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Acréscimos e descontos nas multas da lei anticorrupção

Agenda 06/06/2018 às 09:42

A Lei Anticorrupção implantou um sistema de acréscimos e descontos no valor das multas administrativas e os programas de integridade foram consagrados no cálculo.

RESUMO: A Lei Anticorrupção implantou um sistema de acréscimos e descontos no valor das multas administrativas, e os programas de integridade foram consagrados. As vultuosas multas passÍveis de serem aplicadas podem levar as empresas infratoras a uma derrocada, quiça à falência.


INTRODUÇÃO

A Lei anticorrupção, lei 12.846/13, foi editada com o intuito de combater a ocorrência de atos de corrupção que assolam o paÍs há anos e que ganharam enorme repercussão com a operação Lava-Jato.

Regulamentada pelo Decreto nº 8.420/2015, trata da responsabilidade administrativa e civil de pessoas jurídicas em decorrência da prática de atos contra a Administração Pública, com a imposição de altíssimas multas no caso de condenação em Processo Administrativo especÍfico.


MULTAS ADMINISTRATIVAS

A aplicação de sanções administrativas, principal destaque da norma por sua agressividade, baseia-se em um sistema de débitos e créditos, onde fatores agravantes implicam multas calculadas com base no faturamento bruto da empresa enquanto fatores atenuantes representam descontos sobre a multa.

As multas serão de 0,1% a 20% do faturamento bruto da empresa ou, quando não for possível calcular o faturamento, o valor sera entre os valores de R$6 mil até R$ 60 milhões.

O cálculo da multa se inicia com a soma dos valores correspondentes aos seguintes percentuais do faturamento bruto da pessoa jurídica, aplicado sobre o último exercício anterior à instauração do PAR:

1) Continuidade dos atos lesivos no tempo.

No caso dessa agravante, os percentuais acrescentados serão entre 1% e 2,5%. Caso fique constatado que a empresa praticava de forma contumaz os delitos, certamente terá um maior percentual de penalização. Já no caso de se constatar que tratou-se de caso isolado, de situação anormal destoante da cultura da empresa, esse percentual deverá ser aplicado em seu percentual mínimo.

2) Tolerância ou ciência de pessoas do corpo diretivo ou gerencial da pessoa juridica.

Essa agravante novamente terá uma punição de 1% a 2,5% de acréscimo de acordo com as circunstâncias apuradas.

O princípio do Tone at The Top, um dos cinco pilares de um programa eficiente de integridade, destaca a importância do envolvimento da alta direção das empresas em seus programas de integridade. De forma coerente, a legislação que determinou essa participação positiva da alta direção, prevê uma punição percentual maior no caso de envolvimento negativo desses que deveriam dar o exemplo. Esse percentual será maior, quanto maior o grau de gerência ou comando envolvido. 

3) Interrupção no fornecimento de serviço público ou na execução de obra contratada.

O percentual definido nesse inciso é de maior amplitude, sendo de 1% a 4%. Essa previsão revela a preocupação quanto a um duplo prejuízo da conduta, que seria um primeiro ao erário, pelo ilícito original, e um segundo prejuízo, ainda mais grave, que afetaria diretamente os cidadãos, seja pela falha no serviço imediato, diário, necessário, seja no caso do atraso de uma obra, onde o prejuízo seria sentido a médio ou longo prazo, mas novamente afetaria diretamente os cidadãos, maiores protegidos pela nossa Constituição Federal, por quem o Estado tem o dever primário de zelar e cuidar.

Dessa forma, quanto maior o prejuízo direto à população, maior sera o percentual da multa.

4) Situação econômica do infrator com base na apresentação de índice de Solvência Geral – SG e de liquidez geral – LG (1 a 1%)

5) Ocorrência de nova infração, idêntica ou não a anterior em menos de cinco anos.

Nesse caso, o percentual não dá margem para valoração subjetiva, sendo no percentual de 5% o acréscimo.

O inciso destaca a reincidência, já tradicional em nosso ordenamento nas normas de caráter punitivo, que é aplicado de forma objetiva na esfera administrativa pelos ilícitos da lei anticorrupção. Sua principal função é inibir que as pessoas jurídicas punidas voltem a delinquir.

6) Valor dos contratos mantidos ou pretendidos com o órgão ou entidade lesado.

A variação percentual de 1 a 5% do faturamento bruto também é definida de forma objetiva, a partir da analise, na data da pratica do ato lesivo, do valor do contrato envolvido. Em termos objetivos, o percentual 1% sera para contratos acima de 1.5 milhoes de reais, e progressivamente ate o percentual de 5% para contratos acima de 1 bilhão de reais. 

Destaca-se que o percentual máximo de aplicação será de 20% do faturamento bruto da empresa no ano anterior ao fato.

Passada a primeira fase de analises com a aplicação do percentual correspondente aos fatores agravantes, passa-se a mensurar os descontos percentuais pelas condutas consagradas pela norma.

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Dessa forma, do resultado da soma dos fatores acima, serão subtraidos os seguintes valores:

1) Não consumação da infração

A não consumação, constatada de forma objetiva reduz o percentual em 1%.

Assim como nos casos das tentativas previstas no Código Penal, a não consumação por fatores externos à vontade da parte determinam a redução, consagrada por não ter alcançado o dano efetivo ao bem protegido.

2) Comprovação do ressarcimento dos danos causados

Essa conduta garante ao acusado uma redução de 1,5% no valor apurado. A intenção do artigo claramente é o ressarcimento espontâneo do dano por parte do infrator. Não teria lógica a concessão do benefício, considerando que o ressarcimento decorreu de processo coercitivo do Estado, dispendendo esforços e custas para tal. Dessa forma, a antecipação e a boa vontade da empresa acusada em reparar o dano deverá ser considerado para a concessão.

3) Colaboração com a investigação ou a apuração do ato lesivo, independentemente do acordo de leniência

Nesse caso, o legislador passou ao julgador a responsabilidade para determinar o quantum a ser abatido dentro entre 1% e 1,5% do valor apurado.

A colaboração, assim como no acordo de leniência, deve ser efetiva e às expensas da acusada. Na medida da efetividade das informações e documentos oferecidos, bem como do momento de sua intervenção, sera determinado se fara jus ao percentual máximo.

4) Comunicação espontânea antes da instauração do PAR

Percentual a ser descontado no caso de enquadramento sera de 2%.

É essencial a manifestação oportuna da empresa acusada, antes de iniciado o processo, evitando assim os desgastes de uma investigação e um processo.

5) Comprovação de a pessoa jurídica possuir e aplicar um programa de integridade

Na sessão de descontos, esse quinto quesito é o que dá maior margem para interpretação da autoridade processante, estabelecendo percentuais entre 1% a 4%.

O aspecto mais importante e com maior repercussão no desconto da multa a ser aplicada trata dos programas de integridade que devem atender aos 16 requisitos previstos em lei para um programa eficiente. Dessa forma, a jurisprudência recente começa a tomar forma no sentido de que não basta apenas que a empresa tenha um programa completo de integridade, mas sim que esse programa funcione de forma eficaz.

Tendo como base as orientação do CGU, um programa de compliance eficaz que se estrutura em 5 pilares, quais sejam, o comprometimento e apoio da alta direção; uma instância responsável; a análise de perfil de riscos; regras e instrumentos; o monitoramento contínuo.

De forma mais detalhada, O COMPROMETIMENTO E APOIO DA ALTA DIREÇÃO é chamado de “tone at the top”, essencial para a efetividade de um programa de integridade pois o exemplo sempre deve partir da alta direção. Tendo esse padrão de conduta, alem do estimulo para os demais fazerem o mesmo, pode-se cobrar e punir os que não se enquadrarem.

Já o pilar inerente à INSTANCIA RESPONSAVEL destaca a importância da autonomia e independência do órgão, setor ou profissional responsável, que alem de atuação efetiva deve ter acesso direto a alta direção.

A ANÁLISE DE PERFIL DE RISCOS envolve principalmente os riscos inerentes às atividades desenvolvidas, devidamente mapeadas, bem como dos colaboradores e terceiros parceiros, para que as atividades estejam sempre monitoradas, evitando-se os riscos de condutas ilícitas ou mesmo antiéticas.

No pilar REGRAS E INSTRUMENTOS destaca-se a necessidade de a empresa prezar por códigos de ética e de condutas devidamente atualizados e adequados à sua visão e à seus valores, definindo politicas e procedimentos de prevenção de irregularidades principalmente.

Finalizando, quanto ao MONITORAMENTO CONTÍNUO, a intenção do legislador é que a empresa esteja sempre monitorando suas ações e principalmente suas fragilidades, interagindo com as demais áreas para que os procedimentos sejam aprimorados nos códigos e nos treinamentos.

Dessa forma, apurados todos os fatores que amenizam o valor da multa aplicada, a somatória dos mesmos pode chegar ao percentual de 10%, que sera subtraído do valor apurado inicialmente para chegar ao valor da multa devido.

Importante destacar que o valor nunca sera inferior a vantagem auferida pelo acusado, estabelecendo a lei um piso que sera 0,1% do faturamento bruto exceto no caso de a vantagem auferida ser de maior valor, caso que esse sera o valor da multa.

A imposição da multa na esfera do processo administrativo não impede a reparação do dano que deverá ser processada no juízo cível.

Sobre o autor
Leonardo Henrique de Carvalho Ventura

Advogado. Especialista em Direito Ambiental e em Gestão Ambiental Municipal. Especialização em Direito Corporativo e Compliance. Extensão em Compliance na Lei Anticorrupção.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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