Introdução
A aprendizagem tem como uma de suas principais finalidades a inserção de jovens no mercado de trabalho, com o início da prestação de atividades profissionais e a consequente qualificação da mão de obra.
Em outras palavras, entende-se por aprendizagem a formação técnica e profissional ensejadora de oportunidades tanto para o jovem aprendiz, quanto para seu empregador, que além de cumprir a cota obrigatória estipulada em Lei, investe em um potencial futuro empregado.
É importante salientar que não se confunde a figura, tampouco o contrato, do jovem aprendiz, com os de qualquer outro empregado da empresa, inclusive estagiários, sendo esta última modalidade regida por legislação própria.
Assim, todas as empresas que contam com empregados contratados para o exercício de funções que demandem formação profissional devem empregar jovens aprendizes, na proporção de 5% a 15% do total de empregados da referida empresa, de forma a cumprir a cota legal de aprendizagem, salvo as exceções previstas no artigo 429 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Neste artigo, será abordada a aprendizagem no contexto do exercício da profissão de motorista, bem como as particularidades desta modalidade de contratação.
Legislação de Regência
O instituto da aprendizagem tem um amplo embasamento legal, sendo previsto há mais de um século, ainda que de forma simplista, pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Foi por meio do Decreto nº 13.064, de 1918, revogado posteriormente pelo de nº 99.678, de 1990, que foram criadas as escolas de aprendizes artífices[1] pelo extinto Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (1906-1930).
Com o desenvolvimento industrial brasileiro nas primeiras décadas do século passado e com o crescente aumento na demanda de jovens ingressando neste ramo profissional, foi publicado o Decreto-Lei nº 4.481, em 1942, que dispunha sobre a aprendizagem dos industriários. Ainda na década de 1940, foi normatizada a aprendizagem no comércio, por meio do Decreto-Lei nº 8.622, de 1946.
Tendo indubitável importância, a aprendizagem está prevista na Constituição Federal do Brasil (CFRB), de 1988, no inciso XXXIII do artigo 7º, que ressaltou a possibilidade do ingresso de jovens com idade a partir de 14 (quatorze) anos no mercado de trabalho, na condição de aprendiz, na redação dada pela Emenda Constitucional (EC) nº 20, de 1998.
Além de leis específicas, a aprendizagem está prevista na CLT, nos artigos 428 e seguintes. Em relação ao texto celetista, é imperioso destacar que o artigo 429 trata especificamente da cota a ser cumprida pelas empresas, na proporção já mencionada, qual seja de 5% a 15% do número de empregados da empresa.
Desde 1943 prevista pela Consolidação, a aprendizagem passou a ser amplamente regulamentada através da Lei nº 10.097, de 2000, a Lei do Aprendiz, que modificou os artigos supramencionados.
Em 2005, a Lei do Aprendiz foi modificada pela Medida Provisória (MP) nº 251 (posteriormente convertida na Lei nº 11.180, de 2005), que trouxe significativas alterações, como a não adoção do limite máximo de idade de 24 (vinte e quatro) anos para os aprendizes portadores de deficiência.
Com base nisso, em 2015, foi instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, de 2015), que visa assegurar condições de igualdade às pessoas com deficiência, de modo a propiciar a inclusão social destas, inclusive no tocante à figura da aprendizagem.
Recentemente, em 2017, houve mais uma alteração na legislação da aprendizagem, por meio da Lei nº 13.420, que traz em seu texto alterações na CLT que objetivam o incentivo da formação técnico-profissional de jovens nas áreas de gestão e práticas de atividades desportistas.
A profissão de motorista, muito embora presente na realidade brasileira há tempos, carecia de regulamentação específica. Contudo, com a Lei nº 12.619, de 2012, tal carência foi suprimida. Pela primeira vez, foi previsto legalmente o exercício da função de motoristas profissionais, que garantiu diversos direitos à classe. A referida Lei trouxe a inclusão da Seção IV-A no texto celetista.
Posteriormente, foram publicadas novas regras para o exercício da profissão de motorista, com a Lei nº 13.103, de 2015, que alterou a norma anterior sobre tal profissão, além de dispositivos da CLT e incluiu no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) os artigos 67-B, 67-C e 67-E, específicos para motoristas profissionais.
A aprendizagem e sua cota legal
Como visto acima, houve uma construção histórica da aprendizagem, sempre aliada à capacitação dos jovens para o desempenho de atividades prático-profissionais.
Como medida de estímulo, nos termos do já destacado acima, foi criada a cota prevista no artigo 429 da CLT, permitindo o emprego dos aprendizes nas empresas que contam com funções que demandem formação profissional.
Por sua vez, o conceito de aprendizagem foi trazido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):
Formação técnico-profissional ministrada ao adolescente ou jovem segundo as diretrizes e bases da legislação de educação em vigor, implementada por meio de um contrato de aprendizagem.
Nesta toada, tem-se que a aprendizagem encontra respaldo constitucional, sendo permitido o trabalho na condição de aprendiz a partir dos 14 (quatorze) anos.
A aprendizagem é formalizada por meio de um contrato de trabalho especial, que deve ser necessariamente escrito e ter duração máxima de 2 (dois) anos. Por meio deste instrumento, o empregador fica obrigado a contratar jovens aprendizes, com idade entre 14 (quatorze) e 24 (vinte e quatro) anos (excluindo-se o limite quando se tratar de aprendiz portador de deficiência), em um percentual de 5% a 15% do número total de empregados que desempenham funções que demandem formação profissional, como visto acima. As microempresas (ME) e as empresas de pequeno porte (EPP) ficam dispensadas do emprego e da matrícula de seus aprendizes nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem, conforme preceitua o inciso III do artigo 51 da Lei Complementar (LC) nº 123, de 2006.
Nesta perspectiva, dispõe o artigo 428 da CLT:
Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos inscrito em programa de aprendizagem formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a essa formação.
Este contrato de aprendizagem deve respeitar certas formalidades, como a indicação da jornada diária e semanal, a remuneração mensal que será recebida pelo aprendiz, bem como o termo inicial e final do contrato. Ainda, devem estar devidamente indicados os dados da empresa empregadora. É importante frisar que a duração máxima diária do contrato de aprendizagem não pode ser superior a 6 (seis) ou 8 (oito) horas. Neste último caso, válido para aprendizes que já concluíram o curso do ensino fundamental, como dispõe o artigo 432 da CLT.
Para que seja contratado nesta condição, o aprendiz deve estar matriculado em curso ministrado pelas instituições do chamado “Sistema S”, como Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (SENAT), Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) e Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (SESCOP).
Nos termos do artigo 430 da CLT, em não havendo vagas suficientes ou em localidades que tais cursos ministrados pelas instituições do “Sistema S” não estiverem disponíveis, poderão suprir tal carência demais entidades qualificadas em formação técnico-profissional, como as Escolas Técnicas de Educação, entidades sem fins lucrativos de assistência ao adolescente e à educação profissional e as entidades de práticas desportivas.
O programa de aprendizagem ao qual o jovem aprendiz será submetido durante a vigência de seu contrato de aprendizagem prevê a execução de atividades teóricas e práticas, sempre orientadas por instituições qualificadas.
Ainda que permitidas nos moldes da legislação pertinente, algumas atividades ficam proibidas para aprendizes com idade entre 14 (quatorze) e 17 (dezessete) anos, conforme da chamada Lista TIP, estabelecida pelo Decreto nº 6.481, de 2008, que estipula funções que expõem o aprendiz a situações insalubres, penosas ou perigosas.
De nossa parte, entendemos, por expressa disposição legal, como será visto mais adiante, que a profissão de motorista não pode ser incluída da base de cálculo da cota, pois necessária qualificação técnica e própria para o seu exercício, o que não se coaduna com o instituto da aprendizagem, na sua acepção jurídica e também pedagógica, conforme preceitua o conceito dado pelo ECA, por meio de seu artigo 62.
Exclusão para formação de cotas
Inicialmente, cumpre destacar que o contrato de aprendizagem depende da frequência do aprendiz em uma instituição que o capacitará prático-profissionalmente para o mercado de trabalho, sendo certo de que as mencionadas longas jornadas prejudicariam a frequência a essas instituições.
Conjugando o artigo 429 da CLT com o disposto no § 2º do artigo 2º da Instrução Normativa (IN) nº 75, de 2009 e o § 1º do artigo 9º do Decreto nº 5.598, de 2005, não integram a base de cálculo para aplicação das alíquotas legais:
- As funções que não demandem formação profissional;
- As funções que, em virtude de lei, exijam formação profissional de nível técnico;
- As funções de nível superior;
- As funções caracterizadas como cargos de direção, de gerência ou de confiança (CLT, art. 62, II, e § 2º do art. 224);
- Os contratados sob regime de trabalho temporário, e
- Os aprendizes já contatados.
O sentido da norma, portanto, é de que o número de aprendizes deverá tomar por base as funções que demandem formação profissional.
Assim, além das dificuldades na contratação de aprendizes para o cumprimento da cota legal entre 5% e 15%, a função de motorista profissional, ainda que tenha inegável função social, não adere à finalidade instrutiva e pedagógica para aprendizagem, uma vez que para tais profissionais a lei exige habilitação e capacitação próprias, conforme previsto no CTB, em especial os artigos 140 e 141.
A propósito disso, ensina Rizzardo (2001, p.353):
“Para conduzir veículos, exige-se a competente habilitação ou capacitação, que se apura através de exames, testes ou provas. A ninguém se permite que conduza ou dirija veículos se não estiver devidamente habilitado, sob pena de incidirem várias cominações, como as previstas no art. 162, e constituídas de multa (três vezes) e apreensão do veículo.”
Não por outro motivo, sobre a aprendizagem, o mesmo autor destaca em sua obra (2001, p. 358):
A matéria é longamente tratada (...) abrangendo a organização de escolas para formação de condutores; a aprendizagem de direção veicular, destacando o estudo teórico-técnico, a prática, e a Licença para Aprendizagem de Direção Veicular – LADV, expedida pelo Departamento de Trânsito, segundo modelo que apresenta; a habilitação para direção veicular; o exame de sanidade física e mental; as categorias de veículos automotores; os exames de legislação de trânsito e direção veicular; a Narteira Nacional de Habilitação (sic); e a autorização para conduzir ciclomotores (grifo nosso).
Enquadramento da profissão de motorista para fins de cota
Como abordado nos itens anteriores, ainda que disposta no texto legal a exigência de cumprimento da cota de aprendizagem para as funções que demandem formação profissional, é claro que a de motorista não merece tratamento similar às demais.
Isto porque, conforme preceitua o artigo 141 do CTB, já são aprendizes os jovens que se encontram no processo de habilitação para condução de veículos. Desta forma, o instituto da aprendizagem encontra-se plenamente presente neste momento, não havendo razão para empregar tais jovens na condição de aprendizes, uma vez que esta finalidade fora cumprida.
Analisando-se o dispositivo mencionado, percebe-se que é exigência do próprio CTB, para exercício da profissão de motorista, a aprovação em curso especializado e de treinamento.
Com efeito, note que o artigo 158 do mesmo Código dispõe que a aprendizagem no processo de habilitação deve ser acompanhada por instrutor autorizado, não pairando dúvidas quanto à capacitação e a formação profissional do candidato à habilitação.
Diz o artigo 158 do CTB:
A aprendizagem só poderá realizar-se
I - nos termos, horários e locais estabelecidos pelo órgão executivo de trânsito;
II - acompanhado o aprendiz por instrutor autorizado.
§ 1º Além do aprendiz e do instrutor, o veículo utilizado na aprendizagem poderá conduzir apenas mais um acompanhante.
§ 2º Parte da aprendizagem será obrigatoriamente realizada durante a noite, cabendo ao CONTRAN fixar-lhe a carga horária mínima correspondente.
Ainda, também diz o artigo 141:
O processo de habilitação, as normas relativas à aprendizagem para conduzir veículos automotores e elétricos e à autorização para conduzir ciclomotores serão regulamentados pelo CONTRAN.
Por sua vez, a Resolução nº 358, de 2010, do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAM), regulamenta o credenciamento de instituições ou entidades públicas ou privadas para o processo de capacitação, qualificação e atualização de profissionais, e de formação, qualificação, atualização e reciclagem de candidatos e condutores.
Neste mesmo sentido, a Resolução nº 168, de 2004, do mesmo órgão, estabelece normas e procedimentos para a formação de condutores de veículos automotores e elétricos, a realização dos exames, a expedição de documentos de habilitação, os cursos de formação, especializados, de reciclagem.
Como se verifica, para exercer as atividades de motorista, a pessoa humana necessidade de uma aprendizagem própria e específica, já regulamentada por lei e que não pode ser ministrada pelos órgãos do chamado “Sistema S".
Não por outro motivo, Rizzardo (2001, p. 140), destaca, em comentários ao citado artigo 141 do CTB:
“Três os campos de abrangência do dispositivo: o processo de habilitação, visando a concessão de documento próprio que permita a condução; a aprendizagem, necessária antes de iniciar o procedimento de habilitação; e a autorização para conduzir ciclomotores.”
De outro lado, o artigo 148 do CTB é claro ao estabelecer os órgãos credenciados a formar e habilitar motoristas. Reza o dispositivo:
Os exames de habilitação, exceto os de direção veicular, poderão ser aplicados por entidades públicas ou privadas credenciadas pelo órgão executivo de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, de acordo com as normas estabelecidas pelo CONTRAN.
§ 1º A formação de condutores deverá incluir, obrigatoriamente, curso de direção defensiva e de conceitos básicos de proteção ao meio ambiente relacionados com o trânsito.
§ 2º Ao candidato aprovado será conferida Permissão para Dirigir, com validade de um ano.
§ 3º A Carteira Nacional de Habilitação será conferida ao condutor no término de um ano, desde que o mesmo não tenha cometido nenhuma infração de natureza grave ou gravíssima ou seja reincidente em infração média.
§ 4º A não obtenção da Carteira Nacional de Habilitação, tendo em vista a incapacidade de atendimento do disposto no parágrafo anterior, obriga o candidato a reiniciar todo o processo de habilitação.
§ 5º O Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN poderá dispensar os tripulantes de aeronaves que apresentarem o cartão de saúde expedido pelas Forças Armadas ou pelo Departamento de Aeronáutica Civil, respectivamente, da prestação do exame de aptidão física e mental.
As regras ali estabelecidas, portanto, não deixam margem para dúvidas, quanto à impossibilidade de aplicação da aprendizagem exigida pelo artigo 429 da CLT à categoria dos motoristas.
Aliás, é por isso que lá se excluem expressamente, da base de cálculo para formação da cota de aprendizagem, as funções que exigem formação profissional de nível técnico, nas quais se encaixam perfeitamente as exigências técnicas e de habilitação necessários ao exercício da profissão de motorista.
E isto fica mais claro pelo disposto no artigo 158 do CTB, in verbis:
A aprendizagem só poderá realizar-se
I - nos termos, horários e locais estabelecidos pelo órgão executivo de trânsito;
II - acompanhado o aprendiz por instrutor autorizado.
§ 1º Além do aprendiz e do instrutor, o veículo utilizado na aprendizagem poderá conduzir apenas mais um acompanhante;
§ 2o Parte da aprendizagem será obrigatoriamente realizada durante a noite, cabendo ao CONTRAN fixar-lhe a carga horária mínima correspondente.
Esta situação fica mais evidente nos casos em que a habilitação é exigida dos motoristas profissionais, conforme artigo 143 do CTB e as categorias de habilitação lá especificadas, que exigem maior rigor nos estes, na capacitação e na habilitação, o que demonstra que tais profissionais, efetivamente já passam por um processo de aprendizagem, semelhante ou mais rigoroso até, àquele tipificado no artigo 429 da CLT.
Os artigos 144 ao 150 do CTB, também reforçam esta tese, na medida que exigem para condução de veículos específicos e ou especiais, habilitação e capacitação mais rigorosa na formação do motorista que, nesta condição, atua profissionalmente.
Com o atual Estatuto do Motorista (Lei nº 13.103, de 2015), esta capacitação ficou ainda mais evidente, assim como a exigência legal de que a formação destes profissionais somente pode se dar segundo as regras do CONTRAN.
Diz, aliás, o artigo 2º do Estatuto:
São direitos dos motoristas profissionais de que trata esta Lei, sem prejuízo de outros previstos em leis específicas:
I - ter acesso gratuito a programas de formação e aperfeiçoamento profissional, preferencialmente mediante cursos técnicos e especializados previstos no inciso IV do art. 145 da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, normatizados pelo Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, em cooperação com o poder público (grifo não original).
A jurisprudência confirma nossa tese:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATAÇÃO DE APRENDIZ. Os motoristas não se incluem na base de cálculo de que trata o art. 429, caput, da CLT, para a contratação do número de aprendizes, por se tratar de atividade que exige habilitação profissional específica (artigo 10, parágrado 1º, do Decreto nº 5.598/06). Sentença mantida.
TRT-4-RO: 5490220115040741 RS 0000549-02.2011.5.04.0741, Relator: Maria Inês Cunha Dornelles, Data de Julgamento: 16/05/2012.
MANDADO DE SEGURANÇA – INCLUSÃO DE MOTORISTAS E COBRADORES NA BASE DE CÁLCULO PARA DEFINIÇÃO DO NÚMERO DE A PRENDIZES A SEREM CONTRATADOS PELA EMPRESA – IMPOSSIBILIDADE. Basta a leitura do artigo 145 do Código Nacional de Trânsito para se concluir que a atividade de motorista de coletivos urbanos não pode ser exercida pelo menor de 21 anos. Também o item 72 do Decreto 6.841/08, que regulamenta os artigos 3º, alínea “d”, e 4º da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho, e que trata da proibição das piores formas de trabalho infantil e ação imediata para sua eliminação, impede que seja utilizada mão de obra de menores em atividade de manuseio de valores. Daí se concluir que essas atividades não podem ser incluídas na base de cálculo para definição do número de aprendizes a serem contratados pela empresa.
TRT/3ª Região, acórdão TRT-01154-2010-111-03-00- 4 RO, Relator: João Bosco Pinto Lara, 9ª Turma, Data de Julgamento: 18/02/2011.
Por outra via, a aplicação das cotas deve se dar de forma mais favorável para a relação aprendiz-empregador, à medida que sejam propiciadas condições benéficas à contratação para cumprimento da cota legal de aprendizagem pelo empregador, contando com tratamento diferenciado, haja vista a maior dificuldade para lograr êxito nesta finalidade, considerado todo o arcabouço jurídico antes detalhado.
Assim, para aqueles que não concordam com a tese aqui sustentada de não inclusão dos profissionais motoristas na base de cálculo da cota de aprendizagem, há que se ter em mente todas as dificuldades apontadas.
Não se mencionou, mas há, em adicional, o requisito da idade mínima para habilitação do motorista profissional, conforme as exigências do artigo 145 do CTB, notadamente no transporte de cargas e de pessoal.
Nesta condição, o TST já admitiu a flexibilização da cota de aprendizagem nestes casos, como se vê do seguinte julgado. Veja-se:
I. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. INCLUSÃO DOS EMPREGADOS MOTORISTAS NA BASE DE CÁLCULO DA COTA DE APRENDIZAGEM. CRITÉRIO DE CÁLCULO. PROPORCIONALIDADE. Demonstrada divergência jurisprudencial, impõe-se o provimento do agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. II. RECURSO DE REVISTA, INCLUSÃO DOS EMPREGADOS MOTORISTAS NA BASE DE CÁLCULO DA COTA DE APRENDIZAGEM. CRITÉRIO DE CÁLCULO. PROPORCIONALIDADE. O art. 428, caput, da CLT trata do contrato de aprendizagem, contrato especial, para maiores de 14 anos e menores de 24 anos, compatível com o desenvolvimento físico, moral e psicológico do aprendiz, inscrito em programa de aprendizagem de formação técnico-profissional metódica. Já o art. 429 trata da obrigação dos estabelecimentos de qualquer natureza de admitir aprendizes em número equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo dos empregados existentes em cada estabelecimento cujas funções demandem formação profissional. Conforme o disposto pela Corte Regional, o presente caso trata da função de motorista, que demanda formação profissional e está incluída na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Assim, além de exigir formação profissional, nos termos do artigo 429 da CLT, não está inserida entre as exceções previstas no artigo 10, § 1º, do Decreto nº 5.598/05, não existindo nenhuma justificativa para excluir os empregados que exercem tal função da base de cálculo do número de aprendizes a serem contratados. Contudo, segundo o Código de Trânsito Brasileiro, Lei 9.503/97, em seus incisos I e IV do artigo 145, para conduzir veículo de transporte coletivo de passageiros, há a exigência de ser maior de 21 anos e ser aprovado em curso especializado e em curso de treinamento de prática veicular em situação de risco, nos termos da normatização do CONTRAN. A contratação de aprendizes para essa função, portanto, está limitada aos maiores de 21 anos e menores de 24 anos. Todavia, consoante entendimento desta 7ª Turma, prevalece o entendimento do Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, que julgou caso similar no processo RR 357-78.2012.5.11.0017, DEJT 18/09/2015, sobre o tema em questão, nos seguintes termos: “em razão da limitação de idade e da exigência de habilitação específica, a porcentagem mínima de contratos de aprendizagem em relação aos motoristas e cobrados de ônibus existentes na empresa deve ser proporcional à faixa etária que podem ser contratados desta forma. Assim, na função de motorista de ônibus, em que o parâmetro etário é reduzido de 21 até 24 anos, o contrato de aprendizagem terá, no máximo, três anos, sendo proporcional a exigência mínima de 1,5% de aprendizes nesse ofício. (...)”. Recurso de revista que se conhece e a que se dá provimento parcial.
(TST – RR: 4091120135020431. Relator: Douglas Alencar Rodrigues, Data de Julgamento. 02/03/2016, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 11/03/2016).
Conclusão
Por meio deste artigo, conclui-se que a aprendizagem desempenha papel fundamental na formação profissional dos jovens a serem inseridos no mercado de trabalho. Sendo obrigação legal, o cumprimento de sua cota é de suma importância para a manutenção da relação laboral.
Entretanto, com relação aos motoristas, entendemos que:
1) tal categoria não compõe a base de cálculo da cota de aprendizagem, pois tais profissionais não se sujeitam, especificamente, aos ditames do artigo 429 da CLT, pois, para sua capacitação e habilitação, já há procedimento próprio e específico previsto em lei, isto é, artigos 140 e 141 do CTB;
2) as funções desempenhadas pelos motoristas, se enquadram, portanto, no inciso I do Decreto nº 6.481, de 2008, pois há exigência de formação própria, semelhante à dos cursos de natureza técnica;
3) em razão de todas as variáveis, condicionantes e restrições envolvendo a profissão de motoristas, nelas incluída a idade mínima para o exercício da profissão – 21 (vinte e um) anos, há, ao menos, que se flexibilizar a base de cálculo da cota de aprendizagem quando envolvidos tais profissionais, pois é inegável as maiores restrições verificadas nestes casos.
Referências
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho, 6ª edição, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forende, 2012.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho, 25ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010.
RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro, 3ª edição, rev., atual. e ampl. São Paulo: Forense, 2001.
FETROPAR – Federação dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado do Paraná. Lei da Aprendizagem é diferente para empresas com motoristas profissionais. FETROPAR – Federação dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado do Paraná. Disponível em: <http://fetropar.org.br/lei-da-aprendizagem-e-diferente-para-empresas-com-motoristas-profissionais/>. Acesso em: 8 de junho de 2018.
MARTINS, Jomar. Motorista de empresa logística não entra em cálculo de cota de aprendiz. Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-out-01/motorista-nao-entra-calculo-cota-aprendiz-empresa2>. Acesso em: 6 de junho de 2018.
NETO, Francisco Ferreira Jorge. Contrato de aprendizagem e as alterações da Lei 13.420/2017. GENJurídico.com.br. Disponível em: <http://genjuridico.com.br/2017/09/04/contrato-de-aprendizagem-alteracoes/>. Acesso em: 11 de junho de 2018.
nOTAS
[1]“Locais que tinham o objetivo de oferecer ensino profissional primário e gratuito para pessoas que o governo chamava de “desafortunadas” à época”. Disponível em www.brasil.gov.br. Acesso em 08 de junho de 2018.