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Objetividade nas contratações de artistas pela administração pública

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Agenda 26/06/2018 às 10:04

2- Solução: Critérios Objetivos na Contratação Artística.

Vejamos o que pensa o ilustre Mestre Marçal Justen Filho:

(...) Há casos em que a necessidade estatal relaciona-se com o desempenho artístico propriamente dito. Não se tratará de selecionar o melhor para atribuir-lhe um destaque, mas de obter os préstimos de um artista para atender certa necessidade pública. Nesses casos, torna-se inviável a seleção através de licitação, eis que não haverá critério objetivo de julgamento. Será impossível identificar um ângulo único e determinado para diferenciar as diferentes performances artísticas.”( In Comentários à Lei de Licitação e Contratos Administrativo, 10ªed., Dialética, 2005). (Grifamos)

Se o caso que dá liberdade de infringir a economicidade e o direcionamento nas contratações é a falta de critérios objetivos para avaliar a melhor proposta para a Administração, segue sugestões razoáveis e críveis para pacificar o assunto.

Primeiro Critério: A utilização de mão de obra local.

Esse critério é um dos pontos objetivos mais interessantes que podem ser utilizados na contratação. Já utilizado pela Administração, inclusive em outras matérias como na gestão ambiental (Lei 11.284/2006, Art. 2o, IV). Esse preceito pretende dar sustentabilidade aos artistas locais que muitas vezes são excluídos dos eventos regionais. Se há um chamamento público, por exemplo, para um evento numa cidade, os artistas locais devem ter pontos extras para serem valorizados pela comunidade na qual pertencem.

Segundo Critério: O projeto deve contemplar o maior número de linguagens artísticas para alcançar maior mérito Cultural.

Esse critério propõe aferir a criatividade do artista em seus projetos.

Por exemplo: Um projeto apresentado para contratação utilizará a linguagem de dança para levar cultura a uma região. Um outro projeto pontuará mais se além da dança, utilizar a linguagem cênica concomitantemente para prestar o mesmo serviço público. Um terceiro projeto vencerá os dois primeiros no mérito cultural se contemplar dança, teatro e artes visuais. Essa interdisciplinaridade aumenta o valor cultural criativo do projeto contratado. Quantos mais elementos artísticos, criativos e inclusivos o projeto abarcar, mais pontuação terá e assim a sociedade terá maior retorno artístico, por ter um bem cultural mais amplo. O projeto pode pontuar mais, inclusive com a participação de PNEE’s (portadores de necessidades especiais) e menores infratores na execução do projeto

Esse argumento deve levar em consideração também, na concorrência entre os artistas, a inovação do projeto.

O § 1o do artigo 25 da Lei 8.666∕93 disciplina que:

"Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato."

Os profissionais mais diversificados, diferenciados e inovadores tem um ponto a mais nesse quesito, sendo recomendável sua contratação.

O fomento público deve dar alguma consideração ao artista amador, iniciante, porque esse não tem público formado ainda. Os artistas consagrados têm outras linhas de fomento, inclusive privados. Além disso, possuem extenso currículo, pois já vivem do Estado há muitos anos, tendo seus projetos aprovados em vários entes ao mesmo tempo. A análise do currículo do artista deve ter um peso, mas se nos retermos a analisar tão somente a esse ponto, uma casta terá se formado dos mesmos artistas que sempre serão contratados reiteradas vezes. Isso inviabiliza a diversidade cultural, não sendo interessante para a cultura da sociedade. Para tanto, um "rodízio" de contratação se faz necessário. Seu funcionamento é simples e eficaz. O artista contratado pela Administração vai para o “final da fila” nas novas contratações. O CPF de cada componente deve ser cadastrado, para evitar que um mesmo artista de um grupo seja contratado por outro grupo, dando assim igualdade de direitos a todos os artistas.

Esse critério nivela todos os proponentes. A partir do momento em que todos têm mérito cultural para serem contratados, pode-se passar para o último critério. O preço.

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Terceiro Critério: A avaliação final da licitação é o preço da contratação.

Numa contratação convencional, o preço mais vantajoso é levado em conta pelo serviço mais satisfatório a ser pago pela Administração. Na ideia da concorrência na contratação dos artistas, o preço seria o último argumento a ser avaliado. Num cenário em que todos os concorrentes tem mérito cultural suficiente para serem contratados, o melhor preço tem preferência na contratação.

Muitos poderiam alegar que o preço mais econômico comprometeria a qualidade do serviço. Contudo, o segundo critério cuida da qualidade do prestador de serviço, deixando por último o preço da contratação.

Saliente-se que, com relação ao segundo critério, Marçal Justen Filho, declara: “O problema está na impossibilidade de julgamento objetivo nessa área. A grande evidência reside em que, sendo obrigatória a licitação, o critério decisivo de seleção acaba sendo a “criatividade”, a qual envolve avaliação meramente subjetiva. No final das contas, o critério de seleção continua a ser a subjetividade e a preferência da Administração Pública. Como já afirmado, melhor seria promover a contratação direta, obrigando a Administração a justificar suas escolhas. Muito pior é a atual situação, em que a escolha (subjetiva, em última análise) é exteriorizada como produto de um julgamento objetivo.” (2012, p.425).[5]

Não se sabe como alguém tão prestigiado como o Professor Marçal Justen Filho pode considerar um julgamento objetivo pior do que um subjetivo dando margem a uma infinidade de distorções na contratação, irregularidades e até crimes. Não se entende, ao mesmo tempo, a visão limitada dos juristas e pouca criatividade em se elaborar critérios objetivos para aferir a própria criatividade dos artistas. Ora, o presente artigo o fez de maneira simples em três pontos claros de fácil aplicação pela Administração. Isso sem falar que já existem mecanismos de concorrência estabelecidos por lei e com editais, como é o caso do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal (lei Complementar 267/99).

Há uma ânsia do mercado cultural e dos gestores em sempre contratar artistas consagrados com o argumento de que esse artista convoca um público maior ao evento e como não se pode medir objetivamente a qualidade de um artista em detrimento de outro, se contrata o artista pelo preço que o seu empresário requerer.

Ainda para esse caso, se pode primar pela economicidade na versação do dinheiro público.

O instrumento da Carta Convite está em desuso na licitação pública atualmente, porém é uma ferramenta muito útil para a contratação de artistas consagrados. Suponhamos que haja um evento em que a culminância seja pertinente a participação de um artista consagrado nacionalmente.

A primeira preocupação é analisar o escopo do evento. A título de exemplo, usemos o dia da consciência negra comemorada no dia 20 de novembro, data que relembra a pretensa morte da personalidade de Zumbi dos Palmares. A data tem o objetivo de comemorar as manifestações da raça afrodescendente. Se o objetivo é esse, nada mais coerente do que convidar artistas que representem tal raça que tanto contribuiu para a cultura nacional. A licitação se daria no convite de três artistas afrodescendentes com respaldo da crítica especializada ou da opinião pública (Art. 25, III, lei 8666/93). Como os três artistas se nivelam pelo mérito cultural o que faria a diferença para a contratação, seria o preço mais vantajoso para a Administração.

O presente Artigo tem a função análoga de uma ação popular com o escopo de invalidar o ato administrativo defeituoso, no caso o ato da inexigibilidade. Segundo Hely Lopes ação popular é:

"instrumento de defesa da coletividade, por meio do qual não se amparam direitos individuais próprios, mas sim interesses da coletividade, sendo o beneficiário da ação não o autor, mas a coletividade, o povo"

Uma das intenções do trabalho é bem descrito pela Professora Odete Medauar em sua obra Direito Administrativo Moderno (fl. 446):

(...) "E relaciona-se em profundidade com o tema da corrupção. Certo é que, mais efetivos se mostrassem os mecanismos de controle sobre a Administração, menor seria o índice de corrupção.

Inquestionável, portanto, se apresenta a necessidade de controles inseridos no processo de poder, os controles institucionalizados. Não é demais lembrar a afirmação de Montesquieu: ‘É necessário que, pela natureza das coisas, o poder detenha o poder’. Os controles institucionalizados enquadram-se no conceito jurídico ou técnico de controle, segundo o qual dessa atuação decorre um providência ou medida do agente controlador. Mas a avaliação dos diversos controles institucionalizados do Brasil revela insuficiência e inefetividades. Daí ser necessário o aprimoramento das técnicas e atividades fiscalizadoras e também avaliadoras, do que decorrerá, certamente, melhor desempenho da Administração. É a chamada ‘vocação preventiva’ de todo sistema de controle eficaz, pois deve suscitar na própria Administração uma deontologia que previne o arbítrio e se integra na sua atuação normal."(...)

A Professora Maria Sylvia DI PIETRO (1997, p. 479) pensa na mesma linha:

(...) 159 “A finalidade do controle é a de assegurar que a Administração atue em consonância com os princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico, como os da legalidade, moralidade, finalidade, publicidade, motivação, impessoalidade; em determinadas circunstâncias, abrange também o controle chamado de mérito e que diz respeito aos aspectos discricionários da atuação administrativa"(...)

Aqui a Professora fala dos dois grandes problemas da inexigibilidade: A impessoalidade, que não existe, e a discricionariedade, que dá liberdade ao gestor incompetente, pois em regra não possui capacidade para escolher, pela Administração, qual artista é mais adequado para prestar um serviço público, comprometendo assim a economicidade da contratação.

Acerca da justificativa da concorrência nos casos de contratação artísticas, pode-se fazer uma analogia à vedação à preferência de marca. Nesse sentido, vide o acórdão nº 740/04. Plenário/TCU (DOU, 25 jul. 2004). Tal vedação serve para que não fique caracterizada exclusivamente a marca, e sim o tipo de produto (análogo à contratação de serviços). Se existirem diversas marcas (análogo a artistas) de um mesmo tipo de produto, obviamente, pode-se proceder à competição.


Conclusão

Eventos artísticos têm uma função política no Brasil. Quanto mais público, mais o gestor público dá visibilidade a sua gestão.

Essa prática caduca faz perdurar a ideia do adágio “pão e circo”, algo que já deveria ter sido extinto da sociedade.

Nesse ímpeto político, vemos impessoalidade, razoabilidade e economicidade entre outros princípios constitucionais serem feridos há décadas.

Lesada, a sociedade segue investindo mal seu precioso patrimônio por uma falta de visão dos juristas, representantes do Estado, entre outros entes competentes que deveriam ser mais criativos na elaboração de critérios objetivos para a aplicação de dinheiro público.

Em última análise, sem tais critérios objetivos, vemos ser ferido também o princípio básico da licitação que é ter competição para obter a proposta mais vantajosa para a Administração.


Referências

1- Acórdão nº 146/2007 – 1ª Câmara-TCU;

2- Jacoby, J.U.F. Revista O Pregoeiro, Ed. Negócios Públicos. Mensal. Julho 2010, pp.13;

3- Jacoby, J.U.F. Fernandes. Revista O Pregoeiro, Ed. Negócios Públicos. Mensal. Julho 2010, pp.14;

4- Justen, M.F. Contratação Direta sem Licitação, Ed. Fórum, 6ª ed, pp. 726;

5- Justen, M.F. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo. 12ª edição, Ed. Dialética, 2008. pp.435;

6- Justen, M.F. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo. 14ª edição, Ed. Dialética, 2010. pp. 379-380;

7- O artigo 25, parágrafo III, da lei 8666/93;

8- Justen, M.F. Comentários à Lei de Licitação e Contratos Administrativos, 10ª ed., Dialética, 2005;

9- Justen, M. F. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Dialética, 2012, pp 425;

10- § 1o do artigo 25 da Lei 8.666∕93;

11- Medauar. O. Direito Administrativo Moderno. 16ª Ed. R.T., 2012, pp. 446;

12- DI PIETRO, M. S. Z. Direito Administrativo. 20 ed. 2. Reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. pp. 670.


Notas

[2] A profissão do artista profissional, em geral, está prevista pela Lei 6.533, de 24 de maio de 1978, e regulamentada pelo Decreto 82.385, de 5 de outubro do mesmo ano.

[3] FERNANDES, Jorge Ulysses Jacoby. Contratação Direta sem Licitação. 6. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2007.

[4] - O artigo 25, parágrafo III, da lei 8666/93;

[5] JUSTEN FILHO, Marçal, Pedro. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Dialética, 2012, pp 425.

Sobre o autor
Fabiano Pereira

Escritor, Professor, Artista Plástico, Gestor de Políticas Públicas e estudante do Direito.

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