4 PERSPECTIVAS E EXPECTATIVAS DA ADPF 189
Nos termos do § 1º, art. 4º, da Lei 9.882/1999, não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver outro meio eficaz de sanar a lesividade. Como o ato do Poder Público que estaria a agredir preceito fundamental da Constituição Federal tem caráter (ou natureza) municipal não poderia ser questionado via ação direta de inconstitucionalidade nem via ação declaratória de constitucionalidade.46
Com efeito, as leis ou atos normativos municipais podem ser questionados, via ação direta de inconstitucionalidade estadual (ou eventual ação declaratória de constitucionalidade estadual), perante os respectivos Tribunais de Justiça estaduais na hipótese de agredirem diretamente a Constituição do respectivo Estado, como se infere do art. 125, § 2º, CF47, e de precedente estabelecido pelo STF nos autos da Reclamação 38348, que superou o entendimento esposado pelo Tribunal na Reclamação 37049.
Segundo o Supremo Tribunal Federal, a partir dos referidos julgamentos das mencionadas Reclamações 370 e 383, a lei municipal ou estadual que agredisse a Constituição Estadual somente poderia ser questionada, em controle abstrato e direto, perante o respectivo Tribunal de Justiça estadual. E na hipótese de lei municipal que estivesse a agredir a Constituição Federal não caberia provocar diretamente o STF, via ADI ou ADC.
Todavia, a partir da edição da Lei 9.882/1999, que regulou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, nos termos do art. 1º, parágrafo único, I, caberá a ADPF, perante o STF, em face lei ou ato normativo municipal. Nessas situações, há várias decisões do Tribunal admitindo ADPF contra lei ou ato normativo municipal que esteja sendo acusado de violar preceito constitucional fundamental, como sucedeu com a ADPF n. 150.
Daí que cabível, prima facie, a ADPF contra lei municipal em face da Constituição Federal. O relator, monocraticamente, negou seguimento à ADPF 189 por entender ausente o conflito federativo, uma vez que a participação de Município não permite que se cogite de conflito federativo, nos termos do art. 102, I, ‘f’, CF51.
Nessa situação duas serão as soluções. Se se admitir o fundamento normativo constitucional do ministro Marco Aurélio, relator dessa ADPF, o Tribunal deverá revisar a sua jurisprudência acerca do cabimento de ADPF contra lei ou ato normativo municipal e decretar a inconstitucionalidade da parte do inciso I, parágrafo único, art. 1º, da Lei 9.882/1999, que enuncia o termo “municipal”.
A outra solução possível é manter a sua jurisprudência, não decretar a inconstitucionalidade desse aludido termo “municipal” do texto da referida Lei 9.882/1999, e dar uma interpretação conforme aos preceitos normativos envolvidos, no sentido de que a alínea ‘f’, do inciso I, do art. 102, da CF, não se aplica na hipótese de controle abstrato de validade constitucional. Esse citado dispositivo constitucional alcançaria as situações concretas, ou seja, as causas que não tenham como objeto do pedido a declaração direta e abstrata de inconstitucionalidade.
Sendo assim, como a ADPF tem como objeto do pedido a decretação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal em face de preceito da Constituição Federal, em controle abstrato, não incidiria a reserva suscitada pelo relator da ADPF 189, com esteio no multirreferido art. 102, I, ‘f’, CF.
Ademais, o argumento esgrimido pelo Município arguido no sentido de que os Municípios não compõem a Federação brasileira, porque não têm assento no Congresso Nacional, não resiste à literalidade de vários dispositivos52 da Constituição que revelam que os Municípios são partes componentes da Federação brasileira e que a sua autonomia é princípio constitucional sensível, apto a ensejar a intervenção federal (art. 34, VII, ‘c’, CF) 53.
O outro fundamento normativo utilizado pelo ministro Marco Aurélio, segundo o qual a controvérsia não afrontaria diretamente preceito fundamental, mas tão somente por via transversa agrediria a Constituição, não convence, pois a alegação do arguente infirma a legislação municipal em face de dispositivos da Constituição e do ADCT no que estaria a modificar, indevidamente, segundo o arguente e segundo o AGU, a PGR e o Município de São Paulo, a base de cálculo do ISSQN, fora do esquadro constitucional.
Sendo assim, em linha de princípio, o parâmetro normativo que diretamente serve de conforto de validade é o texto da Constituição Federal, de modo que é a própria supremacia jurídica da Constituição Federal que está sendo posta em apreciação na ADPF 189. O Município arguido defende a compatibilidade de sua legislação com a Constituição Federal. O Distrito Federal – arguente – defende a incompatibilidade dessa legislação com a Constituição Federal.
Na eventual superação das preliminares de conhecimento da ADPF 189, no mérito a questão provoca algumas controvérsias acerca da autonomia tributária dos Municípios em sede de ISSQN.
Com efeito, nos termos do art. 156, III, CF, a competência municipal para instituir e cobrar o ISSQN estará condicionada pelos limites estabelecidos em lei complementar nacional. E, nos termos do § 3º, incisos, do referido art. 156, a lei complementar nacional fixa os limites mínimos e máximos das alíquotas do ISSQN, bem como as formas e condições da concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais em relação a esse tributo.
É de ver, portanto, que a autonomia tributária municipal, em sede de ISSQN, é restrita. Daí que, nada obstante o disposto no § 6º, do art. 150, CF54, a legislação municipal deve estar em sintonia com a indigitada lei complementar nacional, na linha do aduzido no art. 146, incisos I, II, III, alíneas ‘a’ e ‘b’, CF.
Esses aludidos preceitos constitucionais reduzem a autonomia municipal para modificar a base de cálculo do ISSQN e visam evitar o surgimento de “guerras fiscais” municipais em sede de ISSQN. Considerando que os Municípios são entes políticos da Federação, não restam dúvidas que o sentido desses dispositivos visa combater essa aludida “guerra fiscal” e alcançam medidas normativas que direta ou indiretamente criem situações tributárias favoráveis em relação a outros Municípios.
No caso objeto de nossas considerações, a ADPF 189 deverá ter o seu pedido julgado procedente? A resposta dependerá das premissas constitucionais adotadas pelos ministros do Supremo Tribunal Federal.
Se se adotarem as premissas do Município arguido e se aceitar a tese forte da autonomia constitucional municipal, os ministros julgarão improcedente o pedido da ADPF e reconhecerão a plena higidez normativa do preceito legal impugnado. Mas, se entenderem que a autonomia municipal, em sede de ISSQN, é fraca e dependente da regulamentação normativa da legislação complementar nacional e que cabe ao Tribunal pacificar a “guerra fiscal municipal”, os ministros deverão julgar procedente o pedido da ADPF.
Mas qual seria a melhor solução para esse caso? Nada obstante tenhamos uma tendência para enxergar a autonomia constitucional municipal de modo forte, concedendo ao citado art. 30, incisos, CF, uma interpretação favorável à liberdade de criação e aplicação normativa, pois defendemos que é no Município onde o indivíduo exerce sua plena cidadania, e onde as empresas têm suas sedes e a partir delas se projetam no desenvolvimento de suas atividades econômicas, entendemos que deverá prevalecer a tese de combate à “guerra fiscal”, pois não deve o direito tributário ser instrumento de desequilíbrios entre as unidades políticas da Federação, na linha aduzida pela Advocacia-Geral da União.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Preceitua a Constituição, ensinam os doutrinadores e aplicam os ministros do STF que o Município é ente político integrante da Federação brasileira, tendo a mesma dignidade normativa que a União, os Estados e o Distrito Federal, mas com competências constitucionais distintas e demarcadas pela Constituição.
Pode haver conflito federativo entre Municípios, pois essas pessoas jurídicas de direito público são entidades políticas autônomas e componentes da Federação brasileira. Daí que A “guerra fiscal tributária municipal” é uma realidade que deve ser combatida politicamente, normativamente e judicialmente, pois afeta de modo danoso o equilíbrio financeiro dos municípios.
A ADPF 189 deve ser conhecida, pois esse instituto processual tem, dentre suas finalidades, a verificação da compatibilidade direta entre lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal. A ADPF 189 deve ser julgada procedente, pois a legislação questionada ultrapassou o esquadro constitucional permitido e criou situação de desequilíbrio tributário entre Barueri e outros Municípios brasileiros.
6 REFERÊNCIAS
Doutrinárias
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Processuais
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.340. Relator ministro Ricardo Lewandowski. Requerente: Governador do Estado de Santa Catarina. Requerida: Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina. Julgamento em 6.3.2013. Diário de Justiça de 9.5.2013.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 591.033. Relatora ministra Ellen Gracie. Recorrente: Município de Votorantim. Recorrido: Edson Douglas Barbosa. Julgamento em 17.11.2010. Diário de Justiça de 25.2.2012.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.167. Relator ministro Joaquim Barbosa. Requerentes: Governador do Estado de Mato Grosso do Sul e outros. Requeridos: Congresso Nacional e Presidente da República. Julgamento em 627.4.2011. Diário de Justiça de 24.8.2011.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação n. 383. Plenário. Relator ministro Moreira Alves. Reclamante: Município de São Paulo. Reclamado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Interessado: Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo. Julgamento em 11.6.1992. Diário de Justiça de 21.5.1993.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação n. 370. Plenário. Relator ministro Octavio Gallotti. Reclamante: Assembleia Legislativa do Estado do Mato Grosso. Reclamado: Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso. Julgamento em 9.4.1992. Diário de Justiça de 29.6.1993.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 1. Plenário. Relator ministro Néri da Silveira. Arguente: Partido Comunista do Brasil – PC do B. Arguido: Prefeito do Município do Rio de Janeiro. Julgamento em 3.2.2000. Diário de Justiça de 7.11.2003.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 189. Petição Inicial. Plenário. Relator ministro Marco Aurélio. Arguente: Governador do Distrito Federal. Arguido: Município de Barueri/SP. Interessado: Município de São Paulo/SP. Brasília, 2009.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 189. Manifestação do Arguido. Plenário. Relator ministro Marco Aurélio. Arguente: Governador do Distrito Federal. Arguido: Município de Barueri/SP. Interessado: Município de São Paulo/SP. Brasília, 2009.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 186. Parecer de Aires Fernandino Barreto. Plenário. Relator ministro Marco Aurélio. Arguente: Governador do Distrito Federal. Arguido: Município de Barueri/SP. Interessado: Município de São Paulo/SP. Brasília, 2009.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 189. Manifestação do Advogado-Geral da União. Plenário. Relator ministro Marco Aurélio. Arguente:
Governador do Distrito Federal. Arguido: Município de Barueri/SP. Interessado: Município de São Paulo/SP. Brasília, 2009.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 189. Manifestação do Procurador-Geral da República. Plenário. Relator ministro Marco Aurélio. Arguente: Governador do Distrito Federal. Arguido: Município de Barueri/SP. Interessado: Município de São Paulo/SP. Brasília, 2009.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 189. Manifestação do Município de São Paulo (amicus curiae). Plenário. Relator ministro Marco Aurélio. Arguente: Governador do Distrito Federal. Arguido: Município de Barueri/SP. Interessado: Município de São Paulo/SP. Brasília, 2009.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 189. Decisão monocrática do Relator. Plenário. Relator ministro Marco Aurélio. Arguente: Governador do Distrito Federal. Arguido: Município de Barueri/SP. Interessado: Município de São Paulo/SP. Brasília, 2009.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 189. Agravo Regimental do Arguente. Plenário. Relator ministro Marco Aurélio. Arguente: Governador do Distrito Federal. Arguido: Município de Barueri/SP. Interessado: Município de São Paulo/SP. Brasília, 2009.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 189. Impugnação do Arguido. Plenário. Relator ministro Marco Aurélio. Arguente: Governador do Distrito Federal. Arguido: Município de Barueri/SP. Interessado: Município de São Paulo/SP. Brasília, 2009.