Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Comentários à Lei n. 13.654/2018

Exibindo página 1 de 2
Agenda 30/08/2019 às 13:10

Comentamos as importantes alterações promovidas pela Lei 13.654/2018, especialmente nas qualificadoras dos crimes de furto e roubo.

Vamos tratar da Lei 13.654/18, que promoveu importantes alterações especialmente nos crimes de furto e roubo (artigos 155 e 157 do Código Penal).

De início, é oportuno ressaltar que se trata de uma lei federal. Isso porque, nos termos do art. 22, I, da CR/88, compete à União legislar privativamente sobre Direito Penal.

A lei entrou em vigor na data de sua publicação, ou seja, no dia 23 de abril de 2018(1).

A novel lei acrescentou os parágrafos 4º-A e 7º ao art. 155, que trata do delito de furto. No parágrafo 4º-A foi positivada uma qualificadora, estabelecendo-se que a pena é de reclusão de 4 a 10 anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. O parágrafo 7º também prevê uma qualificadora, ao estabelecer que a pena é de reclusão de 4 a 10 anos, se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.

Considerando as penas mínimas cominadas aos furtos qualificados criados pela nova lei, não é cabível a suspensão condicional do processo (art. 89, caput, da Lei 9.099/952). Entretanto, em caso de condenação e fixação de pena mínima, nas duas hipóteses (parágrafos 4º-A e 7º), a pena privativa de liberdade poderá ser substituída por restritivas de direitos, com base no art. 44, I, do Código Penal3. Em tese, havendo causas de diminuição de pena (tentativa4, arrependimento posterior5, semi-imputabilidade6), é possível a fixação de pena privativa de liberdade inferior a 2 anos, sendo cabível a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal7). Entretanto, é bom lembrar que, cabendo a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, afasta-se a suspensão condicional da pena, que tem caráter subsidiário8 9. Essa conclusão é importante, porque as condições da suspensão condicional da pena podem ser mais brandas do que as penas restritivas, de modo a justificar o pedido de aplicação do primeiro benefício em detrimento do segundo, nas hipóteses em que os dois têm cabimento.

A modificação foi justificada pelos recorrentes furtos, principalmente em agências bancárias, com a utilização de explosivos. A imprensa noticiou episódios de terror, especialmente em cidades do interior, onde os criminosos se valeram de explosivos para acessar os valores existentes no interior de caixas eletrônicos e/ou agências bancárias.

Podíamos identificar dois posicionamentos a respeito do enquadramento típico da conduta: i) crime de furto qualificado pelo rompimento ou destruição de obstáculo (art. 155, parágrafo 4º, I do Código Penal10); ii) concurso entre os crimes de furto qualificado pelo rompimento ou destruição de obstáculo e explosão (art. 155, parágrafo 4º, I, e art. 251, § 2º, ambos os artigos do Código Penal)11

As qualificadoras criadas não podem retroagir, pois configuram novatio legis in pejus12.

A Lei 13.654/18 também alterou o crime de roubo. Acrescentou o inciso VI ao parágrafo 2º do art. 157, estabelecendo que se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego, a pena é aumentada de 1/3 até 1/2; acrescentou o parágrafo 2º-A, que aumenta a pena de 2/3 em duas hipóteses: I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo; II – se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. Por fim, nos termos do parágrafo 3º, se da violência no roubo resulta: I – lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 (sete) a 18 (dezoito) anos, e multa; II – morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa. Observe-se que a pena do roubo com emprego de violência e provocação de lesão corporal grave a pena cominada foi aumentada (antes a pena era de 7 a 15 anos; agora é de 7 a 18 anos).

A alteração mais polêmica foi a revogação do inciso I, do art. 157, que previa o aumento da pena quando o roubo fosse cometido com o emprego de arma.

O inciso I não restringia o conceito de arma. Assim, a jurisprudência consolidou-se no sentido de que a causa de aumento abrangia tanto as armas próprias quanto as impróprias. Relembre-se que arma própria é aquela produzida com a finalidade específica de ataque ou defesa (espada e punhal). Já as armas impróprias são os instrumentos que, apesar de não terem sido criados para ataque ou defesa, circunstancialmente podem ser utilizados para tais finalidades. Desse modo, uma pedra, um pedaço de pau ou ferro, uma cadeira, tudo isso, enquadrado no conceito de arma imprópria, ensejava o aumento da pena. Vejamos alguns entendimentos do STJ sobre o tema:

Caso o roubo seja agora exercido com o emprego de arma de fogo, a pena será aumentada de 2/3, segundo o parágrafo 2º-A, acrescentado pela nova lei. Se houver destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum, a pena também é aumentada de 2/3.

Pergunta-se: a utilização de armas impróprias no crime de roubo não poderá ter mais nenhuma repercussão com a Lei 13.654/18? A resposta é negativa. É verdade que não há mais a causa de aumento, mas o julgador pode (e deve) avaliar o emprego de armas impróprias nas circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal13. O emprego de armas impróprias pode justificar a valoração negativa da culpabilidade ou das circunstâncias. Com efeito, o grau de censurabilidade da conduta do agente que pratica um roubo com emprego de uma faca (arma imprópria) não é o mesmo do agente que apenas emprega grave ameaça para vencer a resistência da vítima em entregar seus pertences.

A revogação do inciso I, do parágrafo 2º, por ser benéfica ao agente, tem efeito retroativo (novatio legis in mellius) (art. 2º, parágrafo único, CPB).

Importante salientar que a revogação da causa de aumento pelo emprego de arma no crime de roubo está sendo discutida. O Ministério Público de vários Estados sustenta que o art. 4º da Lei nº 13.654/2018, responsável pela revogação do inciso I, seria formalmente inconstitucional. Argumentam que o dispositivo teria sido retirado pelos Senadores na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e posteriormente teria sido reinserido no projeto pela Coordenação de Redação Legislativa, formada por servidores que prestam apoio ao processo legislativo, mas sem que esta reinserção tenha sido previamente aprovada pelos parlamentares.

Ainda não há uma definição sobre a alegada inconstitucionalidade formal da norma, sendo que a resposta final deverá ser dada pelo Supremo Tribunal Federal. No Superior Tribunal de Justiça, a revogação já foi aplicada (AgRg no HC 417.083/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 15/05/2018, DJe 04/06/2018).

O parágrafo 2º, VI, o parágrafo 2º-A e o parágrafo 3º, I, todos inseridos no crime de roubo, não podem retroagir, por força do art. 5º, XL da CR/88.

Destaque-se, ainda, que, no crime de extorsão, o Legislador manteve a causa de aumento quando houver o emprego de arma14, situação que não deixa de causar desconforto, considerando a semelhança entre os dois delitos.

A Lei 13.654/18 também alterou a Lei 7.102/83, criando obrigações para as instituições financeiras:

Art. 2º-A As instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, que colocarem à disposição do público caixas eletrônicos, são obrigadas a instalar equipamentos que inutilizem as cédulas de moeda corrente depositadas no interior das máquinas em caso de arrombamento, movimento brusco ou alta temperatura.

§ 1º Para cumprimento do disposto no caput deste artigo, as instituições financeiras poderão utilizar-se de qualquer tipo de tecnologia existente para inutilizar as cédulas de moeda corrente depositadas no interior dos seus caixas eletrônicos, tais como:

I – tinta especial colorida;

II – pó químico;

III – ácidos insolventes;

IV – pirotecnia, desde que não coloque em perigo os usuários e funcionários que utilizam os caixas eletrônicos;

V – qualquer outra substância, desde que não coloque em perigo os usuários dos caixas eletrônicos.

§ 2º Será obrigatória a instalação de placa de alerta, que deverá ser afixada de forma visível no caixa eletrônico, bem como na entrada da instituição bancária que possua caixa eletrônico em seu interior, informando a existência do referido dispositivo e seu funcionamento.

§ 3º O descumprimento do disposto acima sujeitará as instituições financeiras infratoras às penalidades previstas no art. 7º desta Lei.

§ 4º As exigências previstas neste artigo poderão ser implantadas pelas instituições financeiras de maneira gradativa, atingindo-se, no mínimo, os seguintes percentuais, a partir da entrada em vigor desta Lei:

I – nos municípios com até 50.000 (cinquenta mil) habitantes, 50% (cinquenta por cento) em nove meses e os outros 50% (cinquenta por cento) em dezoito meses;

II – nos municípios com mais de 50.000 (cinquenta mil) até 500.000 (quinhentos mil) habitantes, 100% (cem por cento) em até vinte e quatro meses;

III – nos municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, 100% (cem por cento) em até trinta e seis meses.

A redação da causa de aumento prevista no parágrafo 2º-A, I, do art. 157 do Código Penal não acabará com a discussão acerca da necessidade de apreensão da arma de fogo e a avaliação de sua potencialidade lesiva por perícia. Atualmente tanto o STF quanto o STJ entendem que a apreensão é desnecessária, bastando que existam provas do emprego da arma. Veja-se:

Com a entrada em vigor da nova lei, é possível que o entendimento seja revisitado pelos Tribunais Superiores.

Sobre o autor
Tiago Ferreira Barbosa

Juiz de Direito no Estado de Minas Gerais. Professor de cursos preparatórios para concurso.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Tiago Ferreira. Comentários à Lei n. 13.654/2018. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5903, 30 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68025. Acesso em: 2 mai. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!