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A quantificação do dano moral à luz da sua função social

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O artigo busca sintetizar a evolução do dano moral no direito pátrio, o entendimento jurisprudencial e doutrinário acerca dos critérios utilizados para sua quantificação, e como estes critérios podem auxiliar na concretização da função social do instituto

Introdução

O ser humano é, por natureza, um ser social. Apesar da individualidade que lhe é inerente, é no convívio social que são supridas as carências mundanas, o que é vital para a espécie. Nas palavras de Bernades Melo[1],

A ampliação gradativa dos círculos sociais em que o homem se vê envolvido no desenrolar de sua existência faz crescer, proporcionalmente, o grau de influência que a sociedade exerce em sua formação.

É neste convívio que surgem os conflitos de interesse, na medida em que a busca de pretensões particulares por diversas vezes vai de encontro à harmonia necessária à convivência coletiva. Nesse contexto surge a responsabilidade civil, com vistas a amparar todo àquele que se acha na situação de vítima de um dano decorrente de atos praticados por terceiros. Segundo Rui Stoco[2],

A noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado. Revela-se, pois, como algo inarredável da natureza humana.

A doutrina francesa foi uma das grandes responsáveis por delinear os contornos da responsabilidade civil tal como a conhecemos hoje, sendo o Diploma Civil Francês a primeira codificação a tratar propriamente sobre o tema, nos moldes tradicionalmente estabelecidos pelo direito romano.

Ao longo dos anos a responsabilidade civil passou por grandes modificações no que concerne aos seus fundamentos e pressupostos. Passou-se da estrita tipificação de situações acobertadas pelo direito para estabelecer-se um princípio geral da responsabilidade civil, capaz de abarcar a infinidade de situações e conflitos aos quais os seres humanos se mostram diariamente expostos. Além disso, o entendimento clássico de que apenas aqueles direitos e bens mensuráveis economicamente poderiam ser objeto da tutela jurídica ressarcitória cedeu espaço à visão humanista, que elege o ser humano e sua dignidade como cernes do nosso ordenamento jurídico. O patrimonialismo outrora vigente mostrou-se insuficiente para atender aos anseios de segurança jurídica e justiça aos quais a sociedade almejava, de modo que o antigo e consolidado dano material passou a dividir espaço com o surgimento de novas formas de prejuízo.

Nesse cenário, a responsabilização civil passou a ter como alvo, além do típico dano material, aferível economicamente, o dano moral, que, embora não mensurável em pecúnia, tem existência concreta e bastante perceptível. Inúmeras foram as tentativas ao longo dos anos no sentido de descaracterizar a existência de tal dano, questão que encontra-se atualmente superada.

O avanço contínuo do pensamento e da tecnologia trouxeram consigo a inserção de novos paradigmas, e a ampliação da abrangência dos interesses coletivos (a exemplo do direito ao meio-ambiente saudável e equilibrado) alterou a face do instituto da responsabilidade civil, assim como ocorre hoje no âmbito do direito de família, por exemplo, que é alvo de profundas e significativas transformações decorrentes da volatilidade dos conceitos e anseios sociais. A estabilidade parece uma meta distante de ser alcançada e que, certamente, demandará um sem número de construções filosóficas daqueles que se dedicam a desvendar os rumos dos modernos pensamentos concernentes à responsabilidade civil.


Breve evolução do dano moral

A agressão a direitos de cunho não patrimonial, ao contrário do reconhecimento do dano moral, sempre existiu. A doutrina clássica entendia inexistir equivalência possível entre o sofrimento e o ressarcimento pecuniário. Não se podia, pois, quantificar o sofrimento, de modo que chegava a ser absurda, se não imoral, a ideia de indenizar um ato ilícito causado a um bem não aferível economicamente.

A possibilidade de reparação dos danos morais remonta ao direito romano, que a concebia sob um viés distinto do que, em regra, buscamos alcançar hoje. Tal distinção, porém, não lhe retira a influência na concepção do instituto tal como o conhecemos.  Segundo Clayton Reis,

(...) na realidade, os romanos não tinham uma exata e precisa noção a respeito dos danos ocasionados à intimidade da pessoa, certamente porque confundia-se com frequência pena e indenização. A simplicidade do pensamento jurídico da época não conseguia estabelecer a correta distinção entre o caráter patrimonial e não patrimonial do dano. A ideia arraigada no espírito das pessoas naquele período histórico, destacava que as ofensas pessoais clamavam por vingança e os ofensores deveriam ser alvo de castigo corporal.

Mesmo assim, a actio injuiarium aestimatoria tinha como pressuposto formal assegurar uma reparação de natureza satisfeita, ou seja, a condenação do lesionado ao pagamento de uma determinada importância a título de reparação a uma ofensa que representava uma penalidade ao ofensor.[3]

As mais antigas previsões de dano moral identificadas pela doutrina remontam ainda aos escritos do Código de Hamurabi (que autorizava uma reação na mesma medida agressão), no qual imperava a agressão do tipo física, e do Código de Manu (que continha dispositivos que determinavam, ainda que de maneira tímida e arcaica, reparação por danos morais).

O pensamento de que o homem é um ser dotado de dignidade humana, inerente a todos os seres, e não atribuível, passou a demandar uma proteção mais efetiva na modernidade, sobretudo após as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial. O homem deixou de ser visto apenas sob uma ótica unidimensional. Nas palavras de a Marcius Geraldo Porto de Oliveira:[4]

Independentemente do caráter patrimonialista ou não dos danos morais, da existência da perda de ordem econômica ou pecuniária, da diversidade de linguagem utilizada pela doutrina, o fato é que a reparação dos danos morais se afirma pela necessidade de preservar os direitos por uma melhor qualidade de vida. Isso implica no reconhecimento de atributos que não possuem significação econômica exterior, estabelecendo-se uma dimensão espiritual da pessoa humana e consequente espiritualização do direito.

Em síntese, pode-se distinguir três fases pelas quais passara a evolução do dano moral no direito brasileiro: a primeira, de completa negação da possibilidade de reparação pecuniária à violação a direitos não quantificáveis em pecúnia; a segunda, que trouxe o reconhecimento do dano moral, porém de forma bastante restrita e indissociável do dano material; e, por fim, a fase da reparabilidade ampla e irrestrita, que adveio com a Constituição Federal de 1988 e o reconhecimento incontestável do dano moral no sistema jurídico, a qual também elencou os direitos da personalidade como pilar fundamental em nosso ordenamento, e, a tutela destes, demanda, indubitavelmente, o reconhecimento daquele.

Passamos, deste modo, de um extremo que negava a existência do dano moral a um ponto em que se viu claramente sua existência e a necessidade de sua reparação.

No âmbito jurisdicional, o Supremo Tribunal Federal até meados dos anos 60, não reconhecia a existência do dano moral[5]. O leading case que sinalizou a mudança de rumo aconteceu no STF, em um julgado de relatoria do Ministro Aliomar Baleeiro. Nele, o STF deu provimento a um Recurso Extraordinário e reconheceu que o dano moral é, sim, indenizável.[6] O caso concreto trata de uma ação proposta pelos pais, em razão do falecimento de duas crianças vitimadas por um acidente cuja culpa foi atribuída a uma empresa de ônibus.

Tal avanço, porém, limitou-se a determinar que a indenização fosse calculada com base naquilo que os pais gastaram até ali com a criação e a educação dos filhos. Ou seja, o que se estava indenizando não era a dor/sofrimento da perda dos filhos, ou dimensões extrapatrimoniais outras, mas os gastos materiais para a criação deles até a data da morte.

Depois de algum tempo, veio a Súmula 491 do STF:

STF – 491: É indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado.

Com essa súmula, passou-se a incluir nas verbas indenizatórias, não apenas os gastos passados, mas também os presumíveis ganhos futuros frustrados. Nota-se, ainda, a prevalência da lógica econômica em detrimento da existencial.

O fato é que a mudança, de fato, adveio com a Constituição de 1988, que previu explicitamente a indenizabilidade do dano moral no art. 5º, incisos V e X:

V - É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;


O conceito de dano moral

A parte das inúmeras críticas doutrinarias à terminologia utilizada, o dano moral é definido como o dano que lesiona exclusivamente os sentimentos pessoais da vítima. Nesse sentido, ensina Carlos Roberto Gonçalves,

Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação.[7]

Na mesma linha de pensamento, Maria Helena Diniz estabelece o dano moral como, “a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo ato lesivo”. [8]

Com efeito, segundo Aguiar Dias,

O dano moral é o efeito não patrimonial da lesão de direito e não a própria lesão, abstratamente considerada. O conceito de dano é único, e corresponde a lesão de direito. Os efeitos da injuria podem ser patrimoniais ou não, e acarretar, assim, a divisão dos danos em patrimoniais e não patrimoniais. Os efeitos não patrimoniais da injuria constituem os danos não patrimoniais.[9]

Pode-se verificar, em primeira análise, que o dano moral está vinculado à dor, angústia, sofrimento, etc., mas não é mais possível restringir tal instituto a estes elementos, uma vez que ele se estende a todos os bens e direitos personalíssimos:

Com esta perspectiva, os direitos da personalidade – ultrapassando a setorial distinção emanada da histórica dicotomia direito público e privado – derivam da própria dignidade reconhecida à pessoa humana para tutelar os seus valores mais significativos do indivíduo seja perante outras pessoas, seja em relação ao Poder Público. Com as cores constitucionais, os direitos da personalidade passam a expressar o minimum necessário e imprescindível à vida com dignidade.[10]

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Dano moral e dano material

É certo que a ofensa subjetiva se apresenta de forma apartada do direito material, o que inicialmente causou uma grande inquietação junto aos operadores do direito, os quais se questionavam acerca da possibilidade de cumulação de ambos os pedidos.

Desde a promulgação da Constituição de 1988 os direitos imateriais ganharam autonomia em relação aos patrimoniais, retirando assim a relevância do argumento da existência de bis in idem, que passou a ser uma mera ilusão sem nenhuma especulação jurídica. Assim, a partir de um único ato, há a possibilidade de configurar um prejuízo a um direito material como também ao direito subjetivo de um indivíduo.

É importante destacar que a distinção entre ambos não decorre da natureza do direito, mas do efeito da lesão, do caráter de sua repercussão sobre o lesado. O dano moral é compreendido em seu conteúdo, que é a dor, a emoção, a injúria física ou moral, ao passo que o dano patrimonial refere-se a prejuízos eminentemente materiais.

Na distinção entre dano material e moral, percebe-se que em relação ao primeiro há uma efetiva diminuição no patrimônio da vítima, e, comprovados os danos, há de ser ressarcida a perda, recompondo-se o status quo patrimonial do ofendido. Já no que tange ao dano moral, essencialmente extrapatrimonial, a questão do quantum indenizatório se mostra bastante controversa, haja vista ser indeterminável pecuniariamente.

Deste modo, conclui-se que a principal característica distintiva entre o dano moral e o material não é a natureza da lesão que ocasionou a ofensa, mas sim os efeitos dela. A dificuldade que impera hoje acerca dos danos morais não está relacionada à sua conceituação, nem mesmo à possibilidade de reparação. Outrossim, repousa sobre a questão da fixação do quantum indenizatório, ou, mais adequadamente, da compensação pecuniária.


A função social do dano moral

Quantificação do dano moral

O desenvolvimento social é constante, e, à medida que avança, impõe ao judiciário novas demandas, questões antes impensáveis, o que proporciona ao sistema um razoável grau de instabilidade. Ao magistrado, por sua vez, não cabe escusar-se da pretensão jurisdicional sob pena de violar o princípio do non liquet.

O principal obstáculo à aceitação do dano moral residiu, conforme já foi dito, exatamente na dificuldade em estabelecer uma quantificação justa a uma ofensa que não pode ser quantificada. Com o passar do tempo, e o avanço na visão do ser humano como sujeito de direitos dotado de dignidade, passou-se a aceitar a ideia de que a compensação pecuniária por ofensa a direitos de cunho extrapatrimonial seria uma solução adequada, pois a sua ausência, além de injusta, incentivaria comportamentos contraditórios ao ordenamento jurídico na medida em que perpetuaria uma absoluta impunidade aos autores de tais ilícitos.

Com efeito, o ressarcimento não se traduz em restituição, pois impossível a restituição do status quo da vítima, mas em lenitivo, compensação, em verdadeiro refrigério para a dor da alma daquele que teve um direito da personalidade violado. Não há preço para o sofrimento. Ele é incalculável.

Com efeito,

As tristezas se compensam ou se neutralizam com as alegrias, porém esses fatores de neutralização não são obtidos pela via direta do dinheiro, pois não se está pagando a dor ou a tristeza, mas sim pela indireta, ensejando valores econômicos que propiciassem ao lesado do dano não-patrimonial logo que lhe desse uma sensação de bem estar ou contentamento.[11]

O dinheiro pago a título de danos morais não visa cessar a dor. Trata-se apenas de uma fonte indireta de satisfação daquele que foi ofendido em sua dignidade.

Com a prestação pecuniária o que se visa não é diretamente extinguir a dor com a aplicação de um preço ou antídoto; não é extraí-la pondo-lhe no lugar a moeda, como ficou esclarecido. O que se faz é outra coisa, é procurar para o lesado um conjunto de sensações agradáveis, motivo de satisfação e de emoções, segundo a sua inclinação e o seu temperamento, de sorte a criar condições que, se não chegam a suprimir o sentimento de pesar, de certo podem atenuá-lo, tornando-o mais suportável e menos prolongado.[12]

No âmbito dos Tribunais, a dificuldade na quantificação também se mostra presente no cotidiano dos magistrados. Ocupando-se da relatoria do Resp nº 8768-SP, o Ministro Raphael de Barros Monteiro opinou no sentido de que:

Tema dos mais árduos é o da quantificação do dano moral. Hermenegildo de Barros, invocado por Pontes de Miranda, deixara acentuado que 'embora o dano moral seja um sentimento de pesar íntimo da pessoa ofendida, para o qual se não encontra estimação perfeitamente adequada, não é isso razão para que se lhe recuse em absoluto uma compensação qualquer. Essa será estabelecida, como e quando possível, por meio de uma soma, que não importando uma exata reparação, todavia representará a única salvação cabível nos limites das forças humanas. O dinheiro não os extinguirá de todo: não os atenuará mesmo por sua própria natureza; mas pelas vantagens que o seu valor permutativo poderá proporcionar, compensando, indiretamente e parcialmente embora, o suplício moral que os vitimados experimentam.[13]

A natureza da função indenizatória do dano moral

Não é unânime na doutrina a caracterização da natureza jurídica do valor determinado a título de indenização por danos morais, mas apesar da divergência, tem-se uma corrente dominante no sentido de considerá-la como sendo de caráter misto, como de natureza satisfativa à vítima e sancionatória ao ofensor.

Não obstante tangenciar no sentido de cumprir a natureza mista, há posicionamentos no sentido de acatar apenas o aspecto satisfatório ou o exclusivamente punitivo.

O aspecto sancionador do dano moral

.Georges Ripert foi um dos simpatizantes mais ativos dessa linha de pensamento e para ele não seria possível falar em reparação para agravo imaterial, mas sim em uma pena civil, que serviria para penalizar a atitude ilícita pela qual optara o ofensor.

O importante não seria o valor pago para a vítima a título de indenização, pois almeja-se com muito mais severidade o castigo para o sujeito ativo em razão da sua conduta.

Em seu artigo 5°, inciso XXXIX, a Constituição Federal, traz a máxima de  que não há crime sem lei anterior que o defina, tornando assim impossível a aplicação de uma punição a alguém pela pratica de um ato não tipificado. Desta forma, torna-se inviável inserir no ordenamento civilista tal vestimenta para a indenização por danos morais.

De acordo com o pensamento de Carlos Roberto Gonçalves,

Já se foi o tempo em que as sanções civis e penais se confundiam. A sanção penal tem por fim a repressão do ato ilícito e não guarda relação com o valor do bem lesado. Por aí se vê que o caráter sancionatório autônomo, nas condições mencionadas, tem todas as características de sanção penal. [...] Não cabe ao juiz, mas ao legislador, estabelecer os seus limites máximos e mínimos. Do contrário, ficaria a critério de cada um fixar a pena que bem entendesse. Enquanto garantia constitucional, o princípio da legalidade das penas não se aplica exclusivamente ao direito penal.[14]

Essa teoria encontra falhas, principalmente por olvidar de um fator primordial para caracterização do dano moral: o ofendido. Mostra-se, portanto, incompleta em sua individualidade ao voltar sua dimensão tão somente a um dos pólos da relação jurídica privada.

Função compensatória do dano moral

Há ainda corrente doutrinária  o sentido de que as indenizações relativas às agressões morais devem-se ater apenas a compensar a vítima.

Os defensores dessa corrente, afirmam que seria impossível atribuir caráter sancionador às indenizações de caráter imaterial, já que estas se tornariam penas civis.

Por ter um caráter extremamente subjetivo, seria de difícil configuração estipular um valor que será meramente compensador. Assim, pela lesão moral ter caráter incurável, o valor pago em dinheiro ao ofendido seria apenas para conceder-lhe alguns benefícios, que indiretamente, poderiam amenizar o sofrimento.

Como o objetivo central dessa teoria é a satisfação da vítima, estaria cumprida a função do instituto com asua mera aplicação. Ocorre que, com a condenação indenizatória, o ofensor sofre, ainda que indiretamente, uma sanção ao desprender um valor pecuniário para o ofendido. Nesta relação, a satisfação de um estaria diretamente ligada a diminuição, o patrimonial do outro.

Nesse sentido, considerar somente a compensação torna o pensando incompleto, atribuindo a necessidade de evoluir no sentido da aplicação do caráter sancionador ao quantum indenizatório.

É no equilíbrio entre a função indenizatória e a função sancionadora do dano moral que se busca estabelecer a sua função social. É exatamente na caracterização deste difícil aspecto que reside sua contribuição para a paz e harmonia social, para fixar-se como meio apto ao Estado, que tomou para si a função de pacificador social, de estabelecer o equilíbrio das relações, a justiça e a supremacia do ordenamento jurídico.

A apuração do quantum indenizatório

A apuração do quantum é dotada de uma complexidade muito maior do que aquela relativa ao dano material, pois o interesse lesado não tem como ser medido monetariamente.

Segundo Américo Luiz Martins da Silva[15] existem três maneiras de fixação da indenização em razão dos danos morais. A primeira, chamada de reparação convencional, parte da transação entre o ofensor e o ofendido, de modo que a fixação do quantum se faz sem maiores colisões, pois parte diretamente da vontade dos interessados. A segunda é determinada por indenizações legalmente estipuladas, chamadas de reparação legal, pois a sua condição de vinculação a norma se faz de forma absoluta. Por fim, o terceiro tipo refere-se à fixação do montante a partir da análise exclusiva do magistrado e que é conhecido como reparação judicial.

Critério matemático

Para os danos materiais aplica-se esse critério, segundo o qual o julgado deve buscar o montante devido a partir da quantificação do dano advindo da lesão, por ser possível de se obter exatamente a quantia que represente o desfalque material experimentado pela vítima.

No dano moral, sua utilização é mais restrita. É aplicado, a título de exemplo, quando se depara com situações envolvendo títulos protestados indevidamente, em que o julgador opta por tarifar o valor à semelhança do valor constante no documento em questão.

De acordo com o artigo 944 do Código Civil de 2002, porém, a indenização deve ser estipulada de acordo com a extensão do dano e não com base, por exemplo, no valor do título protestado. A estipulação desse parâmetro conduziria o Poder Judiciário a orientar-se de forma contrária ao seu preceito fundamental, que é o de estabelecer equilíbrio social.

Não é difícil, portanto, chegar à conclusão de que deve-se utilizar outro critério, que não apenas o matemático, para enfrentar o problema da quantificação do dano moral.

4.5.2 O Tabelamento do Dano Moral

O Tabelamento é um caminho viável a ser trilhado para a solução da quantificação do dano moral. Haveria, sob este prisma, uma relação de valores juntados a um determinado tipo de comportamento, no qual este seria disponibilizado para a consulta pelo magistrado, que, por sua vez, não necessitaria adentrar nos aspectos subjetivos do agressor.

O tabelamento, no entanto, retiraria do instituto sua principal característica, que é subjetivismo, que reside exatamente em tratar as pessoas de forma peculiar, com a análise do litígio de forma individual. Com o tabelamento do dano moral, o princípio mor da dignidade da pessoa humana seria ofuscado em sua incidência. A manutenção de comportamentos como este mostra um flagrante desvirtuamento de todo pensamento filosófico instaurado a partir da Carta Magna de 1988. Haveria uma flagrante  valorização do patrimônio em detrimento à pessoa.

Nas palavras de André Gustavo Corrêa

“qualquer limitação infraconstitucional às indenizações por danos materiais seria inconstitucional, uma vez que a consagração do direito a esse tipo de indenização é estabelecido na Carta Magna.”.[16]

Carlos Roberto Gonçalves, por sua vez, critica esta modalidade de quantificação, denominada por ele de tarifação, amparado no pensamento de que, a partir do conhecimento prévio do valor pago, os agressores teriam plena condição de analisar o montante indenizatório e compará-lo às possíveis vantagens decorrentes da prática do ato danoso, concluindo, em alguns casos, que seria mais atraente adotar o comportamento ilícito.

Apesar de muito criticada, o Superior Tribunal de Justiça tem grande aparato jurisprudencial amparando a indenização do dano moral no arcabouço da tarifação. Alguns defensores dessa tese, afirmam que o Egrégio Tribunal estaria apenas estabelecendo valores máximos para o dano moral.

Cabe ao magistrado a cautela de limitar-se às entranhas da situação concreta, para a partir de lá, retirar os seus fundamentos necessários para a estipulação da quantia indenizatória. Ao legislador não é garantido o acesso às provas e demais questões subjetivas que possibilitam a estipulação uma indenização ideal, de maneira que não lhe cabe atribuir de forma prévia uma tabela de quantificação de condutas violadoras dos direitos da personalidade. Ao contrário, pelo fato de estas se mostrarem infinitas, resta ao legislador somente utilizar-se de cláusulas e conceitos abertos, bem como princípios gerais, cabendo ao juiz a função de, diante da demanda que lhe é apresentada, quantificar o valor devido.

Conclui-se assim que, a análise do montante a ser fixado deve ser feito pelo magistrado, observando as peculiaridades de cada caso, sendo a padronização inadequada para o enfretamento de questões como esta.

O Superior Tribunal de Justiça e o dano moral

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, instalou-se o Superior Tribunal de Justiça, sendo-lhe atribuído o papel de velar pela uniformidade e coesão do direito. Dentre os diversos temas levados a este Tribunal, aquele atinente aos danos morais por diversas vezes recebe destaque na mídia e no universo jurídico. Nem mesmo para os Ministros desta Corte a abordagem referente aos agravos psicológicos faz-se simplória.

 Entre as atribuições constitucionais do Superior Tribunal de Justiça, está a de julgar, em grau recursal, as causas advindas dos Tribunais Regionais Federais ou Tribunais dos Estados ou do Distrito Federal, com o intuito de uniformização da interpretação do direito federal.

Ao apreciar o recurso especial, a corte de sobreposição não analisa matéria de fato, mas somente de direito. O que significa dizer que não há espaço para o reexame de matéria probatória, centralizando-se a avaliação judicial na interpretação de dispositivo de lei federal.

Apesar de a revisão da indenização por danos morais estar condicionada à análise de elementos fático-probatórios, o que, a princípio, impediria a sua realização em sede de recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça tomou para si o papel de Tribunal moderador nas ações indenizatórias por danos morais, através de entendimento consolidado no sentido que a revisão do valor da indenização somente é possível quando exorbitante ou insignificante a importância arbitrada, em flagrante violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Os artigos do Código Civil Brasileiro que disciplinam o tema, tais como os artigos 186, 927, 944 e 884, dão essa possibilidade de apreciação da reparação por dano moral pelo STJ, pois, ao estabelecerem o direito à reparação do dano sofrido, não o fazem com a finalidade de enriquecer indevidamente a vítima, muito menos de ser insignificante ao ponto de estimular a pratica do dano por seu causador. É com esse fundamento, que o Superior Tribunal de Justiça interfere na quantificação do dano moral.

A possibilidade descrita acima é exposta em vários julgados, como por exemplo, no AgRg no Ag 1135795 / RJ, 4ª turma, Rel. Ministro Raul Araújo, DJe de 29/09/10:

O entendimento deste Sodalício é pacífico no sentido de que o valor estabelecido pelas instâncias ordinárias a título de indenização por danos morais pode ser revisto tão somente nas hipóteses em que a condenação revelar-se irrisória ou exorbitante, distanciando-se dos padrões de razoabilidade.

Critério de quantificação do valor do dano moral

Para a Corte Superior, a indenização por dano moral deve respeitar alguns critérios, tais como a extensão do dano, a situação econômica das partes, o grau culpa do ofensor, bem como os princípios da razoabilidade e proporcionalidade:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. HERDEIROS. LEGITIMIDADE. QUANTUM DA INDENIZAÇÃO FIXADO EM VALOR EXORBITANTE. NECESSIDADE DA REDUÇÃO. RESPEITO AOS PARÂMETROS E JURISPRUDÊNCIA DO STJ. PRECEDENTES.

1. Cingindo-se, a hipótese em análise, a dano à imagem da falecida, remanesce aos herdeiros legitimidade para sua defesa, uma vez que se trata da reparação de eventual sofrimento que eles próprios suportaram, em virtude dos fatos objeto da lide.

2. O critério que vem sendo utilizado por essa Corte Superior na fixação do valor da indenização por danos morais, considera as condições pessoais e econômicas das partes, devendo o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido, bem como que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito. (AgRg no Ag 850273 / BA, 4ª turma, Rel. Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO, DJe 24/08/10)[17]

DIREITO EMPRESARIAL. DANO MORAL. Divulgação ao mercado, por pessoa jurídica, de informações desabonadoras a respeito de sua concorrente. Comprovados danos de imagem causados à empresa lesada. Dano moral configurado. Fixação em patamar adequado pelo Tribunal a quo. Manutenção.

Para estabelecer a indenização por dano moral, deve o julgador atender a certos critérios, tais como nível cultural do causador do dano; condição sócio-econômica do ofensor e do ofendido intensidade do dolo ou grau da culpa do autor da ofensa; efeitos do dano, inclusive no que diz respeito às repercussões do fato. (grifa-se) (REsp 883630 / RS, 3ª turma, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJe 18/02/09)[18]

Cabe, neste momento, estabelecer uma crítica à utilização arbitrária de um desses critérios. De fato, o juiz não deverá, em princípio, indagar a respeito da situação financeira do ofendido como elemento de maior ou menor impacto para o arbitramento de uma reparação.

Ocorre que, em diversos casos, o princípio da vedação do enriquecimento sem causa é usado para reduzir o valor da indenização devida a pessoas financeiramente mais humildes, mesmo diante de graves lesões a direitos fundamentais. É importante destacar que a riqueza ou a pobreza do lesado não alteram a sua dignidade. Qualquer distinção que se faça quanto à capacidade econômica das vítimas poderia repercutir no campo dos lucros cessantes, jamais no dano moral.

Noutro ponto, além dos critérios gerais supracitados, a Egrégia Corte tem seguido um modelo bifásico no momento de efetuar a quantificação. Em uma primeira fase, estabelece um valor básico de indenização, considerando o interesse jurídico lesado, com base em um grupo de precedentes judiciais que apreciaram casos semelhantes. Esta fase visa, sobretudo, primar pela segurança jurídica, evitando que situações semelhantes recebam tratamento drasticamente distinto. O que se busca aqui é constatar a existência do dano extrapatrimonial.

Na fase seguinte, o julgador deve atentar-se às peculiaridades do caso concreto para só então fixar um valor definitivo. Aqui já não caberá considerar o fato lesivo, mas sua extensão, seu impacto na pessoa da vítima. Se busca a individualização do dano moral.

Quanto ao tempo transcorrido entre o dano e a propositura da ação, entende-se que pode influenciar no resultado da ação em se tratando de danos extrapatrimoniais. Já no que concerne aos danos materiais, por serem concretos, e, desde que reclamados dentro do lapso temporal estabelecido pela lei, não há qualquer influência.

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Sobre as autoras
Amanda Mendes Evangelista

Amanda Mendes Evangelista, advogada e pós-graduada em Direito Constitucional (Anhanguera-UNIDERP).

Marina Felinto Siqueira

Advogada, OAB/PI nº 13.551

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EVANGELISTA, Amanda Mendes ; SIQUEIRA, Marina Felinto et al. A quantificação do dano moral à luz da sua função social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5564, 25 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67473. Acesso em: 22 nov. 2024.

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