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Agenda 27/04/2018 às 10:32

3.O EXAME DE DNA E SUA INFLUÊNCIA NA INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE

Com a Constituição de 1988, houve uma busca frenética pelo reconhecimento da paternidade; concomitante a isso, conforme mencionado anteriormente, o surgimento do exame de DNA, que trouxe para o campo jurídico a certeza, ou quase ela, da paternidade biológica. A paternidade passou, pois, a ser vista, antes de mais nada, como vínculo de sangue.

Através da verdade biológica, pai e filho buscam uma certa face de sua identidade; o primeiro, sabendo-se perpetuado; e o segundo, conhecendo um pouco de si.

O DNA pode ser detectado no núcleo (centro) de qualquer célula de um organismo, dentro de pequenos pacotes genéticos chamados cromossomos, com exceção das células vermelhas do sangue (hemáceas) que não têm núcleo; portanto, não têm DNA. Assim, o DNA das células brancas de sangue de um indivíduo é exatamente igual ao DNA das células de pele desse indivíduo, dos tecidos, da raiz do cabelo, dos ossos, do sêmen, da saliva, dos músculos, das células contidas na urina.

Veloso (2000, p. 388) cita também um artigo de Rolf Madaleno a ser publicado sob título A sacralização da presunção na investigação de paternidade” que enuncia:

a minimização dos clássicos meios processuais de prova, o que pode ser facilmente deduzido das decisões jurisprudenciais, sacralizando a perícia genética, como sendo a suprema das provas, tornando-se as outras provas inúteis e dispensáveis. Já é momento de evitar o endeusamento do resultado pericial, convertendo o julgador num agente homologador da perícia genética, certo de ela possuir peso infinitamente superior a de qualquer outra modalidade de prova judicial.

Salienta-se serem sérios os riscos da sacralização da presunção pela mera recusa na submissão ao exame de DNA. Isso ocorre especialmente quando essa negativa está escorada numa justificada oposição do investigado, quando nada lhe foi revelado acerca da infalibilidade do perito e do laboratório a que está vinculado em detectar o nexo biológico ao índice de uma probabilidade de paternidade igual a 99, 99999%.

Ademais, é preciso haver muita cautela, quando as ações investigatórias apenas relatam superficial relação duvidosa de correspondência fática, denotando em seu ventre uma demanda prenhe de ódio, rancor ou pura maldade. Também, quando não consignam mera malícia por um lucro exclusivamente material, sem que a inicial apresente informes mais sérios, e de razoável consistência, capazes de sustentar uma precipitada ordem de realização judicial de pericial genética.

Por sua vez, o alto grau de certeza dos exames de DNA transformou o Direito brasileiro, derrubando algumas de suas paredes e abalando outras, que permanecem, mas como ruínas.

A par de outras repercussões em esferas jurídicas distintas, sem dúvida, haverá grande ressonância no campo das ações jurídicas que questionam a paternidade, em que exame de DNA se tornou a prova máxima e decisiva, nos casos de investigação de paternidade. E com muito mais ênfase, quando na questão abordada, discute-se a obrigatoriedade ou não do investigado em submeter-se ao exame hematológico para a comprovação da paternidade discutida.

Sem dúvida, o exame de DNA evidencia-se uma prova indispensável à fiel obtenção da verdade, no processo de investigação de paternidade.

A verdade que se busca em juízo, seja pelas partes, seja pelo próprio magistrado, deve ser manipulada da forma mais ampla possível, porém sem exceder as barreiras e os limites do razoável, de modo a não colidir com os direitos inerentes à dignidade da pessoa humana, fundamentalmente assegurados nos Estados Democráticos de Direito. Mesmo para a busca dessa verdade, os postulados maiores condicionam limites. E, como diziam os romanos: Est modus in rebus – há um limite entre todas as coisas.

Na verdade, tem-se percebido que o exame do DNA passou a ser, para muitos operadores do Direito, condição sine qua non para a comprovação da paternidade, ao argumento de uma certeza, quase inabalável, não pode prosperar, principalmente quando se noticia diariamente pelos meios científicos acerca da imprestabilidade de alguns resultados e métodos de exames hematológicos. Isso decorre do fato de muitos deles serem confeccionados em laboratório não qualificados, despreparados e sem recursos científicos suficientes para a efetivação desses procedimentos.

Para Veloso (2000, p. 387), a “rainha das provas” suplantou todas as perícias sorológicas empregadas até então no debate judiciário civil e penal. Alerta o autor que muitos operadores e usuários do Direito assumem uma posição de adoração e submissão aos laudos periciais. Entretanto, já não é possível prosseguir com essa cega confiança dos cultores do Direito nos testes de DNA, que não podem ser considerados conclusivos, apenas servindo como mais um elemento probatório.

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O autor concorda com a importância do estudo do perfil genético do DNA, na investigação do vínculo de paternidade e maternidade, mas interroga se os seus resultados apresentam a condição de certeza absoluta e de fato inquestionável. Enfatiza que, mesmo sendo a análise do polimorfismo do DNA uma prova de grande futuro, na sua essência, seus métodos e técnicas não podem ser considerados, sob o prisma científico, uma prova infalível e de conclusões absolutas, capazes de transformar o magistrado em prisioneiro de seus resultados, “sacralizando” esse exame em detrimento de outros meios usuais e processuais de prova.

Se assim se procedem, tornar-se-á o julgador prisioneiro de seus resultados. É perigoso substituir seu juízo de valor por uma única prova, cujo resultado permite uma certa margem de erro.

Prescreve Moraes (1997, p. 184), em preocupante vaticínio que: “a certeza científica, oferecida pelo exame de DNA, para determinação da paternidade encontra hoje um único obstáculo: a recusa do suposto pai a entregar o material necessário ao teste”.

Enfatiza-se que, conquanto o exame de DNA tenha adquirido enorme credibilidade entre os profissionais do Direito e a população leiga, ele não é infalível. Devem ainda ser consideradas as falhas humanas na aplicação do exame e mesmo na fiscalização dos laboratórios, como fatores capazes de comprometer o resultado.

 Condução coercitiva

Argumentos a favor da coerção

Segundo os defensores dessa medida, a submissão a tal exame não demanda sacrifícios corpóreos consideráveis, que sejam legítimos a respaldar uma recusa fundada na alegação de que a parte deve ter respeitada a sua inviolabilidade corporal. Na verdade, a extração de uma amostra de sangue, ou mesmo de alguns fios de cabelo não causam sofrimento considerável.

A favor da condução coercitiva argumenta-se que não se pode desprezar a produção da prova genética do DNA, na busca da verdade.

Por outro lado, ainda que se pudesse considerar que a extração desse material genético originasse sofrimento corporal significativo, deve-se entender que a busca da verdade real em relação à paternidade de um indivíduo e evidencia-se valor que se sobrepõe ao direito que se tem à inviolabilidade do corpo.

Quanto ao direito à intimidade, caso alguém alegue que não quer ter exposto seu código genético, sob o argumento de que tal exposição poderia resultar-lhe, por exemplo, preconceitos relativos a doenças congêneres, dever-se-ia entender que essa possibilidade perde em relevância para a busca da verdadeira informação quanto à paternidade de um indivíduo.

Além disso, importa ter em mente que o resultado de um exame de DNA, feito em um processo de investigação de paternidade, deve estar resguardado de outros usos (indevidos) pelo instrumentário do segredo de justiça, previsto, inclusive, constitucionalmente. Diante disso, as justificativas, também sob esse aspecto, mostram-se improcedentes para embasar uma recusa ao exame.

Da mesma forma, não é legítima a alegação de que alguém estaria escusado de se submeter ao exame de DNA, sob o argumento de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Não se pode concordar com a consideração de que a prova efetiva de uma relação de paternidade, inicialmente suspeita, é prova produzida contra si. O direito que ganha relevância, aqui, é o direito de se ter certeza a respeito da existência ou não de tal vínculo familiar. O interesse da parte em omitir a informação que seria necessária e suficiente para estabelecer tal verdade é subjugada, nesse ponto, pelo interesse da sociedade em ver desvelada tal informação.

Então, a partir da recusa da parte em se submeter ao exame médico-pericial, como é o caso do exame de DNA, é que deverá se inverter o ônus da prova em relação àquela matéria objeto do exame. Cria-se, assim, uma presunção de que o exame recusado provaria, caso realizado, aquilo que é desfavorável a quem recusou. Mas essa presunção, conforme argumentamos, é iuris tantun, ou seja, é presunção que admite a possibilidade de prova em contrário, a partir de fatos carreados aos autos em fase de instrução.

Irrefutavelmente, filho tem direito de saber quem é seu pai, de portar o nome da família do pai, resguardando-o do constrangimento de ser filho de pai desconhecido, de se sentir rejeitado pelo pai que negou o reconhecimento da paternidade e das obrigações para com o filho. É preciso fortalecer vínculos de sangue, afeto e de direitos sucessórios, porque poderão ocorrer conseqüências sociais e psíquicas da inexistência ou ausência do pai. Origem biológica é de interesse da pessoa, uma vez que apresenta as características pessoais, doenças hereditárias, potencial de personalidade e até de direitos patrimoniais.

Na verdade, é justificável o sacrifício do direito do investigado, de modo que deve, na verdade, ser admitida a condução coercitiva deste para a realização da prova do DNA.

Argumentos contrários à coerção

Para alguns críticos, tal coerção representa uma violação ao direito à intimidade, já que esse material que comporta informações individuais da parte, tais como propensões a doenças ou doenças já contraída (como a AIDS, por exemplo) estariam sendo expostas, sem o seu consentimento.

Da mesma forma, argumentam que discrepa das garantias constitucionais de preservação da dignidade da pessoa humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano.

Na verdade, tanto a identidade genética quanto a intimidade e a intangibilidade do corpo humano são componentes da dignidade da pessoa que estão em confronto.

A recusa do investigado à realização do exame de DNA deve gerar a presunção relativa do exame de DNA.

Embora admitida a obrigatoriedade da prova genética do DNA, a recusa do investigado à realização do exame de DNA não pode ser interpretada como confissão ficta do investigado. Essa reação não é suficiente para se admitir a presunção de paternidade. Apesar de apresentar forte indício, é necessário existir alguma evidência de ter havido um relacionamento entre o suposto pai e a mãe da criança para que fique comprovada a paternidade.

Aplica-se, como garantia de não estar o acusado obrigado a fazer prova contra si, o direito ao silêncio. Pode-se entender ainda que o silêncio do réu não pode ser mais interpretado em prejuízo da defesa; o mesmo deve acontecer em relação à recusa em doar material para o exame de DNA.

Vale enfatizar que essa confiança no exame científico conduz ao desdém e à profunda e quase insuperável descrença sobre os demais meios processuais de prova. Isso demonstra cega aceitação da perícia do DNA o que acarreta um perigoso e deletério efeito de influenciar sobre os outros meios legítimos e esclarecedores de prova judiciária. Mostra-se decisivo, portanto, evitar o endeusamento do resultado pericial, convertido o julgador num agente homologador da perícia genética, certo de ela possuir peso infinitamente superior à de qualquer outra modalidade de prova judicial.

Trachtenberg (1995, p. 326) atenta para a possível falibilidade do teste de DNA, pelo fato de os laboratórios carecerem de dados estatísticos tão caros e próprios da população brasileira, composta por uma raça mista, de características singulares, divergentes dos levantamentos estatísticos realizados com os povos dos Estados Unidos e os da população européia.

Segundo os opositores à coerção, não se deve prosseguir com essa cega confiança dos cultores do Direito nos testes de DNA. Estes não podem ser considerados conclusivos, apenas servindo como mais um elemento probatório.

Em uma questão sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal assim decidiu, por maioria:

INVESTIGAÇÃO DE Paternidade - Exame de DNA - Condução do Réu “Debaixo da Vara”. Discrepa, a mais não poder, das garantias constitucionais implícitas e explicitas – preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução especifica da obrigação de fazer – provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, “debaixo de vara”, para coleta do material indispensável a feitura do exame de DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos. STF – HC 71. 373-4 RGS – Tribunal Pleno – Rel. p/o acórdão: Min. Marco Aurélio – j. 10. 11. 1994 – v. m. – DJ 22. 11. 1996.

“Não basta ao interessado na investigação do seu nexo biológico louvar-se no exame de DNA, que deve ser lido num conjunto probatório muito mais denso e verdadeiramente seguro” (VIANA, 1998, p. 27)

Os votos vencidos dessa decisão argumentam pela existência de dois interesses em conflito: o da criança investigante à sua real identidade e o do suposto pai à sua incolumidade física. Entendem esses ministros que deveria prevalecer o interesse superior da criança.

Apesar de todas essas alegações, contrárias à coerção, deve-se partir do princípio de que a recusa do investigado implica descumprimento de um dever processual de colaboração, disposto no artigo 339 do CPC brasileiro, in verbis: “Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade”

A possibilidade de erro do DNA

A prova pericial realizada do exame de DNA pode gerar resultados de exclusão e de inclusão, ou seja, o resultado do exame pode excluir a possibilidade de paternidade, não encontrando no suposto pai uma combinação entre o seu DNA e o material do sedizente filho; por outro lado, pode demonstrar que o material coletado do investigado apresenta seqüência compatível com o filho.

Nesse momento, porém, é preciso cautela na utilização única da prova pericial, uma vez que, embora incontestável sua utilidade para o Direito, é impossível ignorar inúmeros fatores que podem comprometer e prejudicar os resultados ditos inquestionáveis.

Um dos principais motivos que colocam em dúvida a sacralização da prova pericial através do exame de DNA é a qualidade dos laudos, porquanto realizados com apuro técnico podem atingir índices de acertos superiores a 99, 9999%; mas boa parte dos laboratórios oferece técnicas menos complexas e mais baratas, aumentando a margem de erro.

Pode-se, então, deduzir que essa matéria encontra entendimento diverso entre os doutrinadores. Uns entendem que a margem de erro da análise do DNA é insignificante, e, por isso, essa prova pericial oferece ao julgador em elemento sólido e determinante para a construção da verdade. Outros, no entanto, notam ser impossível negar a relevância do exame de DNA no conjunto probatório, salientando, porém, que existe uma distância entre reconhecer o exame como prova importante que traduz a evidência da paternidade.

Ainda cabe salientar o fato de, no Brasil, não haver fiscalização oficial dos laboratórios que realizam o exame de DNA.

Recusa do suposto pai

A indigitação leviana de paternidade pode causar sérios transtornos à vida do suposto pai. Inclusive, a Ministra Nancy Andrighi, argumentou que a recusa do réu em realizar a prova pericial de DNA implica a presunção de existência de relação de paternidade; no entanto, presunção é de natureza relativa, não absoluta, porque, além de ensejar prova em contrário, não induz à automática procedência do pedido.

A CF diz, em seu art. 5° que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer nada senão em virtude da lei”. E não existe lei que obrigue o suposto pai a se submeter ao exame. E, ao mesmo tempo, ninguém é obrigado a produzir provas contra si.

Sobre a autora
Verônica Bettin Scaglioni

Graduada em Bacharel em Direito pela Ucpel, Pós Graduada em Direito Público pela Uniderp. Advogada. Pós graduanda em Direito do Trabalho pelo Centro Universitário Uninter.

Informações sobre o texto

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