O Superior Tribunal de Justiça entende, como se pode ver nas decisões no RMS 6.096-RN, REsp 119.986-SP, REsp 119.156-SP e REsp 75.075-RJ, que a reclamação tributária administrativa deve ser julgada definitivamente, sem ocorrência de suspensão do processo, porque o prosseguimento até julgamento definitivo não importaria prejuízo ao contribuinte.
No entanto, tutela antecipada em ação judicial movida pelo contribuinte, ou medida cautelar, pode determinar que o processo administrativo na esfera federal seja suspenso no momento da intimação da decisão de primeira instância. A razão é que, no processo administrativo na esfera federal, é necessário o arrolamento de bens para interpor recurso voluntário, e esse arrolamento constitui um gravame ao sujeito passivo.
Arrolamento de bens
Diz o art. 33, § 2º, do Decreto 70.235/72, acrescido pela Lei 10.522/02, que é necessário o arrolamento de bens para que o recurso administrativo seja apreciado:
"§ 2º Em qualquer caso, o recurso voluntário somente terá seguimento se o recorrente arrolar bens e direitos de valor equivalente a 30% (trinta por cento) da exigência fiscal definida na decisão, limitado o arrolamento, sem prejuízo do seguimento do recurso, ao total do ativo permanente se pessoa jurídica ou ao patrimônio se pessoa física."
No arrolamento, o contribuinte declara a existência de bens.
Diz o caput do art. 3º da Instrução Normativa SRF nº 264, de 20 de dezembro de 2002:
"Art. 3º O arrolamento de bens e direitos para seguimento de recurso voluntário será efetuado por iniciativa do recorrente, conforme modelo constante do Anexo I, aplicando-se as disposições dos §§ 2o, 3°, 5° e 8° do art. 64 da Lei n° 9.532, de 10 de dezembro de 1997."
Esse dispositivo faz referência ao § 3º do art. 64 da Lei n° 9.532, de 10 de dezembro de 1997, que tem a seguinte redação:
"§ 3º A partir da data da notificação do ato de arrolamento, mediante entrega de cópia do respectivo termo, o proprietário dos bens e direitos arrolados, ao transferi-los, aliená-los ou onerá-los, deve comunicar o fato à unidade do órgão fazendário que jurisdiciona o domicílio tributário do sujeito passivo."
Assim também afirma o art. 5º da Instrução Normativa SRF nº 264, de 20 de dezembro de 2002:
"Art. 5º O sujeito passivo fica obrigado a comunicar, no prazo de cinco dias, à unidade da Secretaria da Receita Federal (SRF) a que se refere o caput do art. 4º, a alienação ou a transferência de qualquer dos bens ou direitos arrolados."
A informação sobre as transferências pode ser utilizada pelo Poder Público para propor medida cautelar fiscal.
Além disso, o caput do art. 4º da Instrução Normativa SRF nº 264, de 20 de dezembro de 2002, impõe restrições à venda, porque faz público o arrolamento, inclusive em relação a eventual comprador do bem. Diz esse dispositivo:
"Art. 4º A Delegacia da Receita Federal (DRF), a Delegacia da Receita Federal de Administração Tributária (Derat), a Delegacia Especial de Instituições Financeiras (Deinf), a Inspetoria da Receita Federal ou a Alfândega (ALF) do domicílio tributário do sujeito passivo deverá encaminhar, para fins de averbação, a Relação de Bens e Direitos para Arrolamento (Anexo I), anexa ao Ofício constante do Anexo II, conforme a seguinte especificação:
I - imóveis, ao Cartório do Registro Imobiliário;
II - veículos automotores, ao órgão de trânsito dos Estados e do Distrito Federal;
III - embarcações, à Capitania dos Portos;
IV - aeronaves, ao Departamento de Aviação Civil (DAC);
V - ações, à pessoa jurídica emissora;
VI - quotas ou títulos patrimoniais de Bolsas de Valores, de Bolsas de Mercadorias, de Bolsas de Mercadorias e Futuros, de Entidades de Liquidação e Custódia ou de assemelhadas, à respectiva entidade;
VII - quotas, à Junta Comercial do registro do contrato social da pessoa jurídica ou ao Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas."
Como se pode ver, o sujeito passivo tem restringida a sua privacidade em relação à alienação dos bens arrolados.
Medida cautelar fiscal
O art. 2º da Lei 8.397/92 lista as hipóteses em que pode ser requerida a medida cautelar fiscal. Tendo havido arrolamento de bens e sendo deferida a medida cautelar fiscal, haverá indisponibilidade de bens do sujeito passivo, a teor do caput do art. 4º dessa Lei:
"Art. 4º A decretação da medida cautelar fiscal produzirá, de imediato, a indisponibilidade dos bens do requerido, até o limite da satisfação da obrigação."
Como afirmado anteriormente, a transferência do bem arrolado deve ser comunicada ao Poder Público. Dessa forma, a transferência pode servir como indício de dilapidação do patrimônio, o que poderia dar ensejo à propositura de medida cautelar fiscal. Essa é outra razão pela qual estaria o sujeito passivo lesado em seu direito à privacidade.
Direito à privacidade
O arrolamento de bens limita a privacidade do contribuinte. Se a exigência fiscal for arbitrária, também o arrolamento será arbitrário. Teria aí o Poder Judiciário a possibilidade de suspender, por meio de cautelar ou de tutela antecipada, o processo administrativo até que seja julgada a ação impetrada pelo sujeito passivo.
O art. 5º, X, da Constituição Federal protege a privacidade:
"X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;"
Não se quer dizer que o direito à privacidade sempre predomine em relação à obrigação de efetuar o arrolamento, e que a exigência deste resultaria inviável. Trata-se aqui de hipótese específica em que há grande probabilidade de ser ilegal a exigência tributária de que trata o processo administrativo. Nesse caso, o Judiciário poderá suspender o processo administrativo, e o direito à privacidade predominará sobre a obrigação de arrolamento.
Conclusão
Pelas diversas razões expostas neste artigo, o Poder Judiciário pode suspender o processo administrativo, mediante concessão de cautelar ou de tutela antecipada, até que seja julgada ação proposta pelo sujeito passivo. Por decorrência, estará suspenso também o arrolamento de bens previsto no art. 33, § 2º, do Decreto 70.235/72.