3 - Conclusões
Torna-se inevitável reconhecer que não há mais espaço, no moderno sistema jurídico, para a aplicação dos direitos subjetivos absolutos. O modelo arcaico outrora verificado na vigência do Código Civil de 1916, em que prevalecia o individualismo e o liberalismo exacerbado, é incompatível com a nova ordem constitucional fundamentada na dignidade da pessoa humana e que visa a construção de uma sociedade solidária e, consequentemente, a despatrimonialização do direito em prol da valorização das pessoas.
Seguindo a linha dos paradigmas constitucionais, o Código Civil de 2002, abalizado nos princípios da operabilidade, eticidade e sociabilidade, trouxe a previsão expressa em seu artigo 187 da teoria do abuso de direito; esta teoria, que a propósito, muito elogiada, surge com o objetivo de trazer um ponto de equilíbrio entre o exercício dos direitos subjetivos e os demais valores sociais.
Reconheceu-se que todo direito subjetivo possui valores éticos que o limitam, assim, seu titular, no exercício de um direito, fica impedido de ultrapassar os limites da finalidade social, da boa-fé e dos bons costumes, sob pena de cometimento de abuso de direito. Houve o fortalecimento da ideia de que a legalidade estrita é incapaz de atender as demandas sociais, fato este que motivou a adoção de uma nova técnica de linguagem com a utilização de cláusulas gerais.
O processo legislativo não consegue acompanhar as transformações sociais, desta forma, as cláusulas gerais tornam-se um importante mecanismo de atualização do direito, uma vez que, por possuírem grande abstração, permitem que sejam aplicadas a diferentes realidades sociais, se moldando ao caso concreto, o que exige uma postura mais ativa do julgador face a grande presença de elementos valorativos nas normas jurídicas.
No que tange à natureza jurídica do instituto, houve a expressa previsão no CC/02 de que o abuso de direito seria, também, ato ilícito. No entanto, apesar da grande evolução que se obteve com a positivação do instituto, não é possível afirmar o acerto do legislador na análise de tal ponto, pois, o instituto do abuso de direito não pode ser tratado como um mero ato ilícito objetivo.
Não se pode negar que tanto o ato ilícito como o abuso de direito são condutas antijurídicas, ou seja, contrárias ao direito. Entretanto, há patente diferença entre os institutos, a começar pela análise do elemento subjetivo, essencial para se configurar o ato ilícito e dispensável ou acidental no abuso de direito.
Outro ponto destoante entre os institutos está na análise da forma pela qual se dá a violação ao ordenamento jurídico, pois, enquanto no ato ilícito se tem uma violação direta de uma norma jurídica, ou seja, uma violação específica de um preceito formal do direito, no abuso de direito não há esta violação direta, sendo que, inicialmente, o ato teria aparência de conformidade se dando apenas para reconhecer o abuso através de uma análise valorativa do ato praticado.
Assim, a posição adotada pelo legislador de colocar o abuso de direito como sendo uma espécie de ato ilícito objetivo, acarreta a confusão entre as diferentes espécies de antijuridicidade que, apesar de serem contrariedades ao direto, não se confundem. Ademais, tal posição dificulta o reconhecimento da autonomia do instituto do abuso de direito e, por consequência, sua evolução.
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