LIMITES DE SINDICABILIDADE DA VALORAÇÃO DE CONCEITOS INDETERMINADOS - Publicidade na Lei de Pregão e o Conceito Jurídico indeterminado de Jornal de Grande Circulação
Resumo – A essência do trabalho é abordar a interpretação e aplicação do conceito jurídico indeterminado de Jornal de Grande Circulação adotado na Lei 10.520/02, expondo os rigores metodológicos necessários ao tratar do tema, apontando quais os mecanismos capazes de evidenciar, com a maior precisão possível, que a escolha foi correta.
Palavras-chave – Discricionariedade Administrativa. Valoração Administrativa. Conceitos Jurídicos Indeterminados. Legitimidade. Razoabilidade. Vinculação. Sindicabilidade. Limites. Controle Judicial. Controle Externo. Pregão. Jornal de Grande de Circulação. Publicação.
Sumário – Introdução. Publicidade na lei de pregão e o conceito jurídico indeterminado de jornal de grande circulação. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O artigo destina-se a analisar a concretização da valoração administrativa de conceitos indeterminados tendo como exemplo, especialmente, à acepção dada ao termo jornal de grande circulação na Lei de Pregão (Lei 10.520/02), em que pese a construção argumentativa e a técnica proposta possa ser aplicada a qualquer outro conceito indeterminado previsto no ordenamento jurídico.
O objetivo deste artigo é discutir os limites interpretativos para os conceitos indeterminados de forma a pautar a atuação do Estado e frear abusos interpretativos na aplicação do direito, exigindo da Administração Pública, dos gestores públicos e dos aplicadores do direito vinculação aos mandamentos constitucionais.
PUBLICIDADE NA LEI DE PREGÃO E O CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO DE JORNAL DE GRANDE CIRCULAÇÃO
O legislador, inspirado pelo princípio da publicidade e procurando dele extrair a regra aplicável à modalidade de licitação criada pela Lei n. 10.520/02, determinou, no art. 4º, I desta lei[1], que para pregões de vulto a publicidade também se desse em jornal de grande circulação, “nos termos do regulamento de que trata o art. 2º”.
Nota-se, todavia, que o citado dispositivo foi vetado, uma vez que uma lei federal não poderia contemplar os certames dos Estados, Municípios e DF. Nesse sentido, Marçal Justen Filho, afirma a correção do veto:
Há referência à regulamentação do tema por parte do decreto referido no art.2º, o qual nunca chegou a existir em virtude do veto presidencial. Antes assim, eis que a pretensão do Executivo Federal de regulamentar a publicidade dos atos estaduais, municipais e distritais incorreria em evidente infração ao princípio da Federação.[2]
Tendo em vista que a lei nacional de Pregão traça somente normas gerais sobre o tema, a doutrina, o judiciário e os Tribunais de Contas, de um modo geral, reforçam que caberia aos regulamentos de cada um dos entes da Federação prever os parâmetros e valores do que seria o vulto da licitação que demandaria uma publicação de maior amplitude.
A análise dos decretos regulamentadores municipais revela, contudo, que as regulamentações[3] ficam aquém do comando da legislação federal, vez que não estipulam o alcance territorial do veículo de publicação considerando o vulto do certame, o que apenas reforça a incerteza sobre a concretização do conceito jurídico “jornal de grande circulação”.
Tal opção normativa deficiente importa, ainda, em um tratamento indistinto às licitações de grande vulto e às de pequeno vulto, que são submetidas à publicação de mesma amplitude, o que viola o princípio da publicidade, levando os prejudicados a buscarem uma resposta dos órgãos de controle.
Impõe-se verdadeiro desafio nas hipóteses em que a escolha do periódico se situa fora de uma zona de certeza positiva, em que efetivamente foram atendidos os princípios da publicidade e razoabilidade, mas também fora de uma zona de certeza negativa, em que há inequívoca infringência aos princípios referidos.
Como solução ao problema, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, pretendendo tornar mais objetiva a análise quanto à observância do requisito legal, estipulou o critério da tiragem mínima diária de 20.000 (vinte mil exemplares)[4], passível de comprovação por quaisquer meios idôneos[5]. Tal entendimento, todavia, não aparenta ser o mais adequado, uma vez que constitui um número fixo e pré-determinado, cego às peculiaridades de cada ente da Federação, o que vai justamente de encontro ao que buscou o legislador ao empregar um conceito jurídico indeterminado.
Tendo por certo que a finalidade da publicidade dos atos administrativos norteia-se pelo dever de transparência e informação da Administração perante o cidadão e também pelo próprio interesse do cidadão pela notícia ou ato administrativo publicado, constata-se que a tiragem do jornal, a abrangência[6], a tradição do periódico na publicação de editais[7], e ainda outros pontos, conforme evidenciado nas pesquisas realizadas, devem ser analisados, pois servem de indicadores do fim buscado pelo legislador.
Nesse contexto, verifica-se que, apesar de muitos critérios se apresentarem como balizadores aptos a subsidiar a análise a ser realizada, nenhum deles, por si só, ou sequer a conjugação deles é capaz de definir o que se pode entender como jornal de grande circulação. Isso, pois a efetiva determinação sobre se a valoração administrativa do conceito indeterminado foi regular imprescinde dos fatos concretos apresentados ao intérprete e da subsunção deles às finalidades do dispositivo em que se insere o conceito à luz dos princípios constitucionais.
Deve-se observar, segundo essa perspectiva, que o objetivo a ser alcançado com a publicação dos atos relativos ao tema licitações e contratos é garantir o atendimento ao princípio constitucional da publicidade e possibilitar a ampla competitividade dos procedimentos licitatórios, o que, por conseguinte, incidirá sobre outros princípios, tais como os da economicidade, isonomia, da seleção da proposta mais vantajosa, dentre outros.
Assim, é possível perceber que, embora não seja possível determinar abstratamente se determinado periódico seria ou não de grande circulação, não há margem para interpretações contrárias à de que um jornal somente poderá ser tido como “de grande circulação” quando garantir à observância do princípio da publicidade e a ampliação da competitividade, mormente, quando tratar-se de contratações vultosas.
Tal constatação sobre o atendimento dos princípios constitucionais, por sua vez, deverá ser realizada a partir da quantidade de propostas apresentadas, do diferente perfil dos proponentes, da economicidade atingida e dos demais elementos concretos que subsidiaram a escolha interpretativa de que o veículo escolhido não geraria danos à Administração Pública e atenderia ao comando legal.
Nessas condições, se não afastada a zona de incerteza, cabe ao julgador ser deferente em relação à escolha do intérprete, desde que, repita-se, cumulativamente tenham sido atendidas as finalidades inerentes à publicação, quais sejam: ampliação da competitividade e da fiscalização pública; e não tenha havido qualquer prejuízo aos bens tutelados pela contratação administrativa, quais sejam a isonomia; vantajosidade; impessoalidade; moralidade; publicidade; eficiência; e probidade administrativa[8].
CONCLUSÃO
Diante da crescente velocidade em que se dão as mudanças e das grandes diferenças sociais verificadas no Brasil, recorrentemente, vale-se o legislador de mecanismos que lhe possibilitem conferir maior aplicabilidade e efetividade aos textos normativos. Nesse sentido, destaca-se o emprego de conceitos jurídicos indeterminados que permitem a uma legislação de âmbito nacional – ou federal que veicule normas gerais – a aplicação em todo o território de forma mais uniforme e consentânea com as particularidades locais.
Verifica-se que, embora o tema não seja de todo uma novidade, os administradores e julgadores encontram diversas dificuldades, mormente por ainda tentarem traçar parâmetros objetivos para caracterização de tais conceitos, a exemplo do que se evidenciou em relação ao Tribunal de Contas de São Paulo.
Percebe-se que embora parâmetros objetivos – no caso do conceito de jornal de grande circulação, a tiragem, abrangência, especialização do periódico, entre outros –, possam subsidiar a verificação de regularidade da escolha de concretização realizada, tal como em relação a qualquer outro conceito indeterminado, somente a análise das repercussões da escolha em cada contexto em que se insere, apreciadas à luz dos princípios constitucionais que servem de enquadramento normativo ao tema, serão capazes de determinar o atendimento ao que dispôs o dispositivo legal, por se tratar a interpretação legislativa, em última análise, de uma atividade interpretativa típica, que não pode ser separada da função judicativa.
REFERÊNCIAS.
BRASIL. Diário Oficial do Estado do Ceará. Disponível em: <http://imagens.seplag.ce.gov.br/ PDF/20111221/do20111221p04.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2018.
______. Lei n. 10.520, de 17 de julho de 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10520.htm>). Acesso em: 03 mar. 2018.
______. Tribunal de Contas do Estado da União. Processo nº 023.261/2006-7. Relator: Valmir Campelo. Disponível em: <https://contas.tcu.gov.br/juris/SvlHighLight ?key=41434f5244414f2d4c454741444f2d3935353932&sort=RELEVANCIA&ordem=DESC&bases=acordao-LEGADO;DECISAO-LEGADO;RELACAO-LEGADO;ACORDAO-RELA CAO-LEGADO;&highlight=&posiçãoDocumento=0&numDocumento=1&totalDocumentos =1>. Acesso em: 07 mar. 2017
______. Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. TC-000144/989/13-4. Relator: Dimas Eduardo Ramalho. Disponível em <http://www4.tce.sp.gov.br/sites/default/files/epe-m-06-der-004-tc-000144-989-13-4.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2018.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, São Paulo: Dialética, 2009.
JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão: Comentários à Legislação do Pregão Comum e Eletrônico. 6.ed. São Paulo: Dialética. 2010.
[1] BRASIL. Lei n. 10.520, de 17 de julho de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10520.htm>. Acesso em: 03 mar. 2017. Art. 4º - A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras: I - a convocação dos interessados será efetuada por meio de publicação de aviso em diário oficial do respectivo ente federado ou, não existindo, em jornal de circulação local, e facultativamente, por meios eletrônicos e conforme o vulto da licitação, em jornal de grande circulação, nos termos do regulamento de que trata o art. 2º; (BRASIL. Lei n. 10.520, de 17 de julho de 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10520.htm>). Acesso em: 03 mar. 2017.
[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão: Comentários à Legislação do Pregão Comum e Eletrônico. 6.ed. São Paulo: Dialética. 2010. p. 144.
[3] A título de exemplo cita-se o caso do Decreto Municipal n. 4.748/05 do Município de Angra dos Reis, que, em seu art. 11, I, dispõe: Art. 11. (...): I – a convocação dos interessados será efetuada por meio de publicação de aviso em órgão de publicação oficial do Município ou, não existindo, em jornal de circulação local, e facultativamente, por meios eletrônicos e conforme o vulto da licitação, em jornal de grande circulação na região; Outro exemplo ocorre com o Decreto Municipal n. 2.510/09, de Belford Roxo, que, no art. 11, I, do Anexo I, praticamente reprisou os termos do art. 4º, I, da Lei n. 10.520/02: Art. 11. (...): I – a convocação dos interessados será efetuada por meio de publicação de aviso em diário oficial do respectivo ente federado ou, não existindo, em jornal de grande circulação local, e facultativamente, por meios eletrônicos e conforme o vulto da licitação, em jornal de grande circulação; Em sentido semelhante, o art. 6º, I, do Decreto Municipal n. 50/2003 do Município de Valença: Art. 6º (...): I – a convocação dos interessados será efetuada por meio de publicação de aviso específico no Boletim Oficial do Município, e facultativamente, por meios eletrônicos e conforma o vulto da licitação, em jornal de grande circulação.
[4] “De fato, este Tribunal assentou que a tiragem mínima diária de “jornal de grande circulação” é 20.000 (vinte mil) exemplares, conforme Consulta examinada no TC-6736/026/00, e decisões exaradas nos processos TC- 34356/026/11 (Substituta de Conselheiro Cristiana de Castro Moraes, sessão de 7/12/11,) e TC 00001345.989.12-3 (Conselheiro Robson Marinho, sessão de 6/2/2013)”. (BRASIL. Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Processo TC-000144/989/13-4. Relator: Dimas Eduardo Ramalho. Disponível em <http://www4.tce.sp.gov.br/sites/default/files/epe-m-06-der-004-tc-000144-989-13-4.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2017).
[5] Nesse sentido: TC-034356-026-11, sessão de 07/12/11, Conselheira Cristiana de Castro Moraes, Relatora; TC-001117-989-12-9, sessão de 07/11/12, Conselheiro Edgard Camargo Rodrigues, Relator; [entre outros].
[6] BRASIL. Tribunal de Contas do Estado da União. Processo n. 023.261/2006-7. Relator: Valmir Campelo. Disponível em: <https://contas.tcu.gov.br/juris/SvlHighLight ?key=41434f5244414f2d4c454741444f2d3935353932&sort=RELEVANCIA&ordem=DESC&bases=acordao-LEGADO;DECISAO-LEGADO;RELACAO-LEGADO;ACORDAO-RELACAO-LEGADO;&highlight=&posi çãoDocumento=0&numDocumento=1&totalDocumentos =1>. Acesso em: 07 mar. 2017.
[7] [...] “jornal de grande circulação”, para efeito de divulgação de editais de licitação, é aquele que tem presença diária na internet, considerando também a questão da tradição em publicação destes editais. Vencido o senhor Conselheiro Pedro Ângelo Sales Figueiredo, que votou no sentido de responder ao consulente que jornal de “grande circulação” é aquele que, além de possuir grande tiragem diária, tem ainda abrangência em vários pontos do Estado. (BRASIL. Diário Oficial do Estado do Ceará de 21 de Dezembro de 2011. p. 237. Disponível em: <http://imagens.seplag.ce.gov.br/ PDF/20111221/do20111221p04.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2017.)
[8] “A validade da licitação depende da ampla divulgação de sua existência, efetivada com antecedência que assegure a participação dos eventuais interessados. O defeito na divulgação do instrumento convocatório constitui indevida restrição à participação dos interessados e vicia de nulidade o procedimento licitatório” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, São Paulo: Dialética, 2009. p. 242).