, visto que as estimativas para este objeto tem tomado proporções cada vez mais milionárias, que, salvo o interesse não seja realmente o de construção, caberia ser submetida a uma reavaliação pelo órgão, evitando assim um futuro ato ilícito.
2. DA GERÊNCIA SOBRE O BDI APLICADO E IMINENTE ARBITRARIEDADE NA TOMADA DE DECISÃO
Não bastasse aplicar incorretamente o acórdão para este objeto, também não poderia o agente executor da análise inferir acerca dos valores aplicados no BDI da empresa, posto que é de sua única e exclusiva competência. Segundo Acórdão 2.738/2015 TCU-Plenário, é "de cada particular poder apresentar a taxa que melhor lhe convier, desde que o preço proposto para cada item da planilha e, por consequência o preço global, não estejam em limites superiores aos preços de referência, valores estes obtidos dos sistemas utilizados pela Administração e das pesquisas de mercado, em casos de lacunas nos mencionados referenciais"
Dando maior robustez a incoerência, trazemos o Acórdão 1.804/2012 TCU-Plenário, dentre outros existentes:
“44. Como asseverou a representante, a proposta da licitante não pode ser desclassificada levando em consideração apenas o BDI, a não ser que o preço global também se revele excessivo, o que não foi observado no caso concreto, uma vez que a majoração do BDI pode ser compensada pela subavaliação de custos de serviços e produtos”.
Ou seja, competirá à Administração Pública, neste caso, balizar-se não somente pela composição do BDI (que se trata de encargos de gerência administrativa da empresa), mas se o preço global encontra compatibilidade com o orçado por aquela.
Para que se entenda a liberdade da recorrente na utilização do seu BDI, caso esta quisesse inserir IRPJ e CSLL em sua composição, seria perfeitamente possível, diante do Acórdão 648/2016 TCU-Plenário.
O que se pode afirmar é que, qualquer possibilidade de promover uma desclassificação com base no BDI proposto, sendo tido como querer administrar negócio de particular, não havendo qualquer respaldo legal para isso, o que afrontaria direito líquido e certo da empresa.
Ressalta-se ainda que o BDI anexo ao edital é apenas referencial para o estabelecimento do preço máximo. Não obstante, o proponente pode trazer em sua proposta um BDI diferente e, a princípio, não há razão para deixar de aceitá-lo, afinal de contas, é a empresa que sabe a remuneração que pretende obter e as suas despesas indiretas.
Por menos que se tenham critérios objetivos e justificáveis que possam servir de parâmetros para uma avaliação objetiva da proposta e as composições das planilhas vinculadas, jamais poderá haver recusa de uma proposta sob a alegação de que a empresa não atendera ao instrumento convocatório, por não se valer critério algum para elaboração do detalhamento da bonificação e despesas indiretas (BDI) e, principalmente, tentar justificar sua decisão sob a interpretação equivocada do Acórdão 2622/2013 TCU-Plenário, pois, como observamos nesta análise, o mesmo não traz compatibilidade com o objeto, salientando ainda que, neste caso, a empresa poderia buscar a correção de suas planilhas desde que mantidos o valor final de sua proposta.
A análise pertinente ao BDI apenas será coerente e, desta forma, não deve ser aceito, se, concomitantemente, o valor global ofertado seja excessivo. Ou seja, o que deve ser analisado é se o preço ofertado é compatível com o preço praticado no mercado. E neste sentido o Acórdão 648/2016 TCU-Plenário também mostra que a análise isolada de apenas um dos componentes do preço, custo direto ou BDI, não é suficiente para caracterizar o sobrepreço ou o superfaturamento, pois um BDI elevado pode ser compensado por um custo direto subestimado, de modo que o preço do serviço contratado esteja compatível com os parâmetros de mercado.
Quando a Administração Pública optar pelo confronto do BDI contido na proposta de determinado licitante com o Acórdão 2622/2013 TCU-Plenário, este não poderá tê-lo como base única para a desclassificação.
Optar pela cautela é sempre a melhor decisão, contudo, não se pode esquecer o principal interesse do processo licitatório: obter a proposta mais vantajosa para a Administração, sem descuidar da segurança da contratação.