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Valores máximos para modalidades de licitação e manifestações das Cortes de Contas

Agenda 05/06/2019 às 11:00

A definição dos valores máximos das modalidades licitatórias compõe as normas gerais de licitação, ou os estados podem legislar supletivamente sobre o tema?

A Lei nº 8.666/1993, norma que dispõe sobre as regras gerais de licitações e contratos no Brasil, estabelece, em seu art. 23, os valores limites para a seleção das modalidades de licitação a serem adotadas no processo de compras públicas. Os mesmos valores também servem de parâmetros para as contratações diretas com a Administração Pública, sendo de fundamental importância a sua definição para a segurança dos gestores públicos em sua atuação.

É certo que, ao longo dos anos, tais valores vão se defasando em razão das flutuações econômicas e das variações do preço dos insumos, demandando uma atualização dos valores para que o processo de compras públicas seja realizado de maneira eficiente. Ocorre que, durante muito tempo, tais valores não foram atualizados, tornando o processo licitatório mais caro e distante dos parâmetros gerais de preços de mercado no País.

Após longos anos com os valores congelados, entrou em vigor o Decreto nº 9.412/2018, que atualiza os valores limites de três modalidades de licitação da Lei nº 8.666/1993: convite, tomada de preços e concorrência. Pelo novo parâmetro, os valores das modalidades de licitação previstas na Lei de Licitações e Contratos aumentaram em 120%, o que corresponde à metade do Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA acumulado entre maio de 1998 – última vez em que os valores haviam sido atualizados – e março de 2018.

Até essa nova atualização, porém, alguns estados já haviam promovido atualizações nos valores referenciais das licitações, provocando uma discussão jurídica acerca da competência legislativa para tais modificações. A dúvida surge a partir da leitura do texto constitucional, que estabelece como competência privativa da União a legislação sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, conforme disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista.

Diante do texto constitucional, surge o questionamento: a definição dos valores máximos das modalidades licitatórias compõe as normas gerais de licitação, ou os estados podem legislar supletivamente sobre o tema? A pergunta não é tão simples de se responder. Toda vez que se discute a competência dos estados para legislar sobre temas relativos às licitações, é preciso analisar de modo individual, caso a caso, a fim de se encontrar a melhor solução para o ordenamento jurídico.

Embora a doutrina e a jurisprudência uniformes anteriormente entendessem que esses limites máximos não poderiam ser alterados, alguns estados, por meio de seus tribunais de contas, têm admitido como regular o aumento desses limites. No livro Contratação Direta Sem Licitação¹, destaco a atuação do Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso – TCE/MT, que admitiu a possibilidade de alteração dos valores, definindo o assunto em caráter normativo. No caso concreto, o TCE/MT, respondendo a consulta, admitiu a possibilidade de dispensar a licitação corrigindo o limite de valor dos incs. I e II do art. 24, pelos índices de atualização monetária. Assim destacou o conselheiro Luiz Carlos Pereira, do Tribunal Mato-grossense, em voto-vista que guiou a votação do Plenário da Corte:

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Com efeito, a norma do artigo 23, ao fixar limites federais máximos para opção das modalidades licitatórias nacionalmente instituídas não se coaduna com o conceito de normas gerais, posto que a referida norma não se contém no mínimo indispensável ao cumprimento de quaisquer dos preceitos fundamentais, abrindo espaço para que o legislador possa abordar aspectos diferentes, diversificados, sem desrespeito a seus comandos genéricos, básicos.²

O tema, porém, está longe de ser pacífico entre as cortes de contas. Em manifestação recente, o Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso do Sul – TCE/MS adotou posicionamento oposto à Corte de Contas do estado vizinho. Assim pontuou o conselheiro Iran Coelho das Neves em seu voto:

É vedada, aos Estados e Municípios, a edição de legislação suplementar, para promover a atualização dos valores das modalidades licitatórias, previstos em normas gerais, por se tratar de competência privativa da União. No exercício de sua competência privativa, disposta no art. 22, inciso XXVII, da CF, a União editou, dentre outras, a Lei nº 8.666/1993, que estabelece as modalidades dos procedimentos licitatórios e os limites, tendo em vista o valor estimado da contratação, conforme disposto no art. 23, da Lei nº 8.666/1993. Além disso, o art. 120, da Lei nº 8.666/1993, é bastante claro ao dispor que cabe ao Poder Executivo Federal a possibilidade de revisão dos valores fixados, incluídos aí os referentes aos limites estipulados no art. 23, dessa lei. Portanto, como a legislação federal estabelece os limites, as modalidades e a qual ente federativo compete à possibilidade de revisão dos valores estipulados na Lei de Licitações que neste caso é a União, não sobrou nenhuma competência residual a serem exercidas pelos outros entes federativos, quais sejam: Estados e Municípios, porquanto, a legislação federal exerceu de forma plena a sua competência legislativa.³

A questão segue, ainda sem solução, no âmbito das instâncias competentes. A edição do Decreto mencionado acima com a atualização dos valores da Lei nº 8.666/1993 deverá, por ora, arrefecer as discussões sobre o tema. Em futuro próximo, no entanto, a questão voltará à discussão. Cabe, assim, às instâncias competentes balizar as regras, a fim de se garantir uma atuação uniforme em todo o território nacional.


Notas

¹ JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Contratação Direta sem Licitação. 10. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016.

² TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO MATO GROSSO. Processo nº 121746/2014. Consulta realizada pela Prefeitura Municipal de Campos de Júlio. Relator: conselheiro Antônio Joaquim. Disponível em: <http://www.tce.mt.gov.br/arquivos/downloads/00047138/VOTO_121746_2014_02.pdf>. Acesso em: 23 jul. 2018.

³ Prefeitos recebem do TCE-MS orientações para Licitações Públicas. Portal TCE/MS. Disponível em: <http://www.tce.ms.gov.br/noticias/detalhes/5026/resposta-do-tce-ms-mantem-supremacia-da-lei-federal-para-licitacoes>. Acesso em: 23 jul. 2018. [sic]

Sobre o autor
Jorge Ulisses Jacoby Fernandes

É professor de Direito Administrativo, mestre em Direito Público e advogado. Consultor cadastrado no Banco Mundial. Foi advogado e administrador postal na ECT; Juiz do Trabalho no TRT 10ª Região, Procurador, Procurador-Geral do Ministério Público e Conselheiro no TCDF.Autor de 13 livros e 6 coletâneas de leis. Tem mais de 8.000 horas de cursos ministrados nas áreas de controle. É membro vitalício da Academia Brasileira de Ciências, Artes, História e Literatura, como acadêmico efetivo imortal em ciências jurídicas, ocupando a cadeira nº 7, cujo patrono é Hely Lopes Meirelles.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Valores máximos para modalidades de licitação e manifestações das Cortes de Contas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5817, 5 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67827. Acesso em: 25 dez. 2024.

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