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A quantificação do dano moral à luz da sua função social

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Conclusão

Por todo o exposto, não há dúvidas sobre a existência e possibilidade da reparação do dano moral, mas ainda é adversa a questão em torno da sua quantificação, já que se refere a uma lesão a direitos personalíssimos, não quantificáveis concretamente, razão pela qual a indenização a título de dano moral não tem a finalidade de restituir a situação anterior ao dano, mas apenas compensar a dor sofrida pela vítima, constituindo sim, um lenitivo para as angústias infringidas.

A doutrina tem buscado estabelecer métodos com a finalidade de se chegar a uma indenização justa, assim orientando o magistrado na quantificação do dano moral. Dentre esses métodos, destacam-se o tabelamento, através do qual já há uma prefixação de valores em razão do tipo e gravidade do dano; os critérios matemáticos com suas fórmulas exatas para resultar numa indenização objetiva; e o arbitramento judicial, pelo qual se confia ao juiz, com a análise de cada caso concreto, a quantificação do dano moral.

O que se constata é que os órgãos julgadores se esforçam em demarcar sua atuação com a prudência, o bom senso e a razoabilidade, em busca de segurança jurídica, sem deixar de atentar para as peculiaridades inerentes às demandas que lhe são apresentadas, sob pena de engessar um instituto que é, por si só, subjetivo.

 A liberdade concedida aos juízes, porém, muitas vezes resulta em enormes discrepâncias de valores, fazendo valer a máxima “cada juiz, uma sentença”. O magistrado, com a autorização legal para julgar conforme suas próprias convicções, ainda que motivada, ao trabalhar em torno de conceitos indeterminados e cláusulas gerais, resulta por diversas vezes em contribuir com a imprevisibilidade do resultado do arbitramento da indenização por dano moral, o que afeta a segurança jurídica, princípio orientador de todo o ordenamento jurídico, mormente com o advento do novo Código de Processo Civil, que privilegia sobremaneira o sistema de precedentes judiciais.  

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, busca estabelecer a função social do dano moral na medida em que reaprecia os julgados que contrariam dispositivos legais, ora servindo como meios de enriquecimento indevido da vítima (o que, como visto, não deve ser utilizado como óbice a uma indenização justa aos mais humildes) ora não cumprindo a função sancionadora da indenização.

A partir do presente estudo se pôde concluir que não obstante o incessante esforço no sentido de encontrar na indenização pelo dano moral uma quantificação que represente um meio de lhe atribuir uma função social, e não meramente simbólica, é inegável que a busca da paz coletiva ultrapassa a ideia de imposição de uma pena civil.

Outrossim, no que tange ao aspecto compensatório da indenização, não se pode olvidar que a infinidade de situações possíveis na sociedade nos traz casos em que a reparação econômica pouco significaria para o ofendido, seja em razão de sua condição econômica, seja em decorrência da gravidade extrema da violação de sua esfera individual.

O Direito deve permanentemente dar respostas satisfatórias, adequadas, eficientes e justas aos novos problemas e desafios que a sociedade, no seu permanente evoluir, constantemente apresenta. Em razão do crescimento da população urbana e do aumento vertiginoso das atividades econômicas, constantemente o homem, com seu agir, cria riscos para a natureza e para o seu semelhante. Vive-se sob o signo da insegurança, numa verdadeira “sociedade de risco”, como balizada pela sociologia francesa. Se o Direito, muitas vezes, sente-se incapaz para evitar e neutralizar os riscos, se os danos são inevitáveis, frutos inseparáveis da convivência social e do desenvolvimento tecnológico, ao menos o Direito deve buscar formas de fornecer segurança jurídica no sentido de que todo o dano injusto (entendendo-se por dano injusto todo aquele para o qual a vítima não deu causa) deve ser, na maior medida possível, reparado.[19]

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De fato, a função social vem agregar a situações do direito privado um caráter publicista, pois não se pode conceber o homem como um ser isolado, a vida em comum lhe é essencial.

Rudolf Ihering, nesse sentido, questiona a função meramente compensadora que é comumente atribuída à reparação do dano moral:

(...) será que a mesma coisa não se aplica ao devedor que maliciosamente contesta a existência do mútuo, ou ao vendedor ou ao locador que descumpre o contrato, ao mandatário que abusa da confiança que nele depositei para locupretar-se à minha custa? O sentimento de justiça ficará satisfeito se, depois de uma luta prolongada, nada obtenho dessas pessoas senão aquilo que desde o início já me pertencia? Abstraindo, porém, da ânsia, sem dúvida plenamente justificada, de obter uma satisfação adicional pela ofensa ao direito, essa situação representa um deslocamento sensível do equilíbrio entre as partes da relação jurídica. Para uma delas o risco de um desfecho desfavorável do processo representa a perda daquilo que lhe pertence, enquanto para outra apenas acarreta a restituição daquilo que injustamente retém; para uma, a vantagem resultante da demanda bem sucedida consistirá apenas na ausência de prejuízo, e para outra, num enriquecimento à custa da parte adversa. Com isto não estaremos estimulando a perfídia?[20]

É evidente que o judiciário brasileiro ainda tem muitos desafios no que tange a estabelecer uma medida exata à reparação do dano moral. Embora tal modalidade de dano reflita uma lesão interior, ao subjetivismo e personalidade do indivíduo, não se pode deixar de perceber que a reparação se volta não só a ele. Seu caráter social é gritante. A coletividade se torna parte nesta relação na medida em que são essas as demandas que determinarão os rumos dos comportamentos humanos, inibirão a reiteração de condutas gravosas, farão com que os ilícitos não compensem em vantagens aos ofensores. O respeito ao ser humano como indivíduo e como parte da sociedade é o cerne do que se almeja ao buscar a reparação por um dano moral.  É este o fim último que se busca ao se pensar em paz e equilíbrio social.   


Notas

[1] MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do Fato Jurídico: plano da existência. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.3

[2] STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7 ed.. São Paulo Editora Revista dos Tribunais, 2007, p.114. 

[3] REIS, Clayton. Avaliação de dano moral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 26

[4] OLIVEIRA, Marcius Geraldo Porto de. Dano moral – Proteção jurídica da consciência. 3. ed. São Paulo: LED Editora de Direito, 2003, p. 39.

[5] STF, RE 11.786 “não é admissível que os sofrimentos morais deem lugar à reparação pecuniária, se deles não decorre nenhum dano material”. Tal posição, já era criticada por Pontes de Miranda em 1927 que dizia: “Que mal-entendida justiça é essa que dá valor ao dano imaterial ligado ao material e não dá ao dano imaterial sozinho? ”

[6] STF, RE 85.127

[7] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 359.

[8] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro 7. Responsabilidade Civil. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 84.

[9] DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, v. 2, p.852.

[10] FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil. Teoria Geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005, p. 108.

[11] Este pensamento é de autoria de Orozimbo Nonato e foi lembrado por Maria Helena Diniz. (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: responsabilidade civil. 21. ed. rev. atual. vol 7. São Paulo: Saraiva, 2007, p.95)

[12] REIS, Clayton. Avaliação do dano moral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 134

[13] Ementa do Resp 8768/SP: DANO MORAL PURO. CARACTERIZAÇÃO. SOBREVINDO, EM RAZÃO DE ATO ILICITO, PERTURBAÇÃO NAS RELAÇÕES PSIQUICAS, NA TRANQUILIDADE, NOS ENTENDIMENTOS E NOS AFETOS DE UMA PESSOA, CONFIGURA-SE O DANO MORAL, PASSIVEL DE INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. (STJ. T4- QUARTA TURMA. Resp 8768/SP – RECURSO ESPECIAL 1991/0003774-5. REL. MIN. BARROS MONTEIRO. PUB. 06.04.1992).

[14] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9 ed. de acordo com o Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 591.

[15] SILVA, Américo Luiz Martins. O dano moral e sua reparação civil. 3. Ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.62. 

[16] ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano moral e indenização punitiva: os punitive damages na experiência do common law e na perspectiva do Direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.332.

[17] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em <http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?newsession=yes&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&livre=AgRg%20no%20Ag%20850273>. Acesso em 21/05/2013.

[18] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=REsp+883630&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>. Acesso em 21/05/2013.

[19] FACHINI NETO, Eugênio. A função social do direito privado. Revista Jurídica, São Paulo, n. 349, nov. 2006, p. 90.

[20] IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 80

Sobre as autoras
Amanda Mendes Evangelista

Amanda Mendes Evangelista, advogada e pós-graduada em Direito Constitucional (Anhanguera-UNIDERP).

Marina Felinto Siqueira

Advogada, OAB/PI nº 13.551

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EVANGELISTA, Amanda Mendes; SIQUEIRA, Marina Felinto et al. A quantificação do dano moral à luz da sua função social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5564, 25 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67473. Acesso em: 22 nov. 2024.

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