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A desrazão tributária

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Agenda 21/04/2005 às 00:00

9. Conclusões.

a)- Se for certo que o "corte" inicial que demarca o objeto científico se dá no continuum heterogêneo da realidade circundante, para propiciar o descontinuum homogêneno de cada ciência em particular, nas lições de Paulo de Barros Carvalho assoalhado em Rickert, tal "corte" metodológico, ao nosso sentir, é um artifício que distingue para depois unir, i.e, não se trata de abandonar o conhecimento das partes pelo conhecimento das totalidades, mas, sim, de conjugar. Conjugar é diferente de sintetizar: na síntese se reduz; na conjugação, distingue-se para unir. Portanto, distingue-se a sociologia tributária, a filosofia tributária e a dogmática tributária, para então conjugá-las no que chamamos direito tributário positivo, ou seja, uma integração normativo-positiva de fatos segundo valores.

b)- No campo do gasto com a universidade pública gratuita, que sabidamente favorece aos mais ricos da população, o Ministério da Fazenda informou que o custo médio por aluno do curso superior é estimado em cerca de 170% do PIB (produto interno bruto) per capita. Já nos países da OCDE, o custo é estimado em 100% do PIB per capita, i.e, no Brasil, não obstante a pobreza que grassa aos borbotões, gasta-se mais que os países ricos com a educação gratuita dos mais ricos... redundância enfática que se impõe.

c)- As desigualdades sociais têm três fontes: a falta de oportunidades, como o acesso ao ensino superior; a demográfica, já que as mulheres pobres têm taxas bem superiores de natalidade; e o direcionamento equivocado do gasto público. É no redirecionamento dos programas sociais para os quais são destinados os recursos financeiros oriundos dos tributos que o governo pode atacar e corrigir com agilidade as desigualdades.

d)- A desigualdade social não é fruto de uma baixa carga tributária, a carga tributária do país está entre as mais altas do mundo (36% do PIB), há estimativas até piores para este ano. O próprio secretário da Política Econômica da Fazenda, Marcos Lisboa, reconhece que: "o que impede uma melhor distribuição de renda no país não é a arrecadação de impostos, mas sim o mau uso do dinheiro recolhido. - Arrecadação não é problema. Temos uma arrecadação no Brasil tão alta quanto a de países desenvolvidos. O problema são os gastos".

e)- A correta adequação do gasto público está diretamente relacionada com os direitos do homem, e hoje, como bem alerta Norberto Bobbio, o problema fundamental dos direitos do homem, "não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político". Sabidamente, o século XX foi o da técnica, o XXI será o da ética, ou não teremos o que festejar daqui a cem anos, já o disse o ex-Ministro da Educação, Cristovam Buarque.

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f)- Assim como foi a escravidão, a questão da pobreza no Brasil é primeiro, uma questão moral, depois uma questão técnica e política.

g)- Ademais de gastar mal o recurso financeiro oriundo do tributo, o Estado brasileiro ao longo dos anos burocratizou-se a ponto dele mesmo ser um grandioso obstáculo ao crescimento econômico do país. Enfim, paradoxalmente, mais Estado, mais pobreza e menos crescimento.

h)- O conceito de legitimidade do gasto público (tributo arrecadado!) adentra a questão dos valores jurídicos, é conceito que abrange não somente o aspecto puramente normativo (formal do ato), mas também o aspecto valorativo, objetivando a coerência do ato com as regras e princípios jurídicos a ele aplicáveis. Assim, determinado ato, ainda que realizado em consonância com as leis pode não ser legítimo, por afrontar princípios jurídicos, como a da moralidade administrativa (art. 37 da CF), economicidade (art. 70, CF) tornando-se ilegítimo e passível de impugnação por ocasião da fiscalização, e obrigatória sua devolução aos cofres públicos.

i)- O princípio da economicidade está diretamente vinculado ao princípio da eficiência. Não basta honestidade e boas intenções para validação dos atos administrativos. O princípio da economicidade previsto no art. 70 da CF impõe a adoção da solução mais conveniente e eficiente sobre o ponto de vista da gestão dos recursos públicos, porquanto toda atividade administrativa envolve uma relação sujeitável a enfoque de custo-benefício.

j)- O tributo é um direito da sociedade e não do Estado. Tributar é um dever do Estado, porém, o tributo é um direito da sociedade. Neste sentido, o tributo não é um direito do Estado, até porque o Estado nas mais das vezes é um delinqüente tributário. Esta distinção é importante na medida em que com ela podemos separar os interesses do Estado dos interesses da sociedade, cujo antagonismo se acentua com o passar dos dias.


NOTAS

  1. Cássia Almeida e Luciana Rodrigues. Brasil é o quarto país mais desigual do mundo – Os 10% mais pobres respondem por apenas 0, 5% da riqueza brasileira, enquanto os ricos ficam com 46,7% da renda. Rio de Janeiro: O Globo. Economia. 15/07/2004, p. 21.
  2. Ética e racionalidade moderna. (Coleção filosofia: 28) São Paulo: Loyola, 1993, p. 42-43
  3. Teoria da imposição tributária. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 1998, p. 180-181.
  4. Cf. nosso Direito Financeiro e Justiça Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris: 2004, p. 116-117.
  5. Cf. Miguel Reale. Lições preliminares de direito. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 65.
  6. Segredos de um Historiador. Rio de Janeiro: O GLOBO, Caderno Prosa & Verso. 20-09-03, p. 3.
  7. Os setes saberes necessários à educação do futuro. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. p. 38
  8. Apud. Heleno Tôrres, Direito Tributário e Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. op. cit. p. 7.
  9. Cf. nosso Direito Financeiro e Justiça Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2004. passim
  10. "Os sete saberes necessários à Educação do Futuro" 4ª ed. São Paulo. Cortez. 2001. p. 14.
  11. www.fazenda.gov.br.
  12. Cf. Miriam Leitão. Tudo é tão desigual. Rio de Janeiro. O Globo. Coluna Panorama Econômico. 14/11/2003, p. 26.
  13. Cf. artigo já citado.
  14. Cf. Miriam Leitão, op. cit. p. 26.
  15. Cf. Miriam Leitão, op. cit. p. 26.
  16. Cf. Adauri Antunes Barbosa. Para especialistas, política social precisa mudar. Rio de Janeiro. O Globo. 15/11/2003, p. 12.
  17. Apud. Adauri Antunes Barbosa, op. cit. p. 12.
  18. O caráter social do gasto público. Rio de Janeiro. O GLOBO. 27/11/2003, p. 7.
  19. "Ética e racionalidade moderna" São Paulo. Loyola. 1993. p. 42.
  20. "A Era dos Direitos" Rio de Janeiro. Campus. 1992. p. 24.
  21. "Os Instrangeiros" 2ª ed. Rio de Janeiro. 2002. p. 116.
  22. Expressão de Oliveira Vianna, apud, Roberto DaMatta, Conta de mentiroso – Sete ensaios de antropologia brasileira. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p. 138.
  23. Cf. Roberto DaMatta, op cit. p. 138.
  24. Cf. Jaílton de Carvalho. De 50 municípios investigados, 33 têm irregularidades. Rio de Janeiro. O Globo. 18/10/2003, p. 10.
  25. "Os Instrangeiros" op. cit. p. 65.
  26. "Esperança e Ação - Um depoimento pessoal" Paz e Terra. Rio de Janeiro. 2002. p. 268.
  27. Uma Teoria da Justiça. São Paulo. Martins Fontes. 1997.
  28. Cf. Gabriel Troianelli, Responsabilidade do Estado por dano tributário. São Paulo: Dialética, 2004.
  29. Eurípedes Alcântara e Chrystiane Silva. O Brasil entre os piores do mundo. São Paulo. VEJA. Edição 1.838, ano 37. nº 4, 28/01/2004, p. 72-79.
  30. Apud. Gustavo Villela, Oito décadas separam Brasil e Estados Unidos. Rio de Janeiro. O Globo. 25/01/2004, p. 35.
  31. Apud, Gustavo Villela, op. cit. p. 35.
  32. Apud, Leandro Beguoci, Prêmio para o bom senso. O economista Steven Levitt ganha medalha que para muitos vale mais que o Nobel. Seu talento? Pensar! São Paulo. VEJA. Economia e Negócios. Edição 1.837, ano 37. nº 3. 21/01/2004, p. 88.
  33. O Combate à corrupção nas prefeituras do Brasil. São Paulo: Ateliê, 2003, p. 24-30.
  34. "As quadrilhas que se formam para dilapidar o patrimônio público têm se especializado e vêm sofisticando seus estratagemas. O modo de proceder varia: apoderam-se de pequenas quantias de forma continuada ou então, quando o esquema de corrupção está consolidado, de quantias significativas sem nenhuma parcimônia". Antonio Marmo Trevisam e outros, op. cit. p. 19.
  35. José Maurício Conti, "Direito Financeiro na Constituição de 1988", 1ª ed. São Paulo. Oliveira Mendes. 1998. p. 4.
  36. Miguel Real, Licões Preliminares de Direito. 26ª ed. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 105.
  37. Miguel Reale, Lições preliminares de Direito. op. cit. p. 115.
  38. Marçal Justen Filho. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 9ª ed. São Paulo: Dialética. 2002, p. 70.
  39. Cf. Comentários à Lei de Licitações...op. cit. p. 70-71.
Sobre o autor
Roberto Wagner Lima Nogueira

mestre em Direito Tributário, professor do Departamento de Direito Público das Universidades Católica de Petrópolis (UCP) , procurador do Município de Areal (RJ), membro do Conselho Científico da Associação Paulista de Direito Tributário (APET) é autor dos livros "Fundamentos do Dever Tributário", Belo Horizonte, Del Rey, 2003, e "Direito Financeiro e Justiça Tributária", Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004; co-autor dos livros "ISS - LC 116/2003" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto e Ives Gandra da Silva Martins), Curitiba, Juruá, 2004; e "Planejamento Tributário" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto), São Paulo, Quartier Latim, 2004.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. A desrazão tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 652, 21 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6602. Acesso em: 22 nov. 2024.

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